domingo, 7 de maio de 2023

BIOGRAFIA DE Marvin Gaye

 

Marvin Gaye

Marvin Gaye (Washington2 de abril de 1939 – Los Angeles1 de abril de 1984), nascido Marvin Pentz Gay, Jr.[2], foi um cantor popular de soul e R&B, arranjador, multi-instrumentista, compositor e produtor. Ganhou fama internacional durante os anos 1960 e 1970 como um artista da gravadora Motown.

O início da carreira do cantor foi em 1961, na Motown, onde Gaye rapidamente se tornaria o principal cantor da gravadora e emplacaria numerosos sucessos durante os anos sessenta, entre eles "Stubborn Kind of Fellow", "How Sweet It Is (To Be Loved By You)", "I Heard It Through the Grapevine" e vários duetos com Tammi Terrell, incluindo "Ain't No Mountain High Enough" e "You're All I Need to Get By", antes de mudar sua própria forma de se expressar musicalmente. Gaye é importante por sua luta por produzir seus sucessos, mas criativamente restritivo — no processo de gravação da Motown, intérpretes, compositores e produtores eram geralmente mantidos em áreas separadas.

Com seu bem-sucedido álbum What's Going On, de 1971, e outros lançamentos subsequentes — includindo Trouble Man, de 1972, e Let's Get It On, de 1973, Gaye, que vez ou outra compunha canções para artistas da Motown no início da sua carreira, provou também que poderia tanto escrever quanto produzir seus próprios discos sem ter de confiar no sistema da Motown. Ele é também conhecido por seu ambientalismo, talvez mais evidente na canção "Mercy Mercy Me (The Ecology)".[3]

Durante os anos setenta, Gaye lançaria outros notáveis álbuns, includindo Let's Get It On e I Want You, além de ter emplacado vários sucessos, como "Let's Get It On" e "Got to Give It Up". Já no começo dos anos oitenta, seria a vez do hit "Sexual Healing", que lhe rendeu — antes de sua morte — dois prêmios Grammy. Até o momento de ser assassinado pelo seu pai, em 1984, Gaye tinha se tornado um dos mais influentes artistas da cena soul. Em 1996, Gaye foi homenageado na 38.º cerimônia do Grammy Awards.

A carreira de Marvin tem sido descrita como uma das que "abarcam toda a história do R&B, do doo-wop dos anos cinquenta ao soul contemporâneo dos anos oitenta."[4] Críticos têm também afirmado que a produção musical de Gaye "significou o desenvolvimento da black music a partir do rhythm'n blues, através de um sofisticado soul de consciência política nos anos setenta e de uma abordagem maior em assuntos de cunho pessoal e sexual."[5]

Primeiros anos

Marvin Pentz Gay Jr. nasceu em 2 de abril de 1939, no Freedman's Hospital[6] em Washington, DC, filho do ministro da igreja Marvin Pentz Gaye Sr.. Sua primeira casa foi em um conjunto habitacional público,[7] o Fairfax Apartments[8] (agora demolido) na 1617 1st Street SW no bairro Southwest Waterfront.[9] Embora fosse um dos bairros mais antigos da cidade, com muitas casas elegantes em estilo federal, a maioria dos edifícios era pequena, em péssimo estado de conservação e carecia de eletricidade e água encanada. Os becos estavam cheios de barracos de um e dois andares, e quase todas as habitações estavam superlotadas.[10][11][12] Gaye e seus amigos apelidaram a área de "Simple City", por ser "meia cidade, meio campo".[13][14][a]

Gaye era o segundo mais velho dos quatro filhos do casal. Ele tinha duas irmãs, Jeanne e Zeola, e um irmão, Frankie Gaye. Ele também tinha dois meio-irmãos: Michael Cooper, filho de sua mãe de um relacionamento anterior, e Antwaun Carey Gay, nascido como resultado de casos extraconjugais de seu pai.[16]

Marvin Gaye estudou na Cardozo High School no bairro de Columbia Heights em Washington, DC

Gaye começou a cantar na igreja quando tinha quatro anos. Seu pai frequentemente o acompanhava ao piano.[17][18][19] Gaye e sua família faziam parte de uma igreja pentecostal conhecida como a Casa de Deus, que recebeu seus ensinamentos do pentecostalismo hebraico, defendia uma conduta estrita e aderiu ao Antigo e ao Novo Testamento.[20][21] Gaye desenvolveu o amor pelo canto desde cedo e foi encorajado a seguir uma carreira musical profissional depois de uma apresentação em uma peça da escola aos 11 anos cantando Be My Love de Mario Lanza.[19] Sua vida doméstica consistia em "surras brutais" de seu pai, que o agredia por qualquer falha.[22] O jovem Gaye descreveu viver na casa de seu pai como semelhante a "viver com um rei, um rei muito peculiar, mutável, cruel e todo poderoso".[13] Ele sentiu que se sua mãe não o consolasse e o encorajasse a cantar, ele teria cometido suicídio.[23] Sua irmã explicou mais tarde que Gaye foi espancado com frequência, desde os sete anos até a adolescência.[24]

Gaye estudou na Syphax Elementary School[25] e depois na Randall Junior High School.[26][27] Gaye começou a levar o canto muito mais a sério no ensino fundamental,[28] e ingressou na música e se tornou uma estrela dela no Randall Junior High Glee Club.[8]

Em 1953[7][29][30] ou 1954,[6][31][b] os Gays se mudaram para o projeto habitacional público East Capitol Dwellings no bairro Capitol View de DC.[6][33][c] O apartamento deles (Unidade 12, 60th Street NE - agora demolido) foi a casa de Marvin até 1962.[32][d]

Gaye frequentou brevemente a Spingarn High School antes de se transferir para a Cardozo High School.[34] Na Cardozo, Gaye se juntou a vários grupos vocais doo-wop, incluindo os Dippers e os DC Tones.[36] O relacionamento de Gaye com seu pai piorou durante sua adolescência, já que seu pai o expulsava de casa com frequência.[37] Em 1956, Gaye, de 17 anos, abandonou o ensino médio e se alistou na Força Aérea dos Estados Unidos como aviador básico.[38][39] Decepcionado por ter que realizar tarefas domésticas, ele fingiu doença mental e recebeu alta logo depois.[40] O sargento de Gaye afirmou que ele se recusou a seguir as ordens.[40][41] Gaye recebeu uma "Dispensa Geral" do serviço.[40][41]

Carreira

Após abandonar as Forças Aéreas em 1957, Gaye começou sua carreira musical em vários grupos doo wop, fixando-se em um popular grupo de Washington DC, chamado The Marquees. Com Bo Diddley, os Marquees lançaram o single "Wyatt Earp" em 1957 pela gravadora Okeh e foram então contratados por Harvey Fuqua para o grupo The Moonglows. "Mama Loocie", lançada em 1959 pela gravadora Chess, foi o primeiro e único single de Gaye com os Moonglows. Junto com os Moonglows, Gaye assimilou várias técnicas, utilizadas posteriormente, nos álbuns que produziria. E foi com ajuda dessa banda que ele foi apresentado a empresários da cena musical. Depois de um concerto em Detroit, o "novo" Moonglows foi dissolvido e Fuqua apresentou Gaye a Berry Gordy, presidente da Motown Records. Ele contratou Gaye primeiramente como baterista de estúdio, para tocar para grupos como The MiraclesThe ContoursMartha and the VandellasThe Marvelettes, entre outros. Gaye tocou bateria para as Marvelettes na canção "Please Mr. Postman", em 1961, e para a versão ao vivo de Little Stevie Wonder para a canção "Fingertips Pt. 2", de 1963. Ambas canções alcançaram o primeiro lugar na parada norte-americana da Billboard.

Depois de iniciar sua carreira na Motown, Gaye mudou seu nome de Marvin Gay para Marvin Gaye, acrescentando o 'e' para se separar do nome de seu pai, para encerrar os boatos em curso em torno de sua sexualidade e ainda para imitar seu ídolo, Sam Cooke, que havia também acrescentado um 'e' ao seu sobrenome.[42] Gaye desejava gravar para a Motown, mas Berry Gordy tinha receio quanto ao cantor, devido ao fato de que Gaye não costumava seguir as ordens sobre as quais a gravadora queria que ele cumprisse. De acordo com um documentário do canal de televisão VH1, a namorada de Marvin — e irmã de Berry —, Anna Berry Gordy, convenceu o irmão a assinar com Gaye. Berry concordou em deixar que Marvin gravasse versões pop-contemporâneas de baladas românticas baseadas no jazz.

Início do sucesso

Gaye em 1965

Popular e querido dentro da Motown, Gaye já carregava com ele uma maneira sofisticada e cavalheiresca e tinha pouca necessidade de treinamento no setor de desenvolvimento artístico da gravadora — embora tenha seguido o conselho do diretor dessa divisão, Maxine Powell, de não cantar de olhos fechados, para não parecer que tinha adormecido".[43] Em junho de 1961, foi lançado a primeira gravação solo de Gaye, The Soulful Moods of Marvin Gaye. Foi o segundo LP lançado pela Motown — o primeiro foi o Hi… We're The Miracles, o primeiro disco dos Miracles. Apesar das faixas "How Deep Is the Ocean?" e "How High the Moon" terem sido elogiadas pela crítica pela profundidade das harmonias e melodias, o álbum de Gaye fracassou e nem chegou às paradas norte-americanas.[44] Marvin ainda tinha dificuldades em descobrir seu jeito próprio de cantar, que ele desejava que fosse o mais próximo de Nat King Cole, um dos ícones do jazz, estilo que predomina no primeiro disco solo de Marvin. A Motown queria que o cantor se direcionasse para melodias da soul music, mais populares e atraentes no mercado fonográfico.

Depois de discutir sobre a direção de sua carreira com Berry Gordy, Gaye — relutante — concordou em gravar mais canções de R&B de seus colegas de gravadora e outros três novos escritos pelo próprio Gordy. Seu primeiro single lançado, "Let Your Conscience Be Your Guide", construída sobre uma vibração de Ray Charles, fracassou nas paradas — tendo o mesmo ocorrido com as canções "Sandman" e "A Soldier's Plea", todas de 1962. Ironicamente, Gaye encontraria o sucesso primeiramente como compositor da canção "Beechwood 4-5789", gravada pelas Marvelettes em 1962. Finalmente naquele mesmo ano, o single "Stubborn Kind of Fellow" rendeu algum sucesso e chegou ao Top 10 R&B dos Estados Unidos. Co-escrita por Gaye e produzida pelo amigo William "Mickey" Stevenson, a gravação contou com a participação das recém-contratadas Martha and the Vandellas (então conhecidas como The Vells) e foi uma espécie de desabafo autobiográfico sobre o comportamento indiferente e deprimido de Gaye. Na sequência de "Stubborn Kind of Fellow" vieram, em 1963, outros três singles: as dançantes "Hitch Hike" e "Can I Get a Witness", que chegaram ao Top 30 Pop da Billboard, e a balada romântica "Pride and Joy", primeira canção de Gaye a chegar ao Top 10 Pop.

Apesar do cantor começar a encontrar o caminho do sucesso, Marvin ainda brigava com a Motown para ser um cantor de baladas românticas e sofisticadas, diferentemente da linha da gravadora que esperava de seus artistas os grandes hits. Batalhas entre a opção artística de Marvin e a demanda por produtos comerciais da Motown seriam frequentes ao longo dos anos e marcariam o relacionamento entre o cantor e a gravadora, já que as insistentes cobranças do selo por um trabalho mais comercial eram incompatíveis com as ambições artísticas de Gaye.[45]

O sucesso continuaria em 1964 com os singles "You Are a Wonderful One" (que contou com o trabalho vocal de fundo do grupo The Supremes), "Try It Baby" (que contou com vocais de fundo do grupo The Temptations), "Baby Don't You Do It" e "How Sweet It Is (To Be Loved By You)", que tornou-se sua primeira composição de sucesso. Durante este fase inicial de sucesso, Gaye ainda contribuiu com o grupo Martha and the Vandellas, sendo autor da letra do hit "Dancing in the Street", sucesso naquele mesmo ano. Gaye também conseguiu figurar nas paradas com o álbum Together, um disco de duetos com a cantora Mary Wells. A dupla emplacou os singles "Once Upon a Time" e "What's the Matter With You, Baby?". Como artista solo, Gaye continuou a desfrutar de um grande sucesso e seu LP Moods of Marvin Gaye, de 1966, do qual participou Smokey Robinson, colocou os singles "I'll Be Doggone" e "Ain't That Peculiar" tanto o Top 10 Pop da Billboard quanto no topo — pela primeira vez na carreira do cantor — da parada R&B norte-americana. Com Kim Weston, sua segunda parceria de dueto, foi lançado "It Takes Two", canção que chegou ao Top 20 Pop e ao quarto lugar na lista de R&B da Billboard. Marvin Gaye se estabelecia como um dos principais artistas na era dos duos. Seu sucesso como cantor solo também lhe concedeu o status de ídolo da juventude, assim como ele se tornou um dos artistas prediletos nos principais shows adolescentes — entre os quais, American Coreto, Shindig!, Hullaballoo e The Mike Douglas Show. Ele também se tornou um dos poucos artistas da Motown a se apresentar no Copacabana — e um álbum seu gravado na casa demoraria três décadas para ser lançado.

Tammi Terrell

Ver artigo principal: Tammi Terrell

Uma série dos sucessos de Gaye pela Motown foram duetos com artistas femininas, tais como Mary Wells e Kim Weston. O primeiro LP do cantor a aparecer nas listas da Billboard foi o Together, de 1964, disco de duetos com Wells. No entanto, a parceira mais popular e memorável de Marvin foi Tammi Terrell. Gaye e Terrell tinham um bom relacionamento e o álbum de estréia da dupla, United, lançado em 1967, gerou uma série de sucessos, como "Ain't No Mountain High Enough", "Your Precious Love", "If I Could Build My Whole World Around You" e "If This World Were Mine".

A dupla de compositores Nickolas Ashford e Valerie Simpson, que eram também casados, forneceu as letras e a produção para as gravações de Gaye/Terrell. Enquanto Gaye e Terrell não formavam um casal de namorados — embora rumores persistam de que eles podem ter tido um caso anteriormente —, eles atuavam como verdadeiros amantes nas gravações. De fato, Gaye às vezes declarava que pela duração das canções ele estava apaixonado por ela. Mas ainda naquele ano, o sucesso da parceria foi tragicamente encurtado. Em 14 de outubro, Terrell desmaiou nos braços de Gaye, enquanto eles se apresentavam no Hampton Institute (hoje Hampton Universit), em HamptomVirgínia. Era o primeiro sintoma de um tumor cerebral, diagnosticado em exames realizados posteriormente, e que continuaria a debilitar a saúde de Tammi.

A Motown decidiu tentar e continuar as gravações da dupla Gaye/Terrell. Em 1968, a gravadora lançou You're All I Need, o segundo LP da dupla, que se destacou pelos sucessos de "Ain't Nothing Like the Real Thing" e "You're All I Need to Get By". No ano seguinte foi lançado Easy, o último álbum da dupla. A deterioração da saúde de Terrell a impediu de concluir as gravações de estúdio e a maior parte dos vocais femininos teriam sido gravados por Valerie Simpson. Duas faixas do LP eram canções arquivadas da carreira solo de Terrell e foram mixadas com a voz de Gaye.

A doença de Tammi Terrell deixou Gaye em profunda depressão; quando sua canção "I Heard It Through the Grapevine" (inicialmente gravada em 1967 por Gladys Knight & The Pips) chegou ao primeiro lugar da principal lista da Billboard — além de ter também sido o single mais vendido da história da Motown, com quatro milhões de cópias —, ele se recusou a reconhecer seu sucesso, sentindo que ele era imerecido. O trabalho com o produtor Norman Whitfield, que havia produzido "Grapevine", resultou em outros dois sucessos similares: "Too Busy Thinking About My Baby" e "That's the Way Love Is". Entretanto, o casamento de Gaye estava ruindo e ele continuava a sentir que seu trabalho artístico era completamente irrelevante. Frente às transformações sociais que chacoalhavam os Estados Unidos naquele período.

Ao mesmo tempo que Marvin cantava interminavelmente sobre o amor, a música popular norte-americana passava por uma grande revolução, abordando em suas letras as questões sociais e políticas daqueles anos. Desejando ter independência criativa, Marvin foi liberado pela Motown para produzir as gravações de estúdio das bandas The Originals, cujo resultado apareceu nos hits "Baby I'm For Real" e "The Bells".

"What's Going On"

Gaye em 1973

Em 16 de março de 1970, Tammi Terrell morreu em decorrência do tumor cerebral e deixou Marvin devastado. Durante o funeral da parceira, Marvin estava tão sensível que ele conversava com o corpo de Tammi como que esperando por uma resposta dela. Imediatamente, Gaye mergulhou em um auto-isolamento e ficou sem se apresentar ao vivo por quase dois anos. Gaye contou a amigos que havia pensado em deixar a carreira musical, à ponto até de tentar ingressar no futebol americano e jogar no Detroit Lions (onde ele encontrou os colegas Mel Farr e Lem Barney), mas depois de seu sucesso produzindo os Originals, Gaye estava confiante em criar sua própria gravadora. Como resultado disso, ele entrou nos estúdios em 1 de junho de 1970 para gravar as canções "What's Going On", "God is Love", "Sad Tomorrows" — uma versão inicial da canção "Flying High (In the Friendly Sky)". Gaye queria lançar "What's Going On" como single, mas Berry Gordy recusou-se, alegando que a canção não era viável comercialmente. Gaye recusou-se a gravar qualquer outra canção até que o presidente da Motown cedesse, o que ocorreria em janeiro de 1971. O sucesso do single surpreendeu Gordy, que requisitou um álbum com canções similares.

O álbum What's Going On tornou-se um dos mais importantes da carreira de Gaye e é até hoje seu trabalho mais conhecido. Tanto em termos de som (influenciada pelo funk e pelo jazz) e de conteúdo das letras (fortemente espiritual), o álbum representou uma aproximação com seus trabalhos iniciais na Motown. Além da faixa-título, "Mercy Mercy Me" e "Inner City Blues (Make Me Wanna Holler)" atingiram o Top 10 Pop Hits e o primeiro lugar da lista R&B da Billboard. Considerado como um dos mais notáveis discos da história da soul music norte-americana, o álbum conceitual de Gaye foi um divisor de águas para esse gênero musical. Ele já foi chamado de "a mais importante e apaixonada gravação já lançada da música soul, entregue por uma de suas melhores vozes".[46]

Sucesso prossegue

Com o sucesso do álbum What's Going On, a Motown renegociou um novo contrato com Marvin que permitiu a ele o controle artístico de seu trabalho, no valor de um milhão de dólares, fazendo do cantor o mais bem pago artista negro da história da música.[43] Além disso, Gaye ajudou a libertar o trabalho criativo de outros artistas da Motown, entre os quais Stevie Wonder. Ainda naquela época, Marvin mudou-se de Detroit para Los Angeles em 1972 após receber uma proposta para escrever a trilha sonora para um filme blaxploitation. Escrevendo as letras, criando os arranjos e produzindo o LP para o filme Trouble Man, Marvin lançou o álbum e a canção homônimas, que atingiram o Top 10 Pop da Billboard em 1973. Depois de passar por um período complicado quanto aos rumos de sua carreira, Marvin decidiu mudar o conceito lírico das composições. O LP Let’s Get it On trazia uma temática menos social e mais pessoal da vida de Marvin. Conflitos com o pai, dúvidas existenciais e questões sobre a vida particular do compositor fazem parte do álbum. O LP foi um dos trabalhos mais bem sucedidos de sua carreira e o seu maior sucesso de vendas, superando What's Going On. A faixa-título chegou ao topo da parada pop da Billboard e bateu o recorde de vendagens da Motown, que pertencia ao próprio Marvin com "I Heard It Through the Grapevine". Outros destaques do LP foram as canções "Come Get to This", "You Sure Love to Ball" e "Distant Lover".[47]

Gaye começou a trabalhar naquele que seria seu último álbum dueto, desta vez com Diana Ross. O projeto do LP Diana & Marvin teve início em 1972, mas houve atrasos no andamento do álbum. Com Diana grávida pela segunda vez, Gaye recusava-se a cantar se ele não pudesse fumar no estúdio. Então, os dois realizaram as gravações em dias separados. Lançado no segundo semestre de 1973, o álbum rendeu vários sucessos, entre os quais "You're a Special Part of Me", "My Mistake (Was to Love You)" e as versões para "You Are Everything" e "Stop, Look, Listen (To Your Heart)", ambas hits do grupo The Stylistics.

Em 1975, Gaye começou a pensar em seu próximo disco solo, mas o divórcio com Anna Gordy tomou boa parte do seu tempo. O fim do casamento levou Gaye a várias audiências nos tribunais. O disco I Want You foi finalizado somente no ano seguinte. O álbum levou a faixa-título I Want You ao topo da parada R&B da Billboard.

Os últimos dias na Motown

Em 1977, a Motown lançou o single de "Got to Give It Up", que se tornou primeiro lugar nas lista Pop, R&B e Dance da Billboard, e o LP ao vivo Live at the London Palladium, álbum que vendeu em torno de duas milhões de cópias — se tornando um dos mais vendidos daquele ano. No ano seguinte, finalmente Gaye consegue se divorciar de sua primeira esposa Anna. Como resultado do acordo judicial, Gaye foi ordenado a pagar pensão alimentícia — ele concordou em ceder parte de seu salário e das vendas do seu álbum seguinte para pagar essa pensão. O resultado foi o LP duplo Here, My Dear, que explorou o relacionamento do casal em detalhes tão íntimos que quase levou Anna a processá-lo por invasão de privacidade, mas ela desistiu dessa decisão. O LP fracassou nas listas de sucesso e Gaye se esforçou para vender o disco. Em 1979, Gaye se casou pela segunda vez, agora com Janis Hunter, com quem teve dois filhos, Frankie e Nona), e começou a trabalhar em um novo álbum, Lover Man. Mas o projeto foi abortado depois do fracasso do single "Ego Tripping Out". Reclamando de problemas com impostos e de vício em drogas, Gaye declarou falência e se mudou para o Hawaii, onde ele vivia em um furgão.

Marvin Gaye pelo pintor belga Willy Bosschem

Em 1980, ele assinou com o promotor britânico Jeffrey Kruger para realizar concertos no Reino Unido. Mas Gaye não conseguiu chegar em tempo ao palco. Quando ele chegou, todos já haviam deixado o concerto. Em Londres, Marvin trabalhou no LP In Our Lifetime?, uma complexa e profunda gravação pessoal. Quando a Motown lançou o disco em 1981, Gaye ficou lívido: ele acusou a gravadora de editar e remixar o álbum sem seu consentimento, lançando uma canção inacabada, "Far Cry", alterando a arte do LP que ele requisitara e removendo o ponto de interrogação do título (dessa forma, alterando sua conotação irônica).

Retorno e morte trágica


Depois de oferecida uma nova chance em OstendBélgica, Marvin mudou-se para lá ainda em 1981. Ainda perturbado pela decisão precipitada da Motown em lançar In Our Lifetime, ele negociou sua saída da gravadora e assinou com a Columbia Records no ano seguinte, onde lançou Midnight Love. O disco incluía o grande sucesso "Sexual Healing", que lhe rendeu seus primeiros dois prêmios Grammy (de Melhor Performance R&B Masculina e Melhor R&B Instrumental), em fevereiro de 1983. Ele também seria indicado aos mesmos prêmios no ano seguinte pelo LP Midnight Love. Também em fevereiro de 1983, Gaye fez uma apresentação memorável no All-Star Game da NBA, interpretando o Hino Nacional dos Estados Unidos. No mês seguinte, ele fez sua última apresentação para seu antigo mentor no concerto Motown 25, apresentando What's Going On. Depois, ele embarcou em uma turnê pelos EUA divulgando seu recente trabalho. Terminada a turnê, em agosto de 1983, ele estava atormentado por problemas de saúde — ele teve acessos de depressão e medo em torno de uma suposta tentativa de lhe tirarem a vida.

Quando a turnê foi encerrada, ele se isolou e se mudou para a casa de seus pais. Ele ameaçou cometer suicídio diversas vezes, depois de numerosas e amargas brigas com seu pai, Marvin Pentz Gay Sr. Em 1 de abril de 1984, um dia antes de completar seu 45.º aniversário, Marvin foi assassinado com um tiro por seu próprio pai, após uma briga iniciada quando os pais de Gaye discutiam sobre a perda de documentos de negócios. A ironia é que Gaye foi morto por uma arma calibre 38 que ele próprio havia dado de presente para seu pai. Seu corpo foi cremado e as cinzas lançadas no Oceano Pacífico.[48] Marvin Pentz Sr. foi condenado a seis anos de prisão, após ser declarado culpado por homicídio. A acusação de assassinato foi abandonada após médicos descobrirem que ele estava com um tumor cerebral. Marvin Pentz Sr passou o final de sua vida em um asilo, onde morreria de pneumonia em 1998.

Após alguns lançamentos póstumos, que fortaleceram a memória de Marvin na consciência popular, o cantor foi introduzido ao Rock and Roll Hall of Fame em 1987. Mais tarde, também ao Hollywood's Rock Walk e, em 1990, ganharia uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood.

Após a sua morte foram lançadas algumas canções em sua homenagem: "Night Shift" dos Commodores (que também homenageia Jackie Wilson) e "Missing You" de Diana Ross. E em 2015 foi lançada a​ canção de Charlie Puth e Meghan Trainor, "Marvin Gaye", que é uma homenagem a Marvin Gaye e à sua forma de gerar um ambiente de romance e sedução nas suas canções.

Discografia

Ver artigo principal: Discografia de Marvin Gaye
Álbuns de estúdio
Álbuns póstumos
Álbuns colaborativos

Filmografia

  • 1965: T.A.M.I. Show (Filme/concerto)
  • 1969: The Ballad of Andy Crocker (filme para televisão)
  • 1971: Chrome & Hot Leather (filme para televisão)
  • 1972: Trouble Man (trilha-sonora)
  • 1973: Save the Children (documentário)

Review: Grand Funk Railroad - We´re an American Band (1973)

 


Entre todos os discos do Grand Funk Railroad, We're an American Band certamente é o que possui a sonoridade mais redonda. Não por acaso, serve como porta de entrada para o super trio – e também incrível quarteto – norte-americano.

Sétimo álbum do grupo, We're an American Band foi lançado em 15 de julho de 1973. A produção, um dos destaques do disco, foi assinada por Todd Rundgren (que trabalharia com o GFR também no álbum seguinte, Shinin' On, de 1974), e traz uma mixagem espessa, com todos os instrumentos soando fortes e precisos. O som da guitarra de Mark Farner é bastante peculiar, e acaba sendo um atrativo a mais do trabalho.

A capa é outro ponto de destaque. Pra começar, foi a primeira vez que a banda assinou apenas como Grand Funk, deixando o Railroad de lado, ainda que ele batize uma das canções mais marcantes do álbum, a ótima “The Railroad”. Outro ponto é que a edição original norte-americana, assim como a primeira edição do single da faixa-título, foram prensando em vinil amarelo translúcido, fazendo uma alusão aos discos de ouro entregues pela indústria fonográfica. A capa da edição original também vinha com uma laminação imitando ouro e isso foi um tanto profético, já que o álbum chegou ao segundo posto da Billboard 200 e vendeu mais de 1 milhão de cópias nos Estados Unidos, transformando-se em um dos maiores sucessos comerciais do grupo.

O riff imortal da música que batiza o disco abre o play transmitindo a melhor das sensações. Cantada pelo baterista Don Brewer, é um dos maiores hits da banda e um dos grandes clássicos do hard rock norte-americano. O groove contagiante de “Stop Lookin’ Back” vem na sequência, com bastante destaque para o teclado de Craig Frost, promovido a integrante oficial após anos de colaboração em estúdio. 

A transcendental “Creepin’” vem a seguir, com um arranjo crescente conduzido pelos teclados de Frost e pela voz de Farner, além de um delicioso clima soul. “Black Licorice” aposta novamente no groove, e é preciso citar o quanto o baixo de Mel Schacher sempre foi um dos grandes pilares do som do Grand Funk. “The Railroad” é uma das melhores canções do catálogo do GFR, contemplativa e viajante, com direito aos instrumentos imitando a chegada de um trem em seu terço final.

“Ain’t Got Nobody” é um rockinho simpático que abre caminho para “Walk Like a Man”, segundo single do disco e mais uma vez cantada por Brewer (aliás, a bela voz do baterista é a principal nos dois únicos singles do álbum). O disco fecha com outra canção espetacular, “Loneliest Rider”, onde a banda explora suas influências progressivas.

Vale mencionar que We're an American Band foi relançado em 2002 devidamente remasterizado e com a inclusão de quatro faixas bônus – os outtakes “Hooray” e “The End”, uma versão acústica para “Stop Lookin’ Back” e um novo mix para a faixa-título.

We're an American Band não é apenas um dos melhores álbuns do Grand Funk Railroad, mas também um dos grandes discos da história do rock. Infelizmente, a banda não conseguiu manter a imensa popularidade que alcançou em um breve período da carreira, enfrentou problemas com empresário e gravadoras e acabou dissolvendo sua formação clássica, porém não sem antes deixar uma marca eterna nos trilhos do rock and roll.


“Master of Reality” (Vertigo, 1971), Black Sabbath

 


Naquele começo de 1971, o Black Sabbath desfrutava do sucesso alcançado com o sucesso de seu segundo álbum de estúdio, o consagrado Paranoid, que havia chegado ao 1º lugar na parada de álbuns do Reino Unido, da Alemanha e da Holanda, e o 12º na parada da Billboard 200, nos Estados Unidos. Enquanto isso, a banda seguia numa turnê internacional para promover Paranoid que passou pelos Estados Unidos, Europa e Austrália. A turnê foi bem sucedida, porém exaustiva. O quarteto mal tinha tempo para compor material novo para o terceiro álbum. Além da fama, os membros do Black Sabbath também vivenciavam os excessos: sexo, álcool e drogas.

As gravações de Master of Reality, terceiro álbum de estúdio do Black Sabbath, começaram em fevereiro de 1971, e corriam nos intervalos da turnê de Paranoid, e foram concluídas em abril do mesmo ano. O responsável pela produção do novo álbum foi Rodger Bain, o mesmo que produziu os dois discos anteriores. As sessões de gravação ocorreram em Los Angeles, nos estúdios da Record Plant, e em Londres, no Basing Studios. A novidade para esse novo disco é que ele foi gravado em 24 canais, o que fez muita diferença na qualidade do som. O álbum anterior, Paranoid, foi gravado num estúdio de 8 canais.

Para o novo álbum, o guitarrista Tony Iommi buscou criar novos riffs e um nova maneira de afinar a sua guitarra, o que iria não só alterar a sonoridade do Black Sabbath como iria dar novos rumos futuramente ao heavy metal. Para aliviar as dores no dedo médio e dedo anelar da mão direita, que tiveram as pontas esmagadas num acidente numa fábrica onde Iommi trabalhava na juventude, o músico decidiu afinar sua guitarra em um tom mais grave, reduzindo a tensão das cordas e tornando a forma de tocar mais confortável para os seus dedos acidentados. Isso acabou levando ao baixista Geezer Butler a alterar a afinação do seu contrabaixo para poder acompanhar a guitarra de Tony.

Black Sabbath, da esquerda para a direita: Tony Iommi, Ozzy Osbourne (sentado),
Geezer Butler e Bill Ward.

A mudança nas afinações tornou o som do Black Sabbath mais pesado, mais sombrio e mais denso. No entanto, o Sabbath tratou em Master of Reality, de temas abordados nos discos anteriores como religião, guerras e drogas.

Master of Reality foi lançado em 21 de julho de 1971, e a capa das primeiras edições traziam um fundo preto com o nome da banda em lilás e o título em preto confundido com o fundo escuro, porém em alto relevo. No Brasil, talvez tenha sido o caso único no mundo em que o álbum foi lançado com o nome da banda com as letras coloridas alternadamente em verde, amarelo, vermelho e azul. Nas edições seguintes, a capa passou a vir com o título do disco em cinza em todo o mundo.

Master of Reality começa com uma tosse cheia de eco, anunciando “Sweet Leaf”. A tosse foi gravada por acaso no estúdio, depois que Tony Iommi tragou um cigarro de maconha. “Sweet Leaf” trata sobre a maconha, e o Black Sabbath faz uma “declaração de amor” à erva: “My life was empty, forever on a down / Until you took me, showed me around / My life is free now, my life is clear / I love you sweet leaf though you can't hear”(“Minha vida estava vazia, eternamente deprimente / Até que você me levou, para dar uma volta / Minha vida agora está livre, minha vida está clara / Eu te amo, erva doce, apesar de não poderes me ouvir”). A música possui um riff de guitarra lento, distorcido e pesado.

“After Forever” começa com um som estranho criado por sintetizador, e que na sequência cede lugar ao som pesado e vibrante do Black Sabbath. A letra traz versos provocativos e chocantes dirigidos à Igreja Católica: “Would you like to see the Pope on the end of a rope / do you think he's a fool?” (“Você gostaria de ver o Papa na ponta de uma corda - você o acha um tolo?”). Na sequência, uma pausa para o som pesado é imposta por “Embryo”, uma curta faixa instrumental que traz consigo uma sua sonoridade medieval.

Na sequência, a banda retoma o som pesado com a pacifista “Children of the Grave”, em que o Black Sabbath acredita que o mundo terá uma chance de melhorar através das crianças. “Children of the Grave” contém uma linha de baixo galopante que seria copiada por vários baixistas posteriormente, dentre eles, Steve Harris, do Iron Maiden. “Orchid” é mais uma faixa instrumental, desta vez uma música com acentuação folk, toda apoiada nos violões.

Geezer Butler: linha de baixo galopante em "Children of the Grave".

Em “Lord Of This World”, dá a entender em seus versos que o eu lírico é Satanás, que fala da ganância, do orgulho e da hipocrisia do ser humano, capaz de se aliar ao mal para conseguir o que quer. “Solitude” é uma balada linda e melódica, em que Iommi toca flauta e piano, e Ozzy Osbourne canta com uma voz bem diferente da que estamos acostumados a ouvir. Houve quem duvidasse que foi ele quem cantou, mas é a voz do Ozzy mesmo, que teria passado por algum tipo de trabalho no estúdio de gravação.

O álbum fecha com “Into The Void”, uma faixa que tem um ritmo pesado e arrastado no seu início, mas que vai alternando o seu andamento, ora lento, ora mais rápido. A letra traça uma visão pessimista do planeta Terra (guerras, miséria, poluição...) e aponta que a saída é buscar outros mundos e deixar este planeta para Satanás e seus escravos.

Master of Reality alcançou o 5º lugar na parada de álbuns do Reino Unido e o 8º lugar da parada da Billboard 200, nos Estados Unidos. Até o ano de 2013, foi o único álbum do Black Sabbath a figurar no Top 10 norte-americano. O álbum vendeu mais de 2 milhões de cópias, sendo certificado com platina dupla nos Estados Unidos ao alcançar essa marca.

Quando Tony Iommi alterou a afinação da sua guitarra apenas para aliviar as dores nos dedos de sua mão direita, e que por consequência, tornou o som do Black Sabbath mais pesado e sombrio em Master of Reality, o músico não imaginava que a sua ação iria apontar novos rumos para o heavy metal e influenciar tendências do estilo e gerações de bandas. A sonoridade de Master of Reality foi a base para outras vertentes do heavy metal como doom metal, o stoner metal e sludge metal. O álbum influenciaria também bandas grunges nos anos 1990 como Nirvana, Soundgarden e Smashing Pumpkins, bem como bandas do heavy metal contemporâneo como Kyuss, Monster Magnet , Sleep e Orange Goblin. Poucos foram os discos na história do rock que conseguiram sozinhos, influenciar bandas e dar origem a novos estilos, e o Master of Reality foi um desses discos.

Faixas

Todas as letras escritas por Geezer Butler. Todas as músicas compostas por Black Sabbath, exceto as indicadas.

 

Lado 1

  1. "Sweet Leaf"             
  2. "After Forever"                      
  3. "Embryo" (instrumental) (Tony Iommi)       
  4. "Children of the Grave" 

 

Lado 2           

  1. "Orchid" (instrumental) (Tony Iommi)         
  2. "Lord of This World"   
  3. "Solitude"                  
  4. "Into the Void" 

 

Black Sabbath: Ozzy Osbourne (vocais), Tony Iommi (guitarra, sintetizador em "After Forever", flauta e piano "Solitude"), Geezer Butler (baixo), Bill Ward (bateria)


 

Ouça na íntegra o álbum Master Of Reality


“Imagine” (Apple Records, 1971), John Lennon




Embora elogiado pela crítica, John Lennon / Plastic Ono Band (1970), primeiro álbum solo de John Lennon (1940-1980), teve um desempenho comercial modesto. Para o seu segundo disco solo, Lennon pensou em algo um pouco mais comercial, mais “palatável” para o público, e nesse aspecto, Imagine cumpriu muito bem essa função. Enquanto musicalmente John Lennon / Plastic Ono Band é marcado por uma sonoridade simples e crua, resumido em três músicos no acompanhamento, o baixista Klaus Voorman, o baterista Ringo Starr e o tecladista Billy Preston (1946-2006), Imagine é um álbum musicalmente mais rico e mais elaborado. Phil Spector (1939-2021) foi o produtor dos dois discos, mas em Imagine, ele fez uso dos naipes de cordas, tão presentes na sua famosa "wall of sound", técnica de gravação musical que o consagrou nos anos 1960. John Lennon e Yoko Ono trabalharam na produção de Imagine juntamente com Spector.

Parte das gravações de Imagine ocorreu no Ascot Sound, estúdio que Lennon montou em Tittenhurst Park, uma casa de campo que o cantor possuía em Ascot, um pequena cidade ao sul da Inglaterra. Uma outra parte das gravações de Imagine aconteceu em Record Plant Studios, em Nova York, nos Estados Unidos, onde foram acrescentados mais instrumentos como saxofone e naipe de cordas.

As gravações contaram com participações especiais como a do velho amigo e baixista Klaus Voorman, de George Harrison (1943-2001) na guitarra, do consagrado saxofonista King Curtis (1934-1971), do tecladista Nicky Hopkins (1944-1994), do baterista Alan White (integrante da Plastic Ono Band e futuro baterista do Yes) e dos membros da banda Badfinger.

O produtor Phil Spector e John Lennon durante as sessões
de gravação do álbum Imagine, maio de 1971.

O álbum começa com a faixa-título, aquela que se tornaria a canção mais famosa da carreira artística John Lennon. “Imagine”, a canção, se tornou um hino pacifista, uma canção que traz uma mensagem de esperança por um mundo ideal. A canção foi inspirada no poema “Cloud Piece”, do livro Grapefruit, de Yoko Ono, que traz um verso que diz: “Imagine as nuvens gotejando, dê um espaço em seu jardim para as gotas entrarem.” A outra inspiração foi um livro de preces cristãs que Lennon e Yoko ganharam do ator, humorista e ativista pelos direitos humanos David Gregory (1932-2017). As mensagens cristãs mais o poema “Cloud Piece” ajudaram Lennon a construir a letra de “Imagine”, que acima de tudo, prega a paz e a fraternidade entre os seres humanos. Lennon chegou a dizer que “Imagine” era uma “Working Class Hero’ com açúcar”.

A faixa seguinte, a animada “Crippled Inside”, é um country rock que traz Nicky Hopkins ao piano bem ao estilo daqueles de saloon do velho oeste americano, e George Harrison tocando guitarra ressonadora. Na letra, John Lennon canta versos que falam daquele tipo de gente que atrás de uma imagem supostamente perfeita e austera, esconde na verdade uma personalidade cheia de falhas e erros como qualquer ser humano.

“Jalous Guy” foi escrita por John Lennon em 1968, quando integrava os Beatles e durante o retiro espiritual do grupo inglês na Índia. A canção tinha uma outra letra e um outro título, “Child Of Nature”, e faria parte do repertório “álbum branco”. Porém a canção foi descartada e acabou engavetada. Três anos depois, Lennon refez a letra e renomeou-a para “Jealous Guy”, na qual o cantor revela as suas inseguranças e fragilidades na vida conjugal.

As duas últimas faixas do lado A do álbum são o blues rock “It’s So Hard”, que faz referência à rotina da vida cotidiana, e “I Don’t Wanna Be A Soldier Mama” que tem uma base instrumental sensacional, com destaque para o piano bluesy de Nicky Hopkins, os solos de slide guitar de George Harrison e os solos de saxofone de King Curtis.

Yoko Ono e John Lennon em cena do vídeoclipe de "Imagine."

O lado b do álbum Imagine abre com “Gimme Some Truth” que traz o vocal raivoso de John Lennon cantando as suas desilusões com a classe política, em versos duros e diretos: “I've had enough of reading things / By neurotic, psychotic, pig-headed politicians / All I want is the truth now / Just gimme some truth now”. (“Estou farto de ler coisas vindas / De políticos burros, neuróticos e psicóticos / Tudo que quero é a verdade / Me dê só um pouco da verdade”.)

Única música do disco que Lennon compôs em parceria com Yoko Ono, “Oh My Love” fala de um homem que se vê renovado graças ao amor que sente por uma mulher.

“How Do You Sleep?” é uma resposta de John Lennon à canção “Too Many People”, de Paul McCartney, presente no disco Ram, lançado em maio de 1971. Em “Too Many People”, McCartney provoca sutilmente Lennon e Yoko Ono. Lennon por sua vez reage com “How Do You Sleep?” sem a menor sutileza. Ainda que não cite o nome de seu ex-parceiro, Lennon deixou nos versos de teor agressivo, pistas evidentes de que a resposta era para Paul McCartney: “You live with straights who tell you you was king / Jump when your mamma tell you anything / The only thing you done was Yesterday / And since you've gone it's just another day”. (“Você vive com héteros que dizem que você é o rei / Salte quando sua mãe lhe disser alguma coisa / A única coisa que você fez foi Yesterday / E desde que você se foi, é apenas Another Day”.). George Harrison faz participação nesta música tocando slide guitar.

Após a agressividade de “How Do You Sleep?” o clima fica mais ameno e leve com “How?” uma linda balada em que apresenta os dilemas de Lennon a respeito do mundo. O álbum chega ao fim com “Oh Yoko!”, um misto de folk rock e country em que através de versos ingênuos e singelos, Lennon expressa o seu amor por Yoko Ono.

Imagine foi lançado em 9 de setembro de 1971, e as primeiras edições do álbum traziam como brinde um cartão postal com a foto de John Lennon rindo e segurando um imenso porco. A imagem era uma paródia bem debochada à capa do álbum Ram, de Paul McCartney, em que o ex-parceiro de Lennon aparece segurando um carneiro pelos chifres.

Provocação: à esquerda, a capa do álbum Ram, de Paul McCartney,
e à direita, um cartão postal mostrando John Lennon segurando
um porco pelas orelhas, parodiando o seu ex-companheiro dos Beatles.
O postal vinha como brinde nas primeiras edições de Imagine.

Comercialmente, Imagine teve um bom desempenho comercial. Alcançou o 1º lugar na parada de álbuns da Billboard nos Estados Unidos, onde vendeu mais de 2 milhões de cópias. O álbum alcançou o primeiro posto também no Reino Unido, Canadá, Noruega, Holanda, Alemanha Ocidental e Austrália. O single de “Imagine” foi 3º lugar na parada de singles nos Estados Unidos.

Se John Lennon / Plastic Ono Band representou o fim de uma fase na vida do ex-beatle, um trabalho em que o cantor fez um balanço do seu passado, da infância à fase em que se tornou um astro do rock quando foi membro dos Beatles, o álbum Imagine não apenas representou a consagração cantor solo como também o início de um nova fase na sua carreira artística.

Pouco depois do lançamento do álbum Imagine, John Lennon e Yoko Ono se mudaram para os Estados Unidos, fixando residência em Nova York. Essa nova morada iria aproximar o casal de lideranças ativistas que se opunham às políticas belicistas do governo dos Estados Unidos, sobretudo, contra participação daquele país na Guerra do Vietnã. O ativismo de Lennon foi levado às últimas consequências no seu álbum seguinte, o álbum duplo Some Time in New York City, de 1972, um trabalho que foi um grande fracasso comercial.

O envolvimento do ex-beatle nas manifestações antiguerra o tornaram alvo do governo de Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, que fez todos os esforços para expulsá-lo do país. As justificativas para sua expulsão eram as mais diversas, desde o seu consumo de drogas até acusação de financiar organizações antiguerra. Lennon travaria uma longa batalha contra autoridades americanas para assegurar a sua permanência nos Estados Unidos. Com a queda de Nixon por causa do escândalo do Watergate, em 1976, John Lennon conseguiu o “green card”, que lhe assegurou o direito de morar e trabalhar nos Estados Unidos, e a liberdade de ir e voltar àquele país, pondo fim às perseguições que sofria.

Faixas

Todas as canções foram compostas por John Lennon, exceto "Oh My Love", composta por Lennon em parceria com Yoko Ono.

Lado A

  1. "Imagine"
  2. "Crippled Inside"
  3. "Jealous Guy"
  4. "It's So Hard"
  5. "Don't Wanna Be A Soldier Mama I Don't Wanna Die" 

Lado B

  1. "Gimme Some Truth"
  2. "Oh My Love"
  3. "How Do You Sleep?"
  4. "How?"
  5. "Oh Yoko!


"Imagine" (videoclipe original)

"Crippled Inside"

"Jealous Guy" (videoclipe original)

"It's So Hard"

"I Don't Wanna Be A Soldier Mama"

"Gimme Some Truth" (videoclipe original)

"Oh My Love"

"How Do You Sleep?"

"How?"

"Oh Yoko!" 


Light Asylum – In Tension [EP] (2011)

É a intenção de explosão sonora que o duo carismático de Brooklyn, Light Asylum, promete e nos dá com o EP In Tension. Este trabalho viu a luz do dia há uma década, mas parece mais atual do que nunca.

A voz (e que voz) é de Shannon Funchess e as camadas sonoras estão ao encargo de Bruno Coviello. Já o trabalho lírico é repartido entre os dois.

Light Asylum assume-se como uma “live-band” do meio underground focada primariamente na performance ao vivo. Daí que o processo de criação e gravação dos temas seja ligeiramente atípico para esta banda. Aliás, Shannon e Bruno reforçam que primeiro atuam ao vivo e só depois tentam replicar a intensidade do concerto na gravação em estúdio dos temas.

Num rasgo pujante de darkwave, marcado pela presença constante de sintetizadores, a banda apresentou-se em grande com este primeiro trabalho, ainda que o seu lançamento tenha tido pouca cobertura, como a própria vocalista lamentou em entrevistas.

Este In Tension  tem traços de génio e nasceu da determinação e criatividade do grupo, já que os custos da produção foram suportados por Funchess e Coviello, sem o suporte de nenhuma produtora. Conta com apenas quatro músicas, que se afiguram como uma ode aos eighties, com o que de melhor o gothdarkwave e o synth-pop nos podem dar.

A eletricidade quase fúnebre do tema “Dark Allies” parece pedir luzes néon, tornando quase impossível dissociar o som da imagem luminosa que este transporta. E a voz rouca de Funchess, o aparelho vocal, aquele primal scream tão presente neste tema, assombra.

“Aw, say three Hail Marys, turn around, pray about it
Aw, come on, nail me to the cross in the darkest alley”

Estas estrofes, parecem ser capazes de fazer tremer qualquer clube e a visão que se cria é imediata: um clube escuro, lotado de pessoas com os olhos esfumados a dançar frenéticas sob o comando de um instrumental que assim o ordena e onde só o prateado das correntes e os flashes luminosos contrastam com o cabedal e toda aquela aura negra.

O tema “Skull Fuct” começa com o ecoar de um sino, seguido por uma cadência rítmica que nos atira imediatamente para New Order, onde então se dissipa dando lugar a diferentes camadas de uma onda de sintetizadores.

As associações mais imediatas que podemos fazer a Light Asylum são Depeche Mode e Nine Inch Nails mas não podemos deixar de fora nomes mais contemporâneos como She Wants RevengeLinea AsperaBoy Harsher ou até os turcos She Past Away.

A palavra fúnebre parece-me apropriada para falar de In Tension, tanto pelo tom pesado e até zangado de Shannon, como pelo recurso ao embalo de sinos, passando pelo instrumental e por letras como esta:
“Sucking in, gaping mouth, breathing in the dust, Whipped flesh, broken bones, save us from the horror”.

Neste trabalho há espaço para tudo, se no tema“ Knights and Weekends” conseguimos sorrir com o despropositado de uma letra sem grande sentido acariciada por um instrumental interessante como fundo, já em “A Certain Person” e “Skull Fuct” as letras transportam-nos para um ambiente de perda, confusão e dor. Podemos dizer que se estas duas últimas faixas se situam ambas nas várias tonalidades do cinzento, então “Dark Allies” é um bombardeamento sensorial de glitter que passa por todas as cores do espectro cromático e nos impele a dançar.

Todas as faixas, com uma letra mais ou menos rica, permitem tirar uma conclusão: Light Asylum é uma banda com algumas provas dadas, bastante promissora, da qual queremos ver mais, sobretudo quando o último trabalho data já de 2012, com o álbum auto-intitulado.

A conclusão parece simples, o duo que “makes dance music for people to dance to” alcança uma bela simbiose entre o carisma e talento incontestáveis de Funchess e o crescendo instrumental, ao qual é impossível ficar indiferente, de Coviello.



PEROLAS DO ROCK N´ROLL

 

HARD ROCK - TAURUS - Zöld Csillag / Szólíts Meg Vándor - 1972


Pérola formada em 1972 na capital húngara Budapeste. O Taurus (também conhecida como Taurus Ex-T: 25-75-82) é considerado um dos primeiros supergrupos do país, contando com importantes nomes do rock local, ex-membros de Neonton, Metro, Pannónia e Atlantis. Apesar da curta duração, o projeto resultou em dois compactos em 72 e 73, mesmo ano do encerramento.
Posto aqui o debut com as músicas "Zöld csillag" e "Szólíts meg vándor", ambas curtas e trazendo um fulminante "hardão" setentista, com pegadas de psicodélico e blues. Passagens arrasadoras de guitarra e órgão são destaque, contando ainda com vocal potente e letras na língua local. Com certeza tinham grande potencial, mas infelizmente não lançaram um álbum inteiro. Recomendado!




Som Lajos (baixo)
Brunner Győző (bateria)
Radics Béla (guitarra)
Balázs Ferenc (vocal)
Balázs Ferenc (órgão)

01 Zöld csillag 3:40
02 Szólíts meg vándor 4:00



Destaque

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Bem, meu amigo Pedro tem gostado dos Beach Boys ultimamente. É claro que eles não podem faltar em nenhum espaço rochoso que se preze. E a ve...