Nascido na ilha do Fogo no seio de uma família de músicos, António Pina Alves, por todos conhecido como Tó Alves, adoptou, em criança, o chocalho, feito de latas de leite condensado e algumas sementes de plantas, como o seu “brinquedo” preferido. Por vezes, travava uma verdadeira guerra com os seus irmãos, pela oportunidade de poder acompanhar o pai, músico exímio, nas músicas que tanto gostava de ouvir. Do pai, João Alves, mais conhecido por Djonzinho, herdou ainda, além da educação musical, o respeito pela música, pelos instrumentos e pelos seus executantes.
Para Tó Alves, “a música é a maior satisfação que a vida pode oferecer”, e todos os dias dá graças por poder usufruir do prazer que a música lhe proporciona.
É um intérprete defensor da música tradicional cabo-verdiana, considerando-a parte da identidade do seu povo, uma identidade mística e mesclada, tal como a sua música o é. Tenta ser fiel aos ritmos originais de Cabo Verde, admitindo que, “actualmente, é difícil aos jovens interessarem-se pela música tradicional, uma vez que existem muitas influencias provenientes de outros ritmos”.
Tó Alves, vê a música tradicional cabo-verdiana como um meio privilegiado para a divulgação de Cabo Verde no mundo, das suas gentes, cultura e tradições, e como tal, “gostava que, pelo menos cinquenta por cento da música produzida em Cabo Verde, fosse música tradicional”. Para ele, a música não tem fronteiras, é uma linguagem universal e por isso, há que a saber usar na divulgação das várias mensagens que com ela se podem transmitir. Através da música, “é possível passar uma mensagem positiva às futuras gerações”, e isso “é uma das minhas responsabilidades enquanto músico”, conclui.
Na génese das suas músicas estão as mensagens que transmite. No respeito pela tradição musical cabo-verdiana, considera que as suas músicas, são, à semelhança das músicas tradicionais originais, “como que cartas faladas, que, quem não sabia escrever, cantava”. E recorda-nos que “antigamente, todas as casas tinham um livro de música. Sempre que alguém cantava, tentava-se encontrar alguma pessoa, de preferência com uma boa caligrafia, que as escrevesse, de modo a essas letras não se perderem no tempo”.
O seu segundo trabalho discográfico, “Bençon”, é a sequência lógica do primeiro disco, editado em 2007. “Trata-se de dar continuidade às mensagens incluídas em “Mãe mas Justa”, onde consigo juntar as crianças, os jovens e os mais velhos, todos reunidos num só trabalho, o que para mim, é motivo de grande orgulho e satisfação.” O disco agora editado, passa-nos a mensagem do que é a bençon, e qual a sua importância para os dias de hoje. “Antigamente, quando ouvíamos os nossos mais velhos nos darem bençon, ficávamos mais fortalecidos, pois era um sinal de consideração e respeito. Mesmo com a barriga vazia, quando a mamã nos dava a bençon, era como se ficássemos cheios, e isso era para nós muito reconfortante. Era como uma forma de protecção. Os mais pequenos antes de irem dormir tinham de passar na cama dos país e pedir a bençon e isso era como que um lençol que nos aconchegava a alma. Aquela bençon era o lençol para o nosso espírito. Depois íamos para a cama e dormíamos com os anjos e os nossos país ficavam contentes por uma vez mais, terem cumprido o dever deles como protectores. É interessante como que antigamente éramos protegidos só com a boca e hoje temos que nos proteger com armas. O que realmente hoje nos falta, é mesmo a bençon de antigamente.”
Para as novas gerações, Tó Alves gosta de transmitir uma mensagem simples, mas ao mesmo tempo que reflecte a sua maneira de ser e a essência da sua música: não esquecer as raízes e a sua identidade. “A identidade diz tudo de uma pessoa, de um povo, de uma nação. Através da música, tento passar a minha própria identidade, as minhas raízes e a maneira de ser do nosso povo. Esse é o meu grande objectivo. Aos jovens músicos gostaria de expressar todo o meu apoio na procura incessante de novas formas de evoluírem e de criarem música. Que descubram a sua identidade e que contribuam com a sua inteligência para novas descobertas”, conclui.
Tó Alves, com a sua forma única de escrever e de compor, com a sua maneira de estar e comunicar, pretende ser um marco de inspiração para todos aqueles que criam, promovem e divulgam, a música tradicional de Cabo Verde.