sexta-feira, 2 de maio de 2025

Dragonfly - Dragonfly (1968)

 

A principal honraria que este reles e humilde blog me proporciona, além, é claro, de meu ímpeto e interesse, é a busca incessante e passional pelas obscuridades que estão, lamentavelmente, relegados ao ostracismo e vilipêndio da indústria fonográfica e até mesmo dos fãs de rock n’ roll.

E não se enganem, estimados leitores, de que tais bandas foram relegadas ao ostracismo pelo fato de não entregarem nada de contundente sob o aspecto sonoro. Nunca! Muitas bandas obscuras trouxeram na sua época algo realmente cativante em termos de música, ou seja, se tornaram, mesmo trafegando nas sombras, referência no estilo.

Esse também é um dos fatores pelo qual me estimulo a continuar desbravando tais bandas, com a intenção de desmistificar certas “verdades” dentro das mais diversas cenas de rock ao longo das décadas. Não se enganem, bons amigos leitores, em algumas verdades absolutas por aí, principalmente quando se fala em pioneirismo na música.

Claro que assuntos como esse, sempre difíceis de se contextualizar, são deveras complexos, afinal são tantos fatores a se levarem em consideração, tantos quesitos e condicionantes que podem ou não derrubar certas teses e afirmações. Esses debates, além de gerarem discussões acaloradas, suscitam também, dependendo da forma como são conduzidas, podem ser extremamente enriquecedores.

Mas questionamentos, verdades e certezas à parte recentemente descobri uma banda que me surpreendeu positivamente e me fez chegar a uma conclusão de forte sustentação: de que há muito a se desbravar no rock n’ roll, de que a selva ainda tem pontos inexplorados.

Antes de falar do álbum e banda eu gostaria de dizer que os anos 1960 foram marcados, principalmente em meados daquela década, pela psicodelia, pela batida psicodélica, pela revolução do “Flower Power”, pelo experimentalismo lisérgico de suas principais bandas. Poucas foram as bandas que se aventuraram em uma abordagem sonora mais pesada e nesse rol podemos incluir bandas como Blue Cheer, The Who, Steppenwolf, Led Zeppelin que, mesmo antes dos anos 1970, período em que surgiram, em profusão, as bandas de hard rock, gravaram seus primeiros discos pesados.

Algumas bandas, as mencionadas acima, atingiram o êxito comercial, outras caíram no limbo do esquecimento, como o Blue Cheer que hoje goza de algum sucesso, graças ao advento das mídias sociais e o compartilhar de seu trabalho pelos aficionados pelo seu som e ostenta o status de banda “cult”.

Porém a banda que descobri gravou apenas um álbum, para variar, e está em uma condição de muito rara, pouquíssimo conhecida. Falo da banda DRAGONFLY, com seu trabalho, homônimo, de 1968. Mas o que o Dragonfly tem? O que o seu desconhecido único trabalho oferece? Peso! Muito peso! Um som poderoso e incomum para a época em que foi concebido! Não quero, tomado por um êxtase, me antecipar e falar do álbum, afinal, ainda tenho algo, embora pouco, a dizer da história da banda, mas preciso dizer que é um trabalho arrojado, arrebatador e revolucionário para a época!

Dragonfly

E falando em história, vamos tecer algumas linhas sobre o Dragonfly e seu único álbum. E já começa com algumas informações estranhas acerca da origem da banda. Muitos afirmam que o Dragonfly não era um nome de banda, mas sim de um álbum e que os músicos envolvidos jamais divulgaram e tão pouco fizeram shows com este nome. Trata-se meramente de um álbum de uma banda norte americana, mais precisamente do Colorado, chamada “The Legend”. Outras fontes já dão conta que sim, era uma banda formada com outro nome e que em um passado pouco distante se chamava The Legend e mais tarde, Dragonfly.

The Legend

The Legend, como disse, era de Colorado, nos Estados Unidos, mas que oscilava entre lá e Los Angeles para gravar e lançar seus materiais. A formação conta com Jack Duncan (baixo), Barry Davis (bateria, vocais de apoio), Gerry Jimerfield (guitarra, vocais principais), Randy Russ (guitarra, vocais de apoio) e Ernie McElwaine (teclados).

As origens do The Legend remontam até El Paso, onde em 1965 Duncan e Davis se conheceram e se tornaram amigos rapidamente enquanto tocavam em uma banda chamada “The Paws”. Jimerfield e McElwaine, animados com a ida do The Paws para um show no Novo México, fizeram uma viagem para conferir e ficaram impressionados com a performance da banda.

A cena rock de El Paso, à época, era proeminente, tinham muitas bandas e, claro, um público fiel e interessado na música que tais bandas executavam. The Paws era uma banda que gozava de algum sucesso, mesmo tendo tido muitas mudanças na formação. Eram bem-sucedidos, por isso que Jimerfield e McElwaine fizeram uma longa viagem de Colorado para o Novo México para vê-los.

Jack se juntou ao The Pawns em 1965 e quando o baterista Jimmy Wagnon, do Bobby Fuller Four, saiu, Barry Davis foi contratado. Os outros dois caras da banda eram casados, então Jack e Barry se tornaram bons amigos. Bobby Fuller era de El Paso e tinha um grande estúdio de gravação em sua casa. Jack conhecia Bobby e seu irmão Randall desde os 16 anos de idade e fez alguns trabalhos de rodie local para eles. Quando Jack se juntou ao The Pawns, ele estava aprendendo violão, mas o baixista queria sair. Ele vendeu seu baixo para Jack por US$ 50,00 e mostrou a ele o básico das músicas.

Por intermédio de Bobby Fuller, The Pawns se interessaram em tocar em Farmington, no Novo México, com um promotor local de lá. The Pawns iam lá uma vez a cada dois meses e tocavam. Eles eram muito populares, ganhavam muito dinheiro e a notícia se espalhou sobre eles. Uma noite de sábado, Jimerfield e McElaine, foram até Farmington para ouvir sobre o que The Pawns era. Como disse ficaram impressionados com o que viram e, depois do show, Gerry se apresentou a Jack, disse que tinha conexões na Costa Oeste e se ofereceu para montar algo se Jack e Barry quisessem. Aqui seria o embrião do The Legend/Dragonfly.


Dragonfly (primeira foto) e The Legend

Poucos meses depois, eles ligaram para Gerry. Ele os convidou para se mudarem para Durango e disse que eles poderiam ficar de graça no motel dos pais dele. Barry e Jack jogaram seus equipamentos na parte de trás do capô rígido de um Chevy Bel Air Canary Yellow 57 de Barry e partiram para Durango. A banda ensaiou lá por alguns meses como um quarteto e então decidiu que era hora de alugar outra guitarra. Jack e Barry sugeriram outro garoto chamado Randy Russ. Ele estava em uma banda competitiva de El Paso chamada “Instigators”, mas quando eles ligaram, ele agarrou a chance. Randy se mudou para Durango e tudo parecia que ia dar certo com essa formação.

A banda, que agora se chamada “Lords of London”, foi até a área de Denver e tocou em muitos clubes da época. Eles foram bem recebidos e começaram a tocar como banda de abertura no famoso “Family Dog”. Uma das bandas com quem eles pareciam acabar trocando sets era uma banda chamada American Standard com um ótimo guitarrista chamado Tommy Bolin, simplesmente. Passaram alguns apertos por lá, mas logo voltariam para Colorado para tocar no “verão do amor”, em 1967 e tiveram tempos de sucesso por lá.

Estavam todos prontos para lançar um álbum, quando voltaram para Los Angeles, juntamente com seus empresários, mas surgiu um “problema”. Os caras achavam que bandas de rock não deveriam escrever seu próprio material e tão pouco tocar em estúdio. Estavam procurando um novo nome quando um companheiro de viagem chamado Mark Clark sugeriu “The Jimerfield Legend”. Gerry era o cara mais velho e experiente da banda. Era líder da banda e o mais carismático. Muitos shows foram feitos com esse nome e uma das referências históricas a ele é de um dos pôsteres do Family Dog que pode ser visto na parede da escada da casa de Steve McQueen no filme “Bullit”.

Mas os empresários não queriam usar esse nome para a banda. E se Gerry saísse da banda, o que seria? Então o álbum saiu com o nome de “The Legend”, com um monte de músicas escolhidas pelos empresários e tocadas por músicos de estúdio, embora por alguns dos melhores da época, como Carol Kaye e Hal Blane. Os arranjos foram feitos por Gene Page, da Motown, além de Barry White.

Um dos empresários viu o The Legend tocar no “Family Dog”, em Denver e ficou surpreso com a apresentação da banda e o quanto o público correspondeu, além de toda a estrutura de palco. O mesmo perguntou a banda o por que eles não tinham dito a ele que eles podiam compor e tocar tão bem. A banda tentou explicar, mas simplesmente não entenderam. Diante desse “novo” cenário o empresário volta à Los Angeles e diz ao seu colega que eles precisam deixar a banda fazer um álbum autoral.

Quando a banda viaja para Los Angeles eles começaram a gravar o que se tornaria o álbum “Dragonfly”, por isso que tem essa “lenda” de que não existe uma banda chamada Dragonfly, mas sim um álbum e que, com essa história, se reforça. Por outro lado, no referido álbum não há menção de “The Legend” também. Nesse meio tempo, o tecladista havia deixado a banda e Dragonfly foi feito basicamente como um álbum de duas guitarras, baixo e bateria. Os empresários também contrataram um produtor chamado Richard Russell (nome verdadeiro Richard Egizi) e a banda gravou o álbum no “Amigo no ID Studios”, em North Hollywood com a engenharia de Hank Cicalo. 

Eles fizeram o álbum, sem nomes de membros da banda listados e sem fotos, novamente com medo de que se alguém saísse ou mudasse, isso prejudicaria a credibilidade da banda ou ainda não queriam dissociar o nome “The Legend”, pelo fato de estar ligado ao lançamento que não agradou aos músicos, por não ter material autoral. Mas há outra versão.

O nome da banda era uma arapuca que os empresários queriam fazer com a banda. Eles queriam trazer outros músicos, fazê-los aprender as músicas e coloca-los na estrada. Essa versão, inclusive, foi dita pelos músicos em entrevista no portal “It’s Psychedelic Baby Mag que pode ser conferida, em detalhes, aqui. Por isso que não se vê os nomes dos músicos no álbum.

Por isso também que o nome teria sido alterado para “Dragonfly”, pois os empresários teriam encontrado um cara viciado em ácido que tinha feito essa arte, esse desenho, muito bonito, a meu ver, e compraram, sendo essa foto usada para a arte do segundo álbum do The Legend ou Dragonfly. As tiragens estavam guardadas no estúdio e trancadas a chave, evitando que qualquer um tivesse acesso às cópias, inclusive a banda. 


Segundo os músicos as fechaduras teriam sido trocadas! E sobre o número de cópias prensadas, teriam sido 5.000 álbuns que foram enviados para a Austrália. E diante de tantos reveses a banda não teve nenhum apoio financeiro para divulgar seu álbum e tão pouco foram feitos shows para tocar as músicas nesse álbum contidas.

Os empresários

O álbum começa com “Blue Monday” traz aquela introdução pesada, para a época, de riffs de guitarra, que logo depois desliza para um groove lisérgico capitaneado pelo baixo pulsante e vivo. Não podemos negligenciar a seção rítmica dessa faixa e o vocal rasgado e alto, trazendo à tona um proto metal intenso.

"Blue Monday"

“Enjoy Yourself” começa com alguns solos de bateria e riffs pesados e ácidos que nos remete a bandas como Grand Funk Railroad e até mesmo um MC5, com uma discreta levada de blues rock ao estilo Steppenwolf. Essa mistura improvável ganha ainda mais peso com solos de guitarra que trazem à tona o tempo em que foi concebido: uma pegada psicodélica.

"Enjoy Yourself"

"Hootchie Kootchie Man" traz uma versão bem arrojada e que foge integralmente da versão original, sem blues, mas com uma versão hard rock bem cadenciada e uma “cozinha” muito entrosada, com destaque para o baixo cheio de groove novamente. Um típico hard rock extremamente volumoso. Cabe aqui também um espaço ao vocal arrastado, gritado e rouco.

"Hootchie Kootchie Man"

“I Feel It” continua no hard rock, mas com uma levada mais radiofônica, mais acessível, com solos de guitarra pesados e dançantes, ao estilo cravo, muito interessante. Esses músicos definitivamente sabem como fazer bons e envolventes arranjos.

"I Feel it"

"Trombodo" é um breve interlúdio orquestral que lembra aqueles álbuns progressivos conceituais que logo desemboca na faixa “Portrait of Youth” que te remete ao The Who, sobretudo pela forma complexa e cheia de recursos da bateria. Riffs de guitarra que te coloca alguns anos à frente, com peso e lembrando aquele proto-metal. Excelente faixa! 

"Trombodo"

“She don’t Care” é fantástica! O peso, os riffs de guitarra lisérgicos, pesados, te coloca em uma máquina do tempo rumo ao futuro, afinal é uma sonoridade rasgada, seca que te lembra fielmente o stoner rock dos tempos de hoje. Um proto stoner de respeito.

"She don't Care"

"Time Has Slipped Away" muda o humor do álbum e te entrega algo mais sombrio, soturno e introspectivo, mas não menos pesado, mas com alternâncias de passagens mais psicodélicas. O solo de guitarra é dissonante, rasgado e ácido.

"Time Has Slipped Away"

“To be Free” destoa um pouco da proposta do álbum é mostra mais do momento do rock daquele ano do que qualquer outra coisa. Riffs de guitarra mais dançantes corrobora a condição da faixa. “Darlin” é mais uma peça de 30 segundos começando com alguns compassos de country antes de desabar em rajadas de risadas chapadas.

"To be Free"

Fecha com “Miles Away” é um saboroso “psicopop” com “tonalidades” country e de folkrock, uma pegada mais comercial, mais beat, com sons eletrônicos, com manipulações de vocais, com uma vibe mais experimental, mesclado a um conceito orquestral.

"Miles Away"

Depois do lançamento de “Dragonfly” a banda estava financeiramente quebrada. O conceito de Dragonfly criado pelos empresários alheios aos maus passos sob o aspecto da gestão da banda e da carreira dos músicos que praticamente foram jogados de lado em uma investida de boicote, além de escolhas erradas, fez com que o “projeto” do The Legend que foi construída pelos empresários foram determinantes para a sua queda vertiginosa.

Não tinha shows, promoções, afinal o que era “Dragonfly” sem nomes, sem créditos, sem nada? Mas ainda assim eles conseguiram uma pequena transmissão de rádio de Los Angeles, como Jack se lembra de ouvir e receber um cheque de valor baixo de royalties da BMI. Um dos empresários chegou a promoter conseguir um show para o Dragonfly/The Legend no The Filmore West, em São Francisco. Os músicos nunca souberam o quão sério isso poderia ser e com a situação cada vez mais complicada, as pretensões de shows não se concretizaram. Então o Dragonfly seguiu o caminho de tantas bandas, direto para as sombras do esquecimento.

Por volta de 1998 Jack recebeu uma ligação, no mínimo inusitada e surpreendente de um cara na Bélgica, dizendo que havia uma estação de rádio que tocava vinil de bandas antigas e obscuras e que uma das músicas do Dragonfly estava entre as dez mais pedidas pelos ouvintes! Coisas de banda cult!

Houve várias reedições deste álbum. A primeira foi em 1992 pelo selo “Eva”, que continua, para os fãs e colecionadores, sendo a melhor reedição digital disponível comercialmente. Foi originado de um “rip” de vinil com ruído leve, mas, de outra forma, um som muito bom. Outro relançamento veio em CD pela “Gear Fab” que é pesado em graves, muito mais barulhento e acelerado. A reedição de 2012, em CD, pela Sunbeam aparentemente pegou esta fita master defeituosa, mantendo a velocidade errada, aumentou o volume.

Independente da forma como foram concebidas as reedições, em que formato, recuperar essa obra de arte é urgente e necessário. Um trabalho calcado em revoluções sonoras que romperam com o status quo daqueles tempos de danças psicodélicas, de beat, de lisergia experimental. “Dragonfly” diante de tantos entraves, de obstáculos destrutivos e irreversíveis por empresários que vislumbraram tão somente a grande oportunidade de ganhar dinheiro em detrimento da música, ainda assim não destruiu a essência de uma música arrojada e singular. Isso sim, manteve, até os dias de hoje e para todo sempre, solar e poderoso.




A banda:

Gerry Jimmerfield nos vocais, guitarra base

Randy Russ na guitarra solo

Ernie McElwaine nos teclados

Jack Duncan no baixo

Barry Davis na bateria

 

Faixas:

1 - Blue Monday

2 - Enjoy Yourself

3 - Hootchie Kootchie Man

4 - I Feel It

5 - Trombodo

6 - Portrait of Youth

7 - Crazy Woman

8 - She Don't Care

9 - Time Has Slipped Away

10 - To Be Free

11 - Darlin'

12 - Miles Away


"Dragonfly" (1968)

Nico, Gianni, Frank, Maurizio - Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza (1973)

 

A essência do rock n’ roll, é claro, é a música. É o que movimenta o nosso amor, a nossa passionalidade, o nosso prazer, o nosso deleite. O que pode parecer tão óbvio que chega a ser ridículo, não é totalmente um fato que o define. Outras nuances determinam grandes eventos históricos e está basicamente ligado a dinheiro e orgulho ou diria egos feridos e inflados.

Ao longo de décadas que falamos e ouvimos rock, sempre presenciamos batalhas judiciais por brigas contratuais, pelo uso de nomes de bandas, tudo parece fundamentar a condição humana de sua fraqueza em buscar o poder, o doce veneno do glamour.

E não se enganem, estimados leitores, que eventos como esses flutuam entre as bandas milionárias e famosas, afinal, como disse, é uma condição humana de sobressair-se ao semelhante, de ser mais poderoso que o outro, então, presenciamos alguns tristes eventos destrutivos de finais melancólicos de história de bandas que poderiam entregar muito mais, porém, tiveram sua existência abreviadas por batalhas judiciais.

Mas há alguns casos que acompanhamos atentamente, como se tivesse lendo tabloides sensacionalistas de músicos pasteurizados, o rompimento de bandas e o nascimento de outras. De projetos até mais ousados que as suas matrizes musicais. E eu preciso falar de uma banda emblemática da Itália que realmente mudou o mapa do rock progressivo daquele país: New Trolls.

New Trolls

Mas não falarei diretamente dessa seminal banda, mas de desdobramentos judiciais que fizeram com que seus tarimbados músicos se separassem. Adivinhem: foi travada uma contenda judicial para quem utilizaria o nome “New Trolls”, em 1973. De um lado do ringue tinha o guitarrista e vocalista da banda e um dos líderes, o Nico Di Palo e do outro lado, também uma das figuras importantes trazia simplesmente Vittorio De Scalzi.

Nico e Vittorio

Di Palo saiu em uma pequena vantagem levando consigo a formação que havia lançado o álbum “Ut”, um ano antes da briga legal, em 1972. O juiz que analisou o caso deu o seguinte veredicto: de que os músicos fundadores da banda poderiam usar o nome “New Trolls” desde que os mesmos fizessem parte da mesma banda, no caso De Scalzi, Di Palo e Belleno.

New Trolls - "Ut" (1972)

Mas os caras estavam em pé de briga, como poderiam se juntar para fazer com que usassem o nome “New Trolls”? Evidente que isso não iria para frente, então o nome fatalmente hibernaria, não seria usado e foi o que aconteceu. Cada um permaneceu no seu lado e sem o New Trolls a tira colo.

Então o De Scalzi decidiu fundar uma banda chamada NT Atomic System com os “ex-colaboradores Rosset e D’Adamo, enquanto a ala de Nico Di Palo permaneceu sem um nome. Mas esse último já estava o contrato com a gravadora Fonit Cetra, de Milão, já estava assinado e um novo álbum pronto para ser impresso: E agora: o que o nosso amigo Nico irá fazer? Estava em uma situação difícil, ou seja, de escolher um nome para a sua banda para o trâmite de lançamento fosse feito. E todos sabem que o processo de escolha de nome de banda, embora pareça, simples, não é.

"Atomic System" (1973)

Então com uma boa dose de “polêmica” e de sarcasmo a banda, formada por Nico Di Palo, nos vocais e guitarra, Gianni Belleno, nos vocais e bateria, Frank Laugelli no baixo e Maurizio Salvi, nos teclados, órgão e teclados, lançaram um álbum com um gigantesco ponto de interrogação na capa denotando que a banda nascera sem nome.

Nico, Gianni, Frank, Maurizio

 Era uma capa misteriosa, anônima, sem sigla, nada, nenhuma informação. Aos desavisados que não acompanhou a novela judicial deve ter recebido esse lançamento com outro ponto de interrogação na cabeça e claramente se perguntou: mas que banda é essa? Foi evidentemente intencional por parte de Nico. Ele queria responder, com a sua arte, o seu descontentamento com a decisão do juiz.

O álbum com um evidente ponto de interrogação geralmente é chamado pelos primeiros nomes dos seus integrantes: Nico, Gianni, Frank, Maurizio. Mas ele tinha um nome e foi chamado de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” e lançado em 1973. O que não é inominável é o conteúdo deste único trabalho dessa banda: Um verdadeiro furacão que une hard rock, rock progressivo e música clássica. Um álbum verdadeiramente arrojado e poderoso.

Diria, sem medo de errar que “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” é o lado mais rock e até mesmo visceral do New Trolls, afinal essa é a formação do New Trolls, de grande parte, pelo menos da banda. É isso que as vezes faz com que valha a pena acompanharmos algumas contendas judiciais entre as bandas e/ou os músicos, porque os projetos fluem, a criatividade voa alto.

“Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” traz uma gangorra sonora destacado por momentos mais acústicos e reflexivos, enquanto outros momentos são caracterizados por um som verdadeiramente massivo cujas referências chamam verdadeiramente a atenção e traz à tona coisas como Hendrix, Sabbath, Deep Purple e até Atomic Rooster em sua primeira encarnação.

As guitarras são o instrumento principal, consequentemente, apoiado por uma sonoridade potente, aliada a uma densa, enérgica mistura de teclados e coros que, além de proporcionar um timbre amplo e saturado, não deixe margens de dúvidas sobre a homogeneidade e capacidade dos instrumentistas desta banda.

O “lado A”, conhecido pelo nome de “Canti D'Innocenza”, traz a faixa inaugural chamada “Innocenza Esperienza” que já irrompe em riffs poderosos e pegajosos de guitarra. Um hard rock, um hard prog com pitadas clássicas com um ótimo drive, riffs e mais riffs e muita, mais muita energia. Os vocais são altos, quase gritados. Definitivamente é uma ótima música de entrada, que já chega tirando o fôlego dos ouvintes.

"Innocenza Esperienza"

“Signora Carolina” é uma mistura inusitada de Gentle Giant e Deep Purple. Doses interessantes de experimentalismo, folk, algo meio minimalista, barroco e pitadas mais heavy mostra uma música mais versátil e cheio de momentos distintos que a faz diversificada. Uma abertura clássica e um final har rock faz dessa balada rock especial. O “lado A” acaba com a faixa “Simona", uma balada curta, muito legal.

"Signora Carolina"

O “lado B”, chamado de “Canti D'Esperienza” surge com a faixa "L'amico della Porta Accanto", que traz novamente muito hard rock em sua abordagem. Diria, sem medo de errar, que essa música é uma espécie de prenúncio, de antecipação do heavy metal dos anos 1980, com um belíssimo uso de estrutura e órgão. Um proto prog metal que fala de uma cidade multiétnica onde marinheiros de todas as raças, nacionalidade e religiões todos os dias procuram relacionamentos de qualquer tipo e por qualquer meio.

"L'Amico della Porta Accanto"

Segue com "Vecchia Amica" que é outra epopeia sonora! Uma base pura de hard rock, mas com estrutura de rock progressivo, com viradas incríveis de bateria. A faixa tem de tudo, variação, profundidade, com ótimos e simples riffs, órgão louco, escaldante, seção rítmica animada e um final jazzístico que se torna a cereja do bolo no final.

"Vecchia Amica"

E o derradeiro fim vem com a faixa “Angelo Invecchiato” traz uma pegada meio lisérgica, psicodélica, sem tanta conexão com o hard rock e o heavy rock ou ainda o prog rock. É suave, diria com pitadas de space rock, bem sonhadoras.

"Angelo Invecchiato"

Logo após o lançamento de “Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza” a banda tem a sua primeira baixa: o baterista Gianni Belleno deixa a banda para dedicar-se a sua banda paralela, com viés mais pop, chamada Tritons e o trio restante decide colocar um nome na banda, passando a se chamar “Ibis”. Essa decisão veio após uma enquete de leitores organizada pela revista Ciao 2001!, encontrando também uma novo baterista à banda. O nome? Ric Parnell, que tinha sido baterista do Atomic Rooster.

Ric Parnell

Com novo nome e baterista e também um contrato com uma nova gravadora, a Polydor, eles gravaram o segundo álbum que viria a se chamar “Sun Supreme”, lançado em 1974 e completamente cantado em inglês. Trata-se de um álbum de transição, com seu estilo voltado para o hard rock e letras em inglês, a ideia era principalmente atingir o mercado externo, pois se assemelhou às bandas globalizadas e, para muitos, um trabalho pouco convincente do Ibis. Se é pouco convincente é algo a se discutir, mas definitivamente está um pouco distante da inspiração que gerou o debut da banda.

"Sun Supreme" (1974)

Mas os problemas com a formação do Ibis continuariam. Salvi e Parnell foram substituídos por Renzo Tortora e Pasquale Venditto, ambos vindos da banda Formum Livii. Com a nova formação o Ibis lançaria em 1975 o seu terceiro álbum que, para muitos especialistas, seria seu melhor trabalho, o trabalho mais maduro e definitivo. Apenas duas faixas foram cantadas em inglês e o resto cantado em italiano e neste trabalho se percebe uma pegada mais hard e prog, porém bem consistente.

"Ibis" (1975)

Mesmo com três lançamentos de álbuns o Ibis decretaria o seu fim em 1975, culminando com o retorno do New Trolls em 1975, com Nico Di Palo e seu antigo companheiro de banda, o baterista Gianni Belleno, gravando o álbum Concerto Grosso número 2.

Em 2007 o tecladista Maurizio Salvi formou uma banda chamada “Ibis Prog Machine” com o objetivo de reviver o antigo nome e as antigas músicas do velho Ibis. A banda contava com outro tecladista, Renato Rosset (ex-New Trolls Atomic System e Nova), os guitarristas Corrado Rustici (ex-Cervello e Nova) e Claudio Cinquegrana, o vocalista e baixista Roberto Tiranti e o baterista Marco Canavese, mas teve vida curta e se separou em 2008.

O “ponto de interrogação” teve relançamentos ao longo dos anos e 1987 foi lançado, em CD, pelo mesmo selo da gravação original, Fonit Cetra do Japão, além de outro lançamento, também em CD, pelo mesmo selo, em 1991, na Itália. Mais um relançamento em CD, pelo selo VM, em 2004, e finalmente em LP, pelo selo Vinyl Magic, em 2009, na Itália.

Guerras judiciais, embates de egos, brigas.... Tudo isso pode acarretar em finais tristes e precoces em histórias deslumbrantes de bandas, mas pode suscitar novas empreitadas e arrojadas no mundo da música e o ponto de interrogação trouxe um envolvente e intenso álbum com um maiúsculo ponto de exclamação que personifica na qualidade que esse trabalho proporcionou aos súditos do bom e velho rock n’ roll.



A banda:

Nico Di Palo na guitarra e vocal

Maurizio Slavi no paino, órgão, teclados

Frank Laugelli no baixo

Gianni Belleno na bateria e vocal

 

Faixas:

Canti D'Innocenza:

1 - Innocenza Esperienza

2 - Signora Carolina

3 - Simona

Canti D'Esperienza:

4 - L'Amico Della porta Accanto

5 - Vecchia Amica

6 - Angelo Invecchiato 


"Canti D'Innocenza Canti D'Esperienza" (1973) 


Gäa - Auf Der Bahn Zum Uranus (1974)

 

Acho pitoresco esses termos, essas nomenclaturas que se atribuem a uma banda ou sua obra de arte, as suas condições perante a cena, perante ao mercado e no que isso tudo pode impactar uma realidade em um determinado país ou a um estilo de música, como no caso do rock n’ roll, por exemplo.

Uma banda que lança um álbum e que passa despercebida, cai nos escombros do rock, se torna empoeirada, no limbo do ostracismo, mas, com o passar dos anos se torna cult, referência e tem seus álbuns, geralmente lançados de forma quase que “artesanal”, em poucas tiragens, sendo disputados a tapas pelos caçadores de raridades, ou ainda sendo vendidos em valores quase que inalcançáveis aos bolsos dos pobres mortais.

Não estou, caro e estimado leitor, questionando essas viradas da história, mas, parando para refletir, torna-se, no mínimo, louco pensar que um trabalho totalmente esquecido por tudo e por todos, depois de alguns anos, ter o valor de seus álbuns altíssimo.

São alguns fenômenos comerciais e sonoros que caberia uma profunda dissertação, mas não vou entrar nos pormenores para não os deixar, amigos leitores, cansados, tornando essa leitura deveras enfadonha. E a Alemanha dos anos 1970, com o seu krautrock, movimento político, comportamental e musical completamente contracultural, e mais à frente o prog rock, hard rock, trouxeram inúmeras bandas que ficaram à margem do sucesso, do glamour do mainstream, pelo simples fato de apresentar músicas pouco ortodoxas.

E uma banda, em especial, adequa-se a esses requisitos com uma fidelidade espantosa e promoveu uma música extremamente vanguardista e que, de uma forma, ajudar a tecer a música alemã dos incríveis anos 1970. Falo do Gäa. Arrisco dizer que essa banda sequer é comentada entre os próprios alemães apreciadores de rock, mesmo com a sua afeição a cena rock daqueles tempos.

Gäa

É underground, por isso é raro. É uma sonoridade que alucina, nos provoca a sair da famigerada e temida zona de conforto, nos torna mais eufóricos por perceber que a sua sonoridade é conduzida a um patamar onde a criatividade rege a mente e os instrumentos de seus músicos. O Gäa traz nuances extremamente surrealistas, uma obra de arte que nos entorpece, quase chega a ser abstrata.

Parece ser minimalista, experimental, lisérgico, mas descamba para o blues rock, para o hard rock, para o prog rock como que em um estalar de dedos, sem pestanejar. Não há uma obediência calcada em estereótipos, não há um carimbo que determina um estilo específico de música. Há sim, tudo. E falo tudo isso porque em seu debut, o “Auf Der Bahn Zum Uranus”, lançado em 1974, sintetiza fielmente o que foi a banda em sua curta trajetória no planeta da música.

Mas para perder o costume vamos à história da banda, afinal a sua história se torna o espelho do que produziu em seus álbuns, sobretudo para bandas como o Gäa que deixa a liberdade da criatividade imperar.

“Gäa” vem do nome da deusa grega da Terra e da Fertilidade, Gaia, e foi formada em 1973, em Saarbrücken, capital do menor estado do Sarre, que faz fronteira com Luxemburgo e França. E quem esteve na fundação foram três amigos: Helmut Heisel, na guitarra, Peter Bell, no baixo e Stefan Dörr, na bateria e que tocaram juntos em uma banda chamada “The Phantoms” no colégio.

Era uma banda praticamente amadora, de jovens músicos, que tocavam cover, mas que logo se estabilizou em torno do guitarrista Werner Frey, que entrou no lugar de Heisel que, quando se formou na escola, optou por cursar Direito, do baterista Stefan, do vocalista e percussionista Werner Jungmann, do tecladista Günther Lackes e do baixista e flautista Peter Bell.

Depois de vários shows, estes amigos tiveram a oportunidade de entrar em estúdio, ainda em 1973, quando a banda já estava de fato formada e determinada a gravar músicas autorais, para gravar o álbum “Auf Der Bahn Zum Uranus” que foi lançado um ano depois, em 1974, com uma tiragem, pasmem, de apenas 300 exemplares! Reza a lenda que a quantidade de prensagens foi ainda menor, com cerca de 289 cópias!

Desde o início de sua trajetória o Gäa se distanciou da cena cultura de Munique ou da antiga Berlim Ocidental. Não tinham a “elegância” local, não se comparavam a bandas como Can, Faust, Cluster ou ainda o Amon Düül. Talvez pelo fato da banda, sem recursos para ter os equipamentos caros ou uma estrutura condizente para construir sonoridades como dessas seminais bandas representantes do krautrock, construiu a sua própria e arrojada sonoridade. Se tornaram únicos à sua maneira, mesmo que diante de obstáculos e entraves de cunho estruturais.

"Auf Der Bahn Zum Uranus" que, em tradução livre, significa “No caminho para Urano”, talvez personifique bem a condição sonora de suas chapantes músicas, porque, como disse, além de ser bem original, traz aquele apelo à space rock, que arriscaria em dizer que pode ter sido um dos primeiros trabalhos lançados na história.

E esse tipo de música, pouco usual para a época, foi o que interessou Alfred Kerston, dono da gravadora Kerston Records que decidiu contratar os caras imediatamente. Mesmo com essa questão da música underground e que pouco se encaixa ao que existia à época, a banda foi precoce, porque foi formada em 1973 e logo gravou seu primeiro álbum em 1974.

E outro detalhe importante que é, no mínimo inusitado, é que a gravadora era focada principalmente no lançamento de singles e bandas pop e que sempre evitou desbravar músicos e bandas alternativas. Era um estúdio pouco equipado, não tinha a estrutura dos grandes estúdios da época e, claro que o Gäa seria submetido a esse cenário e gravaria seu primeiro álbum de forma muito artesanal e assim nasceu “Auf Der Bahn Zum Uranus”.

E além da pouquíssima tiragem, ainda sofreram com alguns acidentes, porque parte da edição foi destruída e apenas uma pequena parte, à época do lançamento, foi vendida nos shows, sem nenhum tipo de divulgação por parte da gravadora, mas também com esse número tão reduzido de cópias. O que fazer? E hoje é tido, por muitos especialistas e colecionadores ávidos de vinis, como um dos LPs mais raros do mundo!

Mas não se enganem, caros amigos leitores, que esse trabalho se resume a uma pegada space rock, mas traz texturas interessantes de blues rock, de hard rock, de psych rock, com altos tons de lisergia, com guitarras alucinantes, com levadas de prog rock com um caráter mais sujo e garage e uma discreta pegada experimental, afinal, quando se coloca tudo isso em um “caldeirão” sonoro, não pode ser esquecido o fator experimental para tentar definir esse clássico obscuro.

A produção, para variar, fica aquém do que se espera, afinal, com a tímida estrutura do estúdio a qual foi concebido, não poderia ser diferente, mas traz certo “charme” ao produto final, dando-lhe identidade, trazendo também composições ingênuas, simples, mas que sintetiza fielmente o rock em sua gênese.

O Gäa, com o seu debut, demonstra uma tendência não conformista. Sente-se uma música sensível, cheia de melancolia, paixão, visceral, com tons até mesmo dramáticos, graças ao hard rock e até mesmo ao folk envolvidos. Ousaria dizer que ficaria no mesmo patamar de medalhões como Pink Floyd, Scorpions e até mesmo Jimi Hendrix. Basta observar, ouvir a guitarra de Werner Frey para corroborar tal questão, mas não se enganem, a sonoridade não se plagia. A formação da banda, em seu primeiro trabalho, trazia: Werner Frey na guitarra e vocal, Stefan Dorr na bateria e vocal, Werner Jungmann no vocal, Gunter Lackes nos teclados, órgão, piano e vocal e Peter Bell no baixo. Flauta e vocal.

O álbum começa, e muito bem, com a faixa “Uranus” que introduz com sons calmos, brandos, levando a um sermão falado em alemão. Há quem diga se tratar da sonda “Voyager” que estava indo para esses planetas gigantes gasosos distantes na década de 1970. E com isso a música se traveste em uma paisagem sonora cósmica, graças a um órgão soturno e sinfônico, revestido por um blues ácido e pesado, nebuloso, com uma guitarra lisérgica. A música interage com space rock, a calmaria que este propicia e o peso da lisergia capitaneada pela guitarra.

"Uranus"

Segue com a instrumental “Bossa Rustical”, de clima meio hispânico mesclada a aridez da psicodelia trazendo variações com violão acústico de estilo folk e que a bateria e o baixo dão sequência, atribuindo um pouco mais de ritmo. Eis que surge a guitarra que traz consigo um pouco mais de peso, mas que logo desaparece e a música termina em um vazio estranho.

"Bossa Rustical"

“Tanz Mit Dem Mond” que começa com pianos acústicos bem dramáticos e guitarra bem amplificada, soprando isso tudo, criando um “campo sonoro” bem agradável e pungente, diria. É a faixa enriquecida com belas melodias feitas por várias camadas vocais que são tão bem ecoadas que nos faz viajar.

"Tanz Mit Dem Mond"

“Mutter Erde” trazem melodias repletas de humores rítmicos, idas e vindas, variações sonoras, nos fazem chegar à conclusão de que a sonoridade não tem rótulos definidos e fechando isso tudo vem uma textura psicodélica cheia de groove. Definitivamente tem uma dinâmica fantástica, sendo um dos maiores destaques do álbum. “Welt Im Dunkel” é uma música mística, estranha, exotérica, talvez traz algum tipo de adoração, ritual, lembrando as músicas do seminal Black Widow e até mesmo Coven. Há uma “pitada” de occult rock nessa faixa.

"Mutter Erde"

E fecha com a faixa título, “Gaa” que começa, fantasticamente, com batidas de blues na seção rítmica, que se entrelaçam a guitarras pesadas e lisérgicas e que explode em uma verdadeira jam section. Há alguns toques leves de flauta, lembrando algo mais voltado para o beat, descambando para algo mais experimental e totalmente underground.

"Gaa"

A gravação, a produção do álbum de fato está aquém do que esperamos, claro, as condições pelas quais a banda trabalhou não eram favoráveis para uma gravação de qualidade, mas ainda assim, ao ouvi-lo, percebe-se o quão é cativante e agradável de ouvir esse único trabalho do Gäa. Além dos reveses que foi ter gravado esse álbum, sofreram com a perda de grande parte das cópias que, tudo indica ter sido criminosa, pois reza a lenda também que foram jogadas em uma lata de lixo no fundo de um quintal até mesmo com as fitas originais.

No início de 1975 foi gravado, desta vez em melhores condições, no estúdio “Leico”, de Michael Leistenschneider em Schmelz, o segundo álbum da banda chamado “Alraunes Alptraum”, que pode ser ouvido aqui, que não foi concluído, sendo lançado, somente em 1998, pelo selo “Garden of Delights”, porque a banda decidiu se separar, naquele mesmo ano, deixando-o inacabado. Há informações de que o Gäa teria se separado em 1978. 

"Alraunes Alptraum" 

Werner Frey seguiu Peter Bell até Tombstone, Günter Lackes juntou-se ao Blackbirds, onde até hoje toca com a banda, Helmut Heisel passou por várias bandas e está no Saartana desde 1991 junto com Stefan Dörr, que gravou um álbum solo em 1998. Werner Jungmann e Bello não atuam mais como músicos. Werner Frey agora trabalha como professor, Günter Lackes como bancário, Helmut Heisel como dono de terras, Stefan Dörr como empreiteiro de transporte, Werner Jungmann no serviço médico e Bello como funcionário público.

A conexão amigável entre eles ainda existe e é muito forte, tanto que, durante a década de 1980, os ex-membros do Gäa ocasionalmente se reuniram para tocar em pequenos clubes à noite e chegaram a gravar algum material autoral, mas não foram lançados oficialmente.

“Auf Der Bahn Zum Uranus” teve algumas reedições. A primeira foi em 1992 pelo selo Ohrwaschl, no formato CD, bem como em 2007, também em CD, pela gravadora “Orange”. Mais tarde, em 2015, foi reeditado pelo icônico selo “Garden of Delights”. Apesar do profundo ostracismo pelo qual o Gäa foi submetido a banda trouxe à tona um trabalho arrojado, importante, poderoso e extremamente versátil, não se adequando a rótulos, estilos, nada. Foi um álbum que absorveu, com êxito, todas as cenas musicais que borbulhavam na Alemanha no final dos anos 1960 e nos anos 1970.


A banda:

Werner Frey na guitarra e vocal

Stefan Dorr na bateria e vocal

Werner Jungmann no vocal e congas

Gunter Lackes no órgão, piano e vocal

Peter Bell no baixo, flauta e vocal

 

Faixas:

1 - Uranus

2 - Bossa Rustical

3 - Tanz Mit Dem Mond

4 - Mutter Erde

5 - Welt Im Dunkel

6 - GAA 

"Auf Der Bahn Zum Uranus" (1974)

Heavy Rain - Heavy Rain (1972-1974) - 2023

 

Traz o peso até no nome. O nome na banda é importante, primeiro para uma apresentação inaugural aos que não conhecem e pretender desbravar sua sonoridade, dentro, claro, das suas predileções, e segundo exatamente para descrever, em palavras, o som que entrega.

Um nome, no caso desta banda inglesa que irei apresentar, que viria a se notabilizar por uma cena que ganharia alguma popularidade em meados dos anos 1980 e que, evidente, não precisa tecer maiores comentários: o heavy metal.

Ao ouvir a banda é nítido que se alimentou das músicas praticadas no seu tempo, mas, ainda assim, parecia deslocada dele de maneira tão eloquente que não ganhou a visibilidade que merecia. Não se sabe ao certo se foi por este motivo que a banda caiu no mais profundo ostracismo, mas, mesmo tão obscura, parece ser referência pela sua sonoridade vasta e arrojada.

A banda é a inglesa HEAVY RAIN. Formada na cidade de Blackpool no final dos anos 1960, a Heavy Rain mergulhou nas profundezas do heavy rock, mesclado ao blues e a um prog rock igualmente pesado e diria até sujo. Pode parecer improvável, mas cometeram o doce desatino de produzir sem reservas, sem medo, deixando a criatividade fluir.

O som do único trabalho lançado pela Heavy Rain, homônimo, de gravações realizadas entre 1972 e 1974, foi lançado oficialmente apenas em setembro de 2023, por alguns abnegados selos undergrounds, são elas: Guerssen Records, Headbangers Records e Big Bad Wolf Records.

Reza a lenda que essas gravações teriam sido lançadas, de forma bem, digamos, "artesanal", ou seja, de uma forma "pirata", e que as gravadoras em questão, ao ouvir esse material na web, acho extremamente interessante em uma licença para reeditar o álbum e lançar em CD, o que aconteceu em 2023. Mas como a Heavy Rain não goza de tantas informações, tal passagem carece de confirmações.

O som é sombrio, é chapante, é viciante e, mesmo arrastado e sujo, por ser tão despretensioso, chega a ser hipnotizante, dando ao ouvinte, múltiplas oportunidades de ouvir um rock psych, ao proto metal, hard rock e até um blues progressivo. Cabe para todos os gostos!

Desde a sua formação a Heavy Rain passou por algumas mudanças na sua formação, algo normal quando uma banda passa por instabilidades de cunho emocional, comportamental e até para polir seu som, mas em 1973 a banda se estabilizou em 1973 como um power trio tendo Geoff "Oggy" Carter na guitarra e vocal, Graham Hargreaves no baixo e Bernie Worsley na bateria.

Bernie e Geoff foram os fundadores da banda e se conheceram, ainda muito jovens, na pequena cena musical rock de Blackpool. Bernie viu o jovem e promissor guitarrista Geoff em uma apresentação com a sua antiga banda, que se chamava "Sky" e ficou impressionado com a técnica e a forma orgânica como ele tocava e, quando se conheceram, decidiram formar uma banda juntos. Bernie sugeriu o nome "Heavy Rain" e assim seguiram, convocando, em seguida Graham que assumiu o baixo.

Com a banda formada optaram por sair da pequena e deveras pacata cidade de Blackpool e foram para Londres para, quem sabe, levar a sua música para o maior número de pessoas ávidas por música pesada e assinar um contrato com uma gravadora para lançar a sua música. Conseguiram gravar algumas músicas que daria para lançar um álbum, mas parou nos escombros empoeirados de algum lugar e principalmente da história do rock.

Reza a lenda que essas gravações foram descobertas em um rolo de toca-fitas e, até onde se sabe, era, pasmem amigos e estimados leitores, a única cópia que existia, tornando esse lançamento ainda mais significativo. Ou seja, se essa história se confirmar seria, de fato, um achado inacreditável, porque poderia, suponhamos, ser encontrado em péssimas condições para lançamento e ter perdido essa pérola para todo sempre.

Mas falemos dessa música totalmente underground e poderosa, dissecando faixa a faixa e se preparem para ouvir uma sonoridade psicodélica, de puro hard rock hard, com guitarras pesadas de fuzz-wah distorcidas e efeitos inteiramente loucos. Começa com “Emily” e que já entrega essa guitarra pesada, arrastada, lisérgica e pesada. Os traços psicodélicos são distantes, mas presentes, pincelados com riffs pesados de guitarra, com o heavy rock assumindo as rédeas. Gaitas são ouvidas dando uma textura meio bluesy.

“Thrutch in ‘B’” segue a mesma toada, mas os riffs inaugurais de guitarra trazem à lembrança um proto doom, a guitarra suja e áspera, mesclada ao hard rock típico dos anos 1970, entrega peso e agressividade. Bateria pesada e baixo pulsante faz da “cozinha” mais rítmica e cadenciada. “Lady Matilda” começa psicodélica, lisérgica, mas arrogante e pesada. Essa dosagem de beat e hard rock torna a faixa bem interessante e atípica. O destaque fica para seção rítmica, dando essa pegada meio “dançante” à música.

"Thrutch in 'B'"

“Lost Woman”, o primeiro cover do álbum, da icônica Yardbirds, traz uma versão particular da banda, que imprime o seu DNA, com riffs pegajosos e pesados de guitarra, bateria marcada e pesada e um vocal mais apurada, diria mais melódico, mas o peso reina absoluto. “Chord Song” é pesada, direta, riffs soturnos e pesados de guitarra, mas o destaque fica para o solo avassalador e bem executado.

"Chord Song"

“I Need You” inicia sombria, ameaçadora, soturna. Dedilhados de guitarra abrem para um vocal estranho, mas logo irrompe em um trovão psicodélico com riffs de guitarra lisérgicos e logo volta a pegada inaugural acústica e sombria e assim vai alternando entre a leveza e o peso. O hard progressivo parece ganhar contornos nessa faixa.

Na sequência tem “Rising of the Tide/Set The Controls for the Heart of the Sun” começa logo com um trovão de riffs de guitarra! Mas o som é arrastado, cadenciado, solos de guitarra aparecem para corroborar o peso e torna-lo existente. Viagens espaciais dão a introdução do clássico psicodélico do Pink Floyd, “Set The Controls for the Hear of the Sun” e, mesclado a isso, vem a psicodelia e uma pegada mais pesada da Heavy Rain à faix, capitaneada pela guitarra distorcida e lisérgica.

"Rising of the Tide/Set the Controls for the Heart of the Sun"

O space rock é percebido na introdução de “Ship of Sin”, mas logo revela o lado típico do álbum, o hard rock, com baixo e bateria em uma sinergia rítmica incrível entregando uma pegada mais progressiva e a guitarra, distorcida e pesada, trazendo o contraste do peso. Mas logo se percebe algo meio soul que dedilhados bem dançantes. A música é uma gangorra rítmica repleta de mudanças.

Segue com “Flying High” que, em sua introdução, lembra mais uma sonoridade meio beat, meio anos 1960 e continua com versões dançantes com riffs de soul music e intervalos mais pesados. O vocal nessa faixa é impecável! E fecha com “Out in the Street” quando o genuíno hard rock retorna a todo vapor. O baixo é pulsante, vibrante e a guitarra ganha em protagonismo com seus fulminantes riffs. O peso e a agressividade são gritantes nessa faixa.

As últimas três músicas são oriundas de gravações feitas para um álbum de estreia que nunca se materializou para a Heavy Rain que se chamaria “Deluge”. E essa falta de sucesso levou à dissolução da banda em 1977. Mesmo que nos primórdios da Heavy Rain tenha compartilhado os palcos com bandas conhecidas como Hawkwind, Pink Fairies e até mesmo Caravan, o fim foi precoce, devido ao seu fracasso comercial.

O fato é que, ainda assim, o som da Heavy Rain, ao ouvir, por mais que pareça absurdo, dada a sua obscuridade, se tornou uma referência não apenas ao estilo que nascia nos primórdios dos anos 1970, mas a todos as vertentes e bandas que viriam a surgir nas décadas seguintes, sobretudo nos anos 2000 entre as bandas de stoner rock e doom metal. Um “clássico” obscuro!

Segundo informações que consegui apurar e coletar em alguns comentários de ex-membros da Heavy Rain em publicações de canais do YouTube, Bernie Worsley mora atualmente na Holanda, Geof Carter seguiu, dentro das possibilidades com a Heavy Rain nos anos 2000, mais precisamente entre 2002 e 2021, com outros músicos, um deles tem o nome de Pete Gurney, mas logo faleceu, dando fim a essa trajetória. Inclusive consegui encontrar algumas jam sessions no site "YouTube" entre eles e que pode ser conferida aqui. Já Graham Hargreaves não se tem notícia de como está atualmente.

 

A banda:

Bernie Worsley na bateria

Geoff "Oggy" Carter na guitarra e vocal

Graham Hargreaves no baixo

 

Faixas:

1 - Emily

2 - Thrutch in "B"

3 - Lady Matilda

4 - Lost Woman

5 - Chord Song

6 - I Need You

7 - Rising of the Tide / Set the Controls for the Heart of the Sun

8 - Ship of Sin

9 - Flying High

10 - Out in The Street

MUSICA&SOM ☝


"Versão estendida"


"Versão enxuta

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