quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Discografias Comentadas: Traffic [Parte 1]

 

Discografias Comentadas: Traffic [Parte 1]

Esta matéria foi originalmente elaborada para a comunidade do orkut chamada Rock & Cultura, na qual era moderador. O texto foi criado consultando diversas revistas, livros, blogs roqueiros, entre outros. O Traffic é uma banda que eu acho muito interessante e infelizmente não é muito comentada por aí. Espero que gostem.

Formado na Inglaterra no ano de 1967, o Traffic era constituído por Steve Winwood (teclados, guitarra, voz), Dave Mason (guitarra,voz), Chris Wood (instrumentos de sopro), e Jim Capaldi (bateria, voz). O som da banda consistia na mistura da voz soul de Steve Winwood e uma ênfase nos teclados e saxofones, com melodias e ritmos jazzy, rock, folk e pop. Os dois primeiros álbuns foram lançados num período que teve tanto de turbulento como criativo, graças às desavenças entre o talentoso Dave Mason e o resto do grupo. Mason abandonou por duas vezes a banda, logo após a gravação de cada álbum (a segunda foi definitivamente).

Este fato marcou o fim do grupo, pelo menos momentaneamente, algo que levou Steve Winwood a aceitar o convite de Eric Clapton e Ginger Baker para formar o Blind Faith. Após o fim desse curto projeto, Winwood reformou novamente o Traffic, desta vez no formato de trio (sem David Mason) que era por vezes aumentado em número, ora em estúdio, ora ao vivo, mantendo sempre uma orientação musical baseada em jazz, folk e rock. Contando sempre com os arranjos impecáveis do trio Winwood-Capaldi-Wood, a alta qualidade musical foi garantida até à extinção do grupo, em 1974. Vinte anos após, a banda retornaria, mas isso veremos depois.

Ao longo de sua carreira a banda lançou oito álbuns de estúdio, três álbuns ao vivo e nove singles no Reino Unido. Além disso, várias coletâneas também foram lançadas em diversos países.


Traffic-Mr.-Fantasy-CoverTraffic – Mr. Fantasy [1967]

Tendo em conta o talento e competência de Steve Winwood e Dave Mason em compor e interpretar canções pop, ninguém esperaria um primeiro disco tão experimental e psicodélico. A verdade é que apesar de Winwood, desde os 15 anos, ser um conceituado vocalista, agora com 19 anos, o músico sentia que a sua inclinação musical começava a fugir ao R&B e soul que o havia tornado famoso na sua banda anterior, o Spencer Davis Group. Mason por sua vez, um aparente desconhecido, revelava uma enorme maturidade musical e ambição ao nível de qualquer músico de topo. No disco de estreia Mason contribui com as composições mais experimentais, as psicodélicas “House For Everyone”, “Utterly Simple” (dominada por cítara), e “Hope I Never Find Me There”. Todas possuíam interessantes letras, um imaginário incrivelmente detalhado e uma cuidada e exótica instrumentação. O estilo psicodélico está também presente em temas como “Heaven Is In Your Mind” (com floreados de piano, guitarra e seção rítmica em bom plano) e a divertida “Berkshire Poppies”. Ao contrário de Mason, que escrevia letras e música sozinho, Winwood aproveitava o talento de Jim Capaldi nas letras e colaborava com ele também na parte musical. O disco apresentava também o multi-instrumentista de sopros, Chris Wood, possuidor de um estilo musical refinado, equilibrado e flexível. Além do psicodelismo, o disco mostra rock com tendências jazz em “Dear Mr Fantasy” e “Giving To You”. A elegante balada acústica (acompanhada por órgão) No Face, No Name, No Number“, mostra Winwood em direta exposição de sentimentos. Jim Capaldi faz a sua estreia vocal no tema (da sua autoria) “Dealer”, que conta com elaborada percussão e belos violões de influência latina. Lançado numa época em que o estilo psicodélico era bastante popular, o disco conseguiu chegar aos topos das paradas de diferentes países. Mas esta boa recepção não foi suficiente para disfarçar os atritos desenvolvidos entre Mason e os restantes membros do Traffic. Estas diferenças resultaram na saída de Mason e um ponto de interrogação em relação ao futuro da banda.


Traffic_(album)Traffic – Traffic [1968]

Em 1968 Dave Mason voltava ao Traffic. Apesar da natureza individualista do músico lhe ter custado o lugar no ano anterior, nesta nova oportunidade pouco parecia ter mudado e Mason trazia consigo o seu espírito mandão. Além da colaboração com Jim Capaldi que escreve a letra de “Vagabond Virgin“, Mason encarrega-se de escrever música e letra das suas canções. E é uma das suas composições que abre o ecléctico e auto-intitulado Traffic. “You Can All Join In” mostra uma veia folk-rock-pop direta, divertida, e ritmada, algo que Mason executava com uma naturalidade espantosa. Na orientação mais progressiva e influenciada por soul e jazz, estava Steve Winwood cujos espaços musicais se desenvolviam de forma mais sutil. O tema blues-rock-psicodélico “Pearly Queen” (da autoria de Winwood) tornar-se-ia um número favorito em apresentações ao vivo. “Who Knows What Tomorrow May Bring“, é outro exemplo do estilo soul-blues irresistível que assentava na perfeição sobre o timbre de Steve Winwood.


Traffic_-_Last_ExitTraffic – Last Exit [1969]

Sem nunca receber o devido reconhecimento, o Traffic extinguia-se após a turnê de apoio ao segundo disco. A evidente incompatibilidade entre Dave Mason e o resto do grupo fez com que o Traffic fosse na maior parte das vezes um trio em vez de um quarteto. A pouca confiança que o grupo tinha em continuar como um trio, aliada à proposta irrecusável que Winwood recebeu de Clapton para formar uma nova banda, ditou assim o fim deste inventivo grupo inglês. Last Exit juntou dois temas ao vivo a canções que haviam ficado de fora dos discos anteriores, bem como faixas lançadas apenas em singles. A composição de David Mason, “Just For You”, mostra tudo o que ele sabe fazer de melhor, pop contagioso e ritmado. Temas como “Shanghai Noodle Factory” e “Withering Tree” apresentam a outra faceta do Traffic, os mini-épicos soul-pop com toques de misticismo. “Medicated Goo” fecha com boa disposição a parte de estúdio do disco. A segunda parte é composta por dezessete minutos gravado ao vivo (sem Mason) no Fillmore West, estendidos por duas covers soul-blues, “Feeling Good” e “Blind Man“.Last Exit nunca consegue atingir nada de muito concreto dada a sua curta duração e a mistura pouco harmoniosa dos temas ao vivo com as restantes canções do disco. No entanto consegue mostrar bem algumas virtudes que o grupo possuía tanto ao vivo, como em estúdio. Pensava-se na época que Last Exit seria o fim da banda, mas a imprevisibilidade do destino voltaria a unir Steve Winwood, Jim Capaldi e Chris Wood um ano depois.


traffic4Traffic – John Barleycorn Must Die [1970]

Dave Mason havia abandonado o Traffic pela segunda vez. Estes acontecimentos e outros levaram o grupo a decidir pôr fim a sua carreira (se bem que por pouco tempo) em 1969. No mesmo ano, Steve Winwood formou o Blind Faith juntamente com Eric Clapton. Apesar da boa recepção do disco, o Blind Faith encerrou suas atividades alguns meses depois. Em 1970, Winwood, um artista que já tocara com bandas de sucesso desde garoto, hesitante, começou a gravar um álbum solo. Pouco tempo depois de ter iniciado o processo, percebeu que não conseguia continuar sem outros dois membros dos Traffic, Chris Wood e Jim Capaldi. As sessões de gravação correram muito bem, e desde cedo o trio demonstrou uma nova energia e um espírito renovado. Neste álbum, a veia jazz do grupo está em grande evidência e poucos são os traços do passado. Abrindo com a dupla “Glad/Freedom Rider“, o disco imprime um contagioso ritmo jazz-rock com excelentes passagens de piano de Steve Winwood e coloridos floreados de Chris Wood no saxofone e flauta. Wood mostra o seu valor como um dos melhores instrumentistas de sopro no rock dos anos 70. No tema que dá título ao disco, “John Barleycorn Must Die“, o grupo aborda uma música tradicional do folk inglês, transformando-a num dueto vocal composto por Winwood e Jim Capaldi e introduzindo gentis e elegantes arranjos de violão e flauta. Mas não há como esconder a alma soul de Steve Winwood, evidente nas interpretações de “Empty Pages” e “Every Mother’s Son“. Fluído, com grande personalidade, John Barleycorn Must Die mostrava um grupo empenhado em traçar um rumo diferente, mais calmo e misterioso. O disco resultou no maior sucesso que o grupo alguma vez tinha alcançado. Contra as probabilidades o Traffic continuava…


Steve-Winwood-Welcome-To-The-Ca-131209Traffic – Welcome To The Canteen [1971]

Após o lançamento de John Barleycorn Must Die, o Traffic pretendia entrar em turnê. Mas se em estúdio Steve Winwood podia tocar piano, baixo e guitarra, ao vivo as coisas não eram tão fáceis de conjugar. Para isso o grupo contratou um baixista (Rick Grech, ex-companheiro de Winwood no Blind Faith, um percussionista (Reebop Kwaku Baah) e mais um baterista (Jim Gordon). Nesta altura a banda devia um disco à companhia discográfica que os representava nos Estados Unidos. Para cumprir essa obrigação contratual decidiram gravar um disco ao vivo. Mas a verdadeira surpresa foi o convite a Dave Mason. Mason estava de volta, no entanto, as razões por detrás desta reunião (temporária) pareciam definitivamente estranhas. Abrindo com “Medicated Goo”, o grupo elevava a nostalgia dos que assistiam ao concerto. Mason assume o controle da guitarra e o faz com bastante personalidade, mostrando que a sua carreira solo o ajudou no desenvolvimento da sua técnica. “Sad And Deep As You” e “Shouldn’t Have Took More Than You Gave”, dois temas do seu primeiro disco solo, são aqui interpretados com o cunho próprio do Traffic. A presença de Jim Gordon na bateria e de Jim Capaldi e Rebop na percussão, dão ao disco uma camada rítmica exótica, algo muito evidente em “40,000 Headmen“. A parte final do álbum é composta por duas longas jams, “Dear Mr. Fantasy” e “Gimme Some Lovin’“, clássico da carreira inicial de Winwood com o Spencer Davis Group. O disco é uma espécie de regresso ao passado, não sendo sonoramente próximo de John Barleycorn, nem indicador da direção musical futura do grupo. Por esta altura Mason manifestou publicamente a sua vontade de se juntar definitivamente ao grupo, esbarrando na vontade de Winwood que, prevendo um futuro turbulento, prontamente negou essa possibilidade. Welcome to The Canteen conseguiu um sucesso considerável, mas o Traffic não perdeu muito tempo, entrando em estúdio logo a seguir para preparar o próximo álbum, que viria a lançado dois meses depois. 


Discografias Comentadas: Traffic [Parte 2]

 

Discografias Comentadas: Traffic [Parte 2]

Apresento agora a segunda parte da Discografia Comentada do Traffic, cobrindo o período de 1971 a 1974, quando o grupo flertou com o rock progressivo, bem como o retorno na década de 90.


51HqwuzKnoLTraffic – The Low Spark Of The High Heeled Boys [1971]

Com o misterioso e carismático The Low Spark Of The High Heeled Boys, o Traffic prosseguia a viagem para envolventes espaços musicais e líricos. O disco foi gravado usando o trio base constituído por Steve Winwood, Jim Capaldi e Chris Wood e com uma seção rítmica que passou a contar com a presença de Reebop Kwaku Baah na percussão, e de Jim Gordon na bateria. A presença de Gordon na bateria devia-se à crescente queda de confiança de Jim Capaldi nas suas capacidades como baterista. Capaldi sentia que as suas contribuições para o Traffic deviam se basear na composição das letras, canções e no uso da sua voz. De fato, desde “Dealer”, faixa do primeiro disco da banda, que Capaldi não tinha a sua voz em primeiro plano. Neste álbum o músico aparece convincente e em grande estilo quer na contagiante “Light Up And Leave Me Alone“, quer no groove de “Rock & Roll Stew”. Num disco cheio de sutilezas, a elegante e mágica faixa de abertura, “Hidden Treasure”, capta todo o talento e magia de Chris Wood na flauta. Da fragilidade de “Hidden Treasure” o disco evoluí para o tema central, a ambígua “The Low Spark Of High Heeled Boys“, que retratava toda a desilusão, jogo de interesses e drogas presentes na indústria musical. A canção, em formato de épico, possuí todo o carisma vocal, arranjos jazz e a percussão estilizada que caracterizava o Traffic nos anos setenta. A inconfundível voz de Winwood é o veículo perfeito para transmitir de forma convicta as emoções e juntamente com os seus solos de piano, órgão e guitarra, compunha grande parte do som do Traffic. Em “Many A Mile To Freedom” e “Rainmaker” o grupo aborda ambientes reflexivos e delicados, pontuados exemplarmente pela seção rítmica. “Rainmaker” em particular, que conta novamente com os distintos sopros de Chris Wood, conclui o disco com mais uma refinada demonstração da deliciosa musicalidade do grupo. Sempre com arranjos sutis e com uma postura relaxada, música e mensagem fluem elegantemente ao longo do álbum.

À época de seu lançamento, o disco era totalmente ignorado na Inglaterra, ao mesmo tempo que atingia o número 7 das paradas dos Estados Unidos. Este fato fez com que os Estados Unidos passassem a ser o principal destino das turnês do grupo. Mesmo sem o devido reconhecimento, o Traffic continuava a fazer verdadeiras afirmações de caráter e personalidade.


Traffic - Shoot outTraffic – Shoot Out At The Fantasy Factory [1973]

A seguir à turnê de apoio a The Low Spark Of High Heeled Boys o Traffic não contava mais com os serviços do baterista Jim Gordon e do baixista Rick Grech. Jim Capaldi, que recentemente havia gravado o primeiro disco solo, resolveu trazer para o grupo músicos que usara no seu disco. Entraram Roger Hawkins (bateria) e David Hood (baixo) formando equipe com o percussionista Reebop Kwaku Baah. “Shoot Out At The Fantasy Factory” abre o álbum pondo em evidência os talentos desses músicos, demonstrando também a versatilidade instrumental de Winwood que aparece em primeiro plano na guitarra. Mas a verdade é que o grupo acabara há pouco tempo uma turnê pela América do Norte e o cansaço parecia começar a afetar as forças criativas. Invadidas pela melancolia, tanto as melodias de Steve Winwood como as letras de Jim Capaldi pareciam indicar estagnação emocional. No entanto, mesmo sem arriscar muito, o grupo vai interpretando bonitas canções ao longo do álbum, na forma de “Evening Blue” e “(Sometimes I Feel So) Uninspired“, que conclui o álbum transmitindo o frágil estado de alma do grupo.. Seguindo a tradição que o grupo adotara na década de setenta, o Traffic incluía algumas jams como “Roll Right Stones” ou “Tragic Magic”. “Roll Right Stones” exibia, ao longo de treze minutos, uma estilizada mistura de jazz, folk e rock. “Tragic Magic, um tema instrumental que incorporava funk, blues e jazz, era a primeira composição de Chris Wood para a banda, evidenciando de alguma forma a sua discreta presença no disco.

On+The+RoadShoot Out At The Fantasy Factoryencontrava um grupo indeciso, uma banda a lutar pela identidade. O público americano voltou acolhê-los e a garantir-lhes um lugar no top dez, enquanto que o público inglês voltava a ignorá-los. A excursão mundial para promover o álbum resultaria num disco ao vivo, On The Road, pouco mais de um mês depois. Constituídos por Steve Winwood, Jim Capaldi, Chris Wood, Reebop Kwaku Baah, David Hood (baixo), Roger Hawkins (bateria) e Barry Beckett (teclados), a música que geravam era tão longa quanto o número de músicos. Em seis temas que somam um total de setenta e seis minutos de duração, o grupo demonstra toda a sua musicalidade. Contando com três rapazes (Capaldi, Reebop e Hawkins) a bater em tudo o que é objeto de percussão, a riqueza rítmica do disco é muito evidente. Para a seleção de temas o Traffic esolheu os três últimos álbuns (John Barleycorn Must Die, The Low Spark Of High Heeled Boys e Shoot Out At The Fantasy Factory)e expandiram cada tema através da criação de várias seções onde os músicos iam improvisando. Com músicos deste calibre, o grupo criou alguns momentos de puro charme e talento. Winwood é incrível no modo como se desdobra brilhantemente na guitarra e piano ao mesmo nível, demonstrando conhecer ambas as linguagens. A conhecida elegância e versatilidade de Chris Wood nos instrumentos de sopro está também bem presente neste disco ao vivo. Com uma distância curtíssima (pouco mais de um mês) entre o lançamento de álbuns, On The Road viu-se a competir comShoot Out At The Fantasy Factory nas paradas de discos, conseguindo mesmo assim atingir o top 30. A essa altura estava a banda numa longa turnê mundial que terminaria com mais mudanças estruturais no grupo.


Traffic - When theTraffic – When The Eagle Flies [1974]

No início de 1974 o Traffic voltara a sofrer alterações na sua formação. Saíram Reebop Kwaku Baah, David Hood e Roger Hawkins, deixando o grupo novamente reduzido a um trio. A banda teve de repensar o futuro, tendo recrutado Rosko Gee para o baixo e motivando nesse processo o regresso de Jim Capaldi à bateria, posição que este tinha abandonado em 1972. Esse novo grupo gravou When The Eagle Flies. Em ambiente marcadamente experimental, a banda embarca em terrenos sonoros que evocam o estilo “jazz-fusion” com ênfase na improvisação. Num tom frio, discreto e com poucos otimismo, o disco assume sem disfarce toda a sua profunda melancolia. Por entre movimentada instrumentação, “Something New” conta uma história de uma desilusão de amor. “Dream Gerrard” desenvolve-se lentamente num groove jazz que conta com os floreados de Chris Wood no saxofone e com os habilidosos toques de Winwood no mellotron. “Graveyard People” é outro tema obscuro e misterioso, perturbado esporadicamente pelas cadências de sintetizador. A sólida linha de baixo em “Walking In The Wind” e o elegante piano que a acompanha parecem suavizar um bocado a tensão, mas não muito. É em “Memories Of A Rock ‘N’ Rolla” que o grupo revela o verdadeiro estado de espírito, num tema que retrata uma certa saturação com a vida na estrada e também um vincado sentimento de nostalgia. A beleza escondida de “Love” é um dos bons exemplos da liberdade musical que o grupo exibe no disco, resultando numa comovente afirmação da banda. A canção que dá o título ao disco, termina em terreno sonhador, alimentado pelas elegantes passagens de piano e pela versátil prestação vocal de Steve Winwood. O álbum conseguiu mais uma vez chegar ao top 10 das paradas de disco nos Estados Unidos, mas o Traffic faria a sua última turnê nesse ano. Em 1975 o grupo decidia por dar fim à carreira cujo reconhecimento apenas se verificava de um dos lados do Atlântico. Deixando para trás valiosas contribuições para o mundo da música, o Traffic retirava-se de consciência tranquila e com a sensação de dever cumprido.

Após o término do grupo, Steve Winwood e Jim Capaldi seguiram carreira solo. Chris Wood participou como convidado em discos de vários artistas. Estava trabalhando num álbum solo quando veio a falecer, vítima de pneumonia, em 12 de julho de 1983. Wood tinha vários problemas com álcool e drogas, o que era inicialmente atribuído ao seu medo de viajar de avião. Também ficou abalado quando da morte de sua ex-esposa, em 1980. Rosko Gee e Rebop Kwaku Baah integraram a banda alemã Can entre 1977 e 1979, participando de três álbuns: Saw DelightOut of Reach e Can. Reebop Kwaku Baah também atuou em discos de diversos artistas, vindo a falecer, também, em 12 de janeiro de 1983, vitimado por uma hemorragia cerebral durante um concerto na Suécia. O baixista Rick Grech também já faleceu, em virtude de problemas com alcoolismo, em 1990 após se aposentar da música, ainda nos anos 70. Dave Mason está vivo, tem uma carreira solo, lançando discos esporadicamente. Também chegou a participar por um breve período no Fleetwood Mac, nos anos 90.

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Steve Winwood e Jim Capaldi (1994)

Traffic - Far fromTraffic – Far From Home [1994]

Para a surpresa geral, em 1994, Steve e Jim, revivem o Traffic lançando o álbumFar From Home, 20 anos após seu último álbum de estúdio. Mas, na opinião de muitos, apesar da presença de Jim Capaldi voltando à bateria e escrevendo as letras de várias canções, o álbum mais se parece com um disco solo de Steve Winwoood, pois o mesmo se encarrega de todo o resto do instrumental: guitarras, baixo, teclados, programação, flauta, saxofone e percussão, e com exceção de Mick Dolan que toca guitarra em uma faixa e Davy Spillane que acrescenta Uilleann Pipes (gaita de fole irlandesa) em outra. Temos aqui um belo disco, nada excepcional, mas curtível e agradável. Mas a única coisa que é evidente é que a magia entre Winwood e Capaldi ainda funciona depois de todos esses anos. A bateria de Capaldi melhorou muito ao longo dos anos e seu trabalho aqui é bastante impressionante, enquanto Winwood prova mais uma vez que é o gênio musical que todos nós conhecemos. Sua capacidade musical e criatividade é absolutamente incrível. Os destaques são para “This Train Won’t Stop” (letras de Capaldi, com uma interpretação poderosa Winwood), “Here Comes The Man”, a longa faixa-título, a pungente “Holy Ground” e “Nowhere Is Their Freedom“. Com apenas um par de faixas mais fracas, por incrível que pareça, o disco chegou ao n° 29 nas paradas inglesas, sua melhor posição desde John Barleycorn Must Die, em 1970! Embora não sendo uma obra-prima, o álbum consegue honrar o nome e a história da banda. E é o melhor trabalho de Steve e Jim nos anos 90.

Após o lançamento de Far From Home a banda fez uma turnê para promover o disco. Além de Steve Winwood e Jim Capaldi, a banda contava com a presença de Rosko Gee (baixo), Randall Bramblett (flauta, sax), Michael McEvoy (teclados, guitarra, viola, harmônica) e Walfredo Reyes Jr. (bateria e percussão). Um desses concertos foi lançado em DVD em 2005 com o título de The Last Great Traffic Jam e tem a participação do Jerry Garcia, do Greateful Dead, na música “Dear Mr Fantasy”.

Last great traffic

Após essa turnê, Steve e Capaldi voltaram às suas atividades individuais. Porém em 28 de janeiro de 2005, Jim Capaldi faleceu em decorrência de câncer no estômago, aos 60 anos de idade. Em janeiro de 2007, um concerto em sua homenagem é organizado por sua viúva, a brasileira Aninha Capaldi, no Roundhouse em Camden Town, Londres, com a participação de vários artistas. Posteriormente esse concerto foi lançado em dvd, com o título de Dear Mr. Fantasy – A Celebration For Jim Capaldi. Já li que Jim Capaldi morou em Salvador de 1977 até o início dos anos 80. Diziam que até tinha um apartamento no Rio. Ele e sua mulher participavam de uma instituição de caridade, ajudando crianças de rua brasileiras. E outro que também não está entre nós é o tecladista Barry Beckett, falecido de causas naturais em 2009.

Uma curiosidade: todos os músicos coadjuvantes que participaram da banda, com a exceção de Rick Greech, não são britânicos.


“Jorge Ben” (Philips, 1969), Jorge Ben

 


Após o estrondoso sucesso do seu primeiro álbum, Samba Esquema Novo, em 1963, Jorge Ben (hoje Jorge Ben Jor) sofreu uma pressão da gravadora Philips para que o cantor repetisse a mesma “fórmula” do seu trabalho de estreia nos álbuns posteriores. A pressão acabou criando uma tensão entre o cantor e a gravadora, até que após o lançamento do álbum Big Ben, em, 1965, a situação ficou insustentável, e Jorge deixou a companhia naquele ano. Sem gravadora, Jorge passou por um período como “artista independente”.

No ano seguinte, em 1966, a convite do Ministério das Relações Exteriores do governo do Brasil, Jorge Ben fez algumas apresentações nos Estados Unidos ao lado de Sérgio Mendes e o seu conjunto Brasil 66. Aliás, Sérgio Mendes e o Brasil 66 gravaram “Mas Que Nada”, de Jorge Ben, e a música fez um sucesso fenomenal nos Estados Unidos, onde a música alcançou o 4° lugar na parada da Billboard Adult Contemporany, um feito raríssimo na música brasileiro.

Em 1965, Jorge Ben deixou para trás a ensolarada e inspiradora terra natal Rio de Janeiro, e mudou-se para São Paulo. Naquela cidade, chegou a morar por um tempo com Erasmo Carlos num mesmo imóvel. O cantor chegou a lançar três singles que não tiveram pouca repercussão.

Numa tentativa de manter o seu nome em evidência, Jorge Ben participa de programas de TV como o Jovem Guarda, comandado pelos antigos amigos de adolescência, Roberto Carlos e Erasmo Carlos (mais a cantora Wanderléa) e de O Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues. No entanto, a participação de Jorge no Jovem Guarda gerou um atrito entre o cantor com a direção do programa O Fino da Bossa. Embora fossem programas da mesma emissora, a TV Record, de São Paulo, havia uma rivalidade entre a turma do Jovem Guarda, mais voltado para o rock, e a produção de O Fino da Bossa, mais nacionalista e voltado para a música brasileira. Os convites para Jorge Ben se apresentar no O Fino da Bossa foram vetados a partir de então.

Jorge Ben e seu companheiro: o violão.

Após dois anos sem lançar um novo álbum, Jorge lança em 1967 O Bidú - Silêncio No Brooklin. O álbum foi gravado tendo The Fevers como banda de apoio. O grupo era uma das mais frequentes atrações do programa Jovem Guarda. Talvez procurando ter um pouco mais de liberdade, Jorge optou lançar o álbum por uma gravadora de menor porte, a pernambucana Rosenblit. Apesar de não ter sido um sucesso comercial, O Bidú - Silêncio No Brooklin apresenta sinais de que o som de Jorge Ben estava tomando um novo direcionamento. O álbum surpreende por trazer Jorge Ben e seu violão acompanhados por uma banda de rock, que juntos, gravam um disco que engloba samba, rock e referências de música nordestina como o baião.   

O Bidú - Silêncio No Brooklin aproxima Jorge Ben e o nascente movimento tropicalista, liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. A mistura musical inovadora do álbum chamou a atenção de Caetano que vê naquilo um caminho para o desenvolvimento da música tropicalista. Em outubro de 1968, Jorge se apresenta na estreia do programa tropicalista Divino Maravilhoso, na TV Tupi, apresentado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros artistas tropicalistas.

Se o ano de 1968 representou a aproximação de Jorge Ben dos tropicalistas, representou também o começo da virada na carreira do cantor carioca. Naquele ano, Wilson Simonal, uma das grandes estrelas da música brasileira daquele momento, gravou de Jorge Ben a música “Zazueira”, presente no álbum Alegria, Alegria Vol. 2 (1968). Grava também outras duas músicas de Jorge, “Sílvia Lenheira”, para o álbum Alegria, Alegria Vol. 3, e “País Tropical”, presente no álbum Alegria, Alegria, Vol. 4, ambos álbuns de 1969. “País Tropical” se torna um sucesso fenomenal na voz de Simonal.

"País Tropical" fez sucesso na voz de Wilson Simonal (foto),
antes mesmo do seu autor, Jorge Ben, gravá-la. 

Ao gravar Jorge, Simonal ajudou a dar uma nova impulsionada na carreira do cantor carioca. E não só isso, Simonal motivou bandas e cantores a saírem em busca de canções de Jorge Ben para gravar, de preferência canções inéditas.

Jorge por sua vez, estava num momento profícuo, estava compondo muito e com qualidade. E num espaço de um ano, várias canções de Jorge invadiram as paradas de sucesso na voz de outros artistas. Em 1968, os Mutantes estouraram com “A Minha Menina”. Mas em 1969, houve uma explosão de artistas gravando canções de Jorge Ben e que se tornaram grandes sucessos radiofônicos: “Que Pena” com Gal Costa em dueto com Caetano Veloso; “Cadê Tereza” com Os Originais do Samba; “O Vendedor de Bananas” com Os Incríveis. Isso sem falar daquelas músicas que foram gravadas, mas não tiveram grande repercussão como “Tuareg”, gravada por Gal Costa, e “Se Papai Gira” e “Vou Me Pirulitar”, as duas últimas gravadas pelos Originais do Samba, e todas as músicas três citadas lançadas em 1969.

Porém, foi um encontro de artistas numa casa noturna em São Paulo, chamada Jogral, que daria um novo rumo à carreira artística de Jorge Ben. Já com morada fixa em São Paulo, o cantor carioca conheceu na boate Jogral o conjunto musical Trio Mocotó, que era atração fixa e servia de banda de apoio para artistas que iam se apresentar naquela casa noturna. O trio foi formado em 1968, com Fritz Escovão (cuíca), Nereu Gargalo (pandeiro) e João Parahyba (timba, instrumento que é um misto de percussão e bateria). Artistas como Clementina de Jesus, Paulo Vanzolini e Cartola, e até mesmo astros internacionais como Dizzy Gillespie e Duke Ellington, tiveram o Trio Mocotó como banda de apoio quando se apresentaram na boate Jogral. O nome do trio veio de uma gíria: na época, “mocotó” era o nome dado aos joelhos das mulheres que usavam minissaia.

Jorge Ben ao violão, acompanhado do Trio Mocotó: João Parahyba (nos bongôs),
Nereu Gargalo (pandeiro), e Fritz Escovão (cuíca).

Numa das idas à boate Jogral, Jorge deu algumas canjas com o Trio Mocotó, apresentações improvisadas, sem nada programado. O que era improviso, acabou virando uma grande parceria. O Trio Mocotó teve que desenvolver uma linha rítmica para se encaixar com o estilo único e diferente de tocar violão de Jorge Ben. Nascia ali o que viria ser conhecido como samba-rock.

As apresentações de Jorge Ben e o Trio Mocotó acabaram atraindo um grande público, e chamou a atenção de ninguém menos que a gravadora Philips, a antiga gravadora de Jorge. Partiu de André Midani a iniciativa de trazer de volta Jorge Ben para a Philips, que fez o convite ao cantor. Em 1968, Midani havia assumido a presidência da gravadora Philips que passava por um processo de reestruturação para se tornar mais eficiente e lucrativa. A assinatura do contrato ocorreu nas dependências da boate Jogral, que marcou retorno de Jorge à Philips, com o Trio Mocotó como banda de acompanhamento nas gravações.

Para as gravações do novo álbum, além de contar com o Trio Mocotó como seu conjunto de apoio, Jorge Ben teve como produtor Manoel Barenbein, que havia produzido vários discos tropicalistas, dentre eles Tropicália ou Panis et Circensis (1968), Os Mutantes (1968), Gal Costa (1969) e Caetano Veloso (o álbum branco, 1969). As gravações do álbum ocorreram nos estúdios Scatena (São Paulo) e C.B.D. (Rio de Janeiro).

Embora Jorge Ben fosse um tanto quanto avesso a integrar grupos e movimentos, ele se sentiu acolhido no movimento tropicalista, capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Jorge Ben e os tropicalistas tinham algo em comum: a mistura de referências musicais tradicionais brasileiras com as da música internacional contemporânea.

Jorge Ben e integrantes do movimento tropicalista, em 1968:
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Os Mutantes.

Intitulado apenas como Jorge Ben, o álbum foi lançado em novembro de 1969. É sem sombra de dúvidas o álbum mais tropicalista de Jorge. Os arranjos de cordas criados pelos maestros José Briamonte e Rogério Duprat, criam uma colcha sonora psicodélica que casa muito bem com o ritmo dançante e animado do Trio Mocotó e a batida inconfundível do violão de Jorge Ben. Os temas das canções giram em torno da vida cotidiana nas favelas, a afirmação da identidade racial e cultual dos negros, o ufanismo, o amor de Jorge Ben pelo ser feminino, e claro, o futebol.

Uma atração à parte no álbum Jorge Ben é a arte da capa, de autoria do artista plástico Albery Seixas, fortemente influenciada pelo tropicalismo e pela pop art.  A arte colorida é cheia de elementos figurativos que fazem referência ao Brasil tropical como o tucano, a bananeira e o cajueiro, e a algumas canções do álbum como uma heroína futurista (“Barbarella”) e um par de asas (“Descobri Que Eu Sou Um Anjo”). Ao centro da capa, está o desenho de Jorge Ben, com os braços desacorrentados, como se tivesse acabado de ser libertado. Ele segura o seu violão com o escudo do Flamengo, o time do qual Jorge é um torcedor fanático.

O álbum começa com um fraseado de violão que se tornou a marca registrada de Jorge Ben e que dá início a “Criola”. A música ressalta a beleza, o encanto e a ancestralidade de uma mulher negra que embora pobre, é descendente de nobres africanos. Essa criola é uma mulher comum, do povo, mas que durante o carnaval, vive o sonho da realeza ao desfilar como rainha do samba.

“Domingas” é uma declaração de amor em forma de canção que Jorge Ben fez à sua esposa, Domingas Terezinha Inaimo Menezes, sua musa inspiradora de várias canções que compôs. Nesta canção, Jorge escancara todo o seu amor, todo o seu sentimento por Domingas.

“Cadê Tereza” foi composta por Jorge Ben, mas foi gravada um pouco antes pelo grupo Originais do Samba. A música é um samba moderno que trata sobre Tereza, uma mulher que foi ao samba na favela e não voltou, para desespero do seu namorado, um malandro que receia ter sido abandonado pela sua amada. Temendo perde-la, ele promete se regenerar, deixar a vadiagem e arranjar um emprego.

A faixa seguinte, “Barbarella”, foi inspirada na heroína do filme homônimo de ficção-científica estrelado pela atriz americana Jane Fonda, em 1968, e dirigido pelo cineasta francês Roger Vandim. Na letra, Jorge se passa por um homem que sonhou que pilotava a sua espaçonave para se encontrar com Barbarella, por quem é apaixonado. E para chegar até ela, passa por situações surreais até ser atingido por um asteroide que o impede de ver a sua amada espacial. O grande destaque desta música é o arranjo orquestral criado por Rogério Duprat, que cria todo um clima sonoro futurista que o tema da música exige, levando o ouvinte a ter a impressão que está numa aventura espacial de um filme de ficção-científica. 

Inspiração cinematográfica; Jane Fonda, no papel de Barbarella, que inspirou Jorge Ben
a compor uma música dedicada à heroína de ficção científica.

O lado 1 da versão LP do álbum termina com “País Tropical”, música que não só é a mais famosa do álbum como é um dos maiores sucessos de toda a carreira de Jorge Ben. Embora Jorge seja o autor da música, o primeiro a gravá-la foi o cantor Wilson Simonal em 1969, meses antes de Jorge Ben. Através de Simonal, a música foi um grande sucesso no rádio e na TV. Os versos ressaltam o orgulho de ser brasileiro, de morar num “país tropical abençoado por Deus, e bonito por natureza”, como diz os primeiros versos. Outros versos da canção também se tornaram antológicos como “Eu tenho um fusca e um violão / Sou Flamengo e tenho uma nêga chamada Tereza”. A Tereza aqui é a mesma da canção “Cadê Tereza”. No trecho final da música, as palavras são cantadas pela metade. Ainda que alguns biógrafos de Wilson Simonal afirmem que a ideia tenha partido dele, Jorge Ben disse em entrevistas da época que a ideia era sua.

Na época em que “País Tropical” foi lançada, os militantes de esquerda criticaram Jorge Ben acreditando que o tom ufanista dos versos da canção seriam uma espécie de apoio ao regime ditatorial militar que estava no comando do Brasil, o que é um raciocínio completamente equivocado da militância. Juca Chaves, que naquela época morava em Paris, na França, chegou a lançar uma paródia, “Paris Tropical”, satirizando a canção de Jorge e usando versos preconceituosos: “Tereza é minha empregadinha e eu sou seu patrão / vendi meu Fusca e o meu violão”. Jorge Ben contra-ataca com “Cosa Nostra”, gravada por ele acompanhado do Trio Mocotó, e que foi usada depois por Silvio Santos como tema de seu programa de calouros. Juca encerra o embate com “Take Me Back To Piauí”.

Uma das paixões de Jorge Ben: o Flamengo.

O lado 2 do álbum abre com “Take It Easy My Brother Charles”, música que celebra a condição de ser negro, a autoafirmação. Celebra o direito do negro à liberdade e à dignidade num país de passado escravagista e socialmente desigual, como fica evidente nesses versos: “Depois que o primeiro homem / Maravilhosamente pisou na lua / Eu me senti com direitos, com princípios / E dignidade / De me libertar”. Talvez esses versos expliquem a imagem de Jorge Ben desacorrentado na capa do álbum.

“Descobri Que Eu Sou Um Anjo” traz Jorge Ben num canto quase falado, quase que um “proto rap”. A letra é sobre um homem que descobre que é um anjo, um ser celestial, e que por isso, tem que manter-se distante da mulher que ama. Nesta canção, Rogério Duprat faz mais uma vez participação na criação dos arranjos de cordas que dão nesta faixa, todo um clima de tensão sonoro. A música teve uma continuação com “Porque É Proibido Pisar Na Grama”, que está no álbum Negro É Lindo, de 1971.

“Bebete Vãobora” é um samba rock alegre, animado, cuja letra é sobre um malandro que tenta convencer a sua namorada a parar de sambar numa festa e ir para casa com ele. Mas os apelos do malandro são inúteis.

A faixa seguinte tem um título curioso: “Quem Foi Que Roubou A Sopeira De Porcelana Chinesa Que A Vovó Ganhou da Baronesa?”. Os versos da música tratam sobre o sumiço misterioso da sopeira da idosa, um objeto de grande valor sentimental. O neto promete à sua avó sair pelo mundo e encontrar a tal peça.

“Que Pena” fez muito sucesso antes com Gal Costa e Caetano Veloso, embora tenha sido composta por Jorge Ben. A versão do autor possui um ritmo mais rápido que a dos baianos, mais dançante. Os versos tratam sobre um rapaz que sofre ao ser abandonado pela garota que ama. Mas ao final da canção, ele decide não mais chorar por ela e seguir em frente: “Mas eu não vou chorar / Eu vou é cantar / Pois a vida continua / Pois a vida continua / E eu não ficar sozinho / No meio da rua, no meio da rua”.

"Que Pena" foi outra canção do álbum que fez sucesso antes do próprio
autor. Ela foi gravada num dueto entre Caetano Veloso e Gal Costa (foto), 
em 1969, meses antes de Jorge Ben.

O álbum termina com outra grande canção da carreira de Jorge Ben, “Charles Anjo 45”. A letra versa sobre Charles, descrito como um herói, um “Robin Hood da favela”, que protege os moradores, mas que é preso e vai parar na penitenciária. Após a sua prisão, a favela é dominada por outros malandros que aterrorizam o lugar. Os moradores por sua vez, sonham com o dia em que Charles será libertado e a paz será reintegrada na comunidade. “Charles Anjo 45” é uma canção em que Jorge Ben já discutia com décadas de antecedência, a violência imposta por marginais nas comunidades pobres do Rio de Janeiro, bem como das grandes metrópoles brasileiras.

A canção foi inspirada em Charles Antônio Sodré, um amigo de infância de Jorge Ben que depois de adulto, virou dono de banca de jogo de bicho e de boca de fumo, e andava com um pistola Colt 45, daí o seu apelido Charles Anjo 45. O personagem seria o mesmo da canção “Take It Easy My Brother Charles”.

Naquele ano de 1969, antes do lançamento do álbum, acompanhado do Trio Mocotó, Jorge Ben participou do Festival Internacional da Canção (FIC), defendendo a canção “Charles Anjo 45”. A versão que aparece no álbum, foi gravada ao vivo no festival.

Jorge Ben, o álbum, foi muito bem recebido pelo público e pela crítica, e foi responsável por trazer de volta o cantor carioca para as paradas de sucesso. Faixas como “País Tropical”, “Cadê Tereza”, “Bebete Vãobora”, “Take it Easy my Brother Charles”, e “Que Pena”, se tornaram clássicos da carreira de Jorge Ben.

A parceria Jorge Ben e Trio Mocotó rendeu mais dois discos, Força Bruta (1970) e Negro É Lindo (1971). O álbum Jorge Ben abriu uma sequência espetacular de grandes álbuns na carreira de Jorge Ben, atingindo o ápice com o aclamadíssimo África Brasil (1976). A grande contribuição musical do álbum Jorge Ben foi ter disseminado o samba rock, influenciando gerações de artistas, desde a Banda Black Rio a Seu Jorge. 

Faixas

Todas as canções escritas e compostas por Jorge Ben.

Lado 1

  1. "Crioula"            
  2. "Domingas"      
  3. "Cadê Teresa" 
  4. "Barbarella"      
  5. "País Tropical" 

Lado 2

  1. "Take it Easy my Brother Charles"          
  2. "Descobri que Eu Sou um Anjo"              
  3. "Bebete Vãobora"         
  4. "Quem Foi que Roubou a Sopeira de Porcelana Chinesa que a Vovó Ganhou da Baronesa?"                
  5. "Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)"      
  6. “Charles Anjo 45" 

 

Jorge Ben (violão e voz)

Trio Mocotó: Fritz "Escovão" (cuíca e vocais de apoio), João "Parahyba" (percussão, bateria e vocais de apoio) e Nereu Gargalo (pandeiro e vocais de apoio)

José Briamonte - arranjos (lado um: faixas 1, 2, 3, 5; lado dois: faixas 1, 3, 4, 5, 6)

Rogério Duprat - arranjos (lado um: faixa 4; lado dois: faixa 2)


"Crioula"

"Domingas"

"Cadê Teresa"

"Barbarella"

"País Tropical"

"Take it Easy my Brother Charles"

"Descobri que Eu Sou um Anjo"

"Bebete Vãobora"

"Quem Foi que Roubou a Sopeira de Porcelana Chinesa 

que a Vovó Ganhou da Baronesa?"

"Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)"

“Charles Anjo 45"



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