Drama foi gerado sem pressas, clara imagem de marca de Rodrigo Amarante. O disco vem carregado de emoções díspares, onde tristeza e alegria parecem representar a essência das ambiguidades sentimentais do hermano carioca.
“Eu minto, mas minha voz não mente”
verso da canção “Drama”, de Caetano Veloso.
Rodrigo Amarante tem gerido a sua discografia a solo de forma bissexta. O segundo álbum em nome próprio chega-nos agora, oito anos após Cavalo, disco que encantou muita e boa gente. O culto do ex-fundador do grupo Los Hermanos é forte, como bem sabemos, sobretudo em latitudes mais a norte do seu país de origem. É, desde há muito, um músico e um cidadão do mundo. E assim, todos os que o adoram, como seria de prever, continuarão a dedicar os ouvidos a tudo o que Amarante faz, desde o seu berço roqueiro, passando pelos Orquestra Imperial e pelos Little Joy. Os que agora chegam a este universo tão particular, render-se-ão, eventualmente, ao seu charme nonchalant e à sua discreta capacidade de trilhar caminhos inusitados. Para nós, que o conhecemos bem, Drama traz poucas novidades. No entanto, haverá sempre algo de inédito e que talvez possamos estranhar um pouco: a encenação conceptual que o afasta um pouco do seu claustrofóbico álbum de estreia. Cavalo enrolava-se para dentro, passe a redundância. Drama exterioriza sorrisos e melancolias.
Rodrigo Amarante resolveu encenar-se, escondendo-se atrás da máscara da sua própria criação. O rabo, no entanto, ficou um pouco de fora, como quase sempre fica. Disse, numa entrevista a propósito da feitura de Drama, que “é por isso que criamos essas ferramentas que são histórias e músicas, para nos ajudar a ver uns aos outros.” Referia-se às suas canções, como é óbvio, mas também ao facto de elas serem ferramentas precisas para a criação de emoções, que nestes tempos confusos e indefinidos, serão matéria primordial para o artista encenar o que (se) vive e o que (se) desejaria viver. A máscara mostra, assim, a mais íntima e verdadeira realidade.
Não por acaso, a faixa inicial (“Drama”) funciona apenas como introdução ao que se lhe segue. Estamos perante algumas vozes, risos, manifestações espontâneas de público em início de espetáculo, sobrepostas por instrumentos de orquestra. Lembra (ah, a memória, esse instrumento tão sincero de fingimento!) a faixa “A Última Sessão de Música” do maravilhoso Milagre dos Peixes ao Vivo (1974), de Milton Nascimento. Depois, a “Maré” vem cheia, e surge como primeiro single do álbum. Traz alguma alegria rítmica e poderia ser perfeitamente uma canção de 4, último disco de estúdio dos Los Hermanos, mas a letra contradiz essa aparente exuberância sentimental em alguns dos versos (Lua puxa o véu / Mexe o mar em mim / De Pierrot a Arlequim). E, de novo, a representação da arte de existir a vir ao de cima.
Como já havia acontecido em Cavalo, Rodrigo Amarante não canta apenas em português. O inglês percorre quase metade do disco em canções como “Tango”, “I Can’t Wait”, Sky Beneath”, “Tao” (aqui misturando ambas as línguas) e “The End”. Com as necessárias variantes, a verdade é que todas elas assentam em instâncias rítmicas algo similares. Essa uniformização, como Amarante também afirmou, foi propositada. A ideia era deixar um pouco de parte as modulações tão ricas que habitam a música brasileira. Ir à essência, à economia da criação. Essa opção não deixa de ter o necessário efeito colateral, digamos assim: é necessário ouvir o disco várias vezes (e isso é uma coisa boa) para claramente distinguir alguns dos seus temas (e isso nem sempre é um predicado, sobretudo nos tempos que correm, onde a pressa impera, tanto no que se vê como no que se ouve). No entanto, quando bem assimiladas, as onze canções de Drama provam estarmos na presença de um músico que continua, paulatinamente, a seguir um caminho sério e sem desvios facilitadores, o que faz com que as vénias lhe sejam sempre devidas.
A riqueza da música popular brasileira é vasta e aguenta os balofos estrelatos que por lá vão singrando como ervas daninhas em terra de boas sementeiras. Rodrigo Amarante permanece firme na intenção de habitar artisticamente numa certa penumbra sonora, valorizando pequenos brilhos, pequenas sofisticações melódicas, preferindo sussurros às estridências da moda. E é assim que vai regulando os gostos de tantos que, como nós, vamos tentando abraçar o que nos parece valer a pena.