sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Discografias Comentadas: Supertramp (Parte 1)

 

Discografias Comentadas: Supertramp (Parte 1)

Formado no ano de 1969 através de um anúncio do pianista e vocalista Rick Davies (ex-The Joint) no famoso semanário inglês Melody Maker, o Supertramp conquistou o mundo na década de 70 com um pop progressivo de alta qualidade, embalado por grandes clássicos que até hoje tocam nas rádios, e consolidado por uma das formações mais emblemáticas do mundo da música.

Essa Discografia Comentada do grupo britânico irá ser dividida em duas partes. A primeira abrange os sete discos lançados entre a primeira formação da banda e a saída de um de seus principais membros, Roger Hodgson. A segunda, em quinze dias, trará os álbuns lançados pelo grupo pós-saída de Hodgson.

Supertramp [1970]

Lançado em julho de 1970, a estreia do Supertramp é uma joia da psicodelia inglesa. A formação do grupo consistia em um quarteto, tendo como pilares o piano e o vocal de Davies (que também nessa época ainda tocava hammond, harmônica e o violão), baixo (sim, baixo) e o vocal de Roger Hodgson (que também toca violoncelo e flajolé), na companhia de Richard Palmer (guitarras, balalaika, vocais) e Robert Millar (bateria, harmônica). Supertramp é um álbum muito distinto na discografia da banda, mas não tem um fator importante, que irá surgir e se repetir em todos os discos dessa primeira parte, que é a divisão vocal das músicasentre Davies e Hodgson. O predomínio dos vocais é de Hodgson, e assim como seus vocais, o disco também exala uma atmosfera jazzy fundamentada na guitarra e no órgão. A única faixa que há divisão de vocais entre Davies e Hodgson é a pegadaça “Nothing To Show”, uma pancada com o baixão de Hodgson e o órgão de Davies espancando a cara do ouvinte através do ritmo de Millar e Palmer, e com uma grandiosa jam session na qual afloram inspirações no órgão e na guitarra. “It’s a Long Road” é um som psicodélico levado pelo órgão de Rick, assim como “Shadow Song”, faixa flower-power onde podemos ouvir o flajolé com destaque. As leves “Surely”, com linda participação do Hammond, e “Words Unspoken”, guiada pela guitarra de Palmer e com o marcante vocal de Hodgson, são as únicas que contém elementos mais conhecidos para os apreciadores da banda na fase “The Logical Song”, assim como a baladaça “Aubade And I Am Not Like Other Birds of Prey”, com uma sensacional execução de Roger ao baixo, e onde percebe-se os dedilhados de violão que iriam ser um dos responsáveis por consagrar a banda anos depois. Para quem curte explorações instrumentais, delicie-se com “Maybe I’m a Beggar”, um show de guitarras, órgão, vocalizações (divididas entre Hodgson e Palmer), para sair cantando pela casa, e a épica “Try Again”, treze enlouquecedores minutos de um arranjo musical soberbo, e com uma jam session arrepiante, onde podemos conferir um pouco das habilidades de Hodgson ao baixo, e tendo a guitarra de Palmer como principal instrumento. Não posso esquecer da leve “Home Again”, apenas com voz, guitarra e violão, e da vinheta “Surely”, que pouco acrescentam à um disco impecável, talentosissimamente resenhado pelo meu amigo Ronaldo Rodrigues nesse link, e que vendeu muito pouco em sua primeira tiragem. Somente em 1977, com um relançamento americano, é que o mundo veio a realmente conhecer uma obra seminal dos ingleses. Como uma última curiosidade, foi gravado em apenas nove sessões, todas da meia-noite às 6 da manhã, como uma forma de superstição do grupo.

A trupe chegou a participar da edição do Festival da Ilha de Wight de 1970, já com o flautista Dave Winthrop. No mesmo festival que se apresentou The Who, The Doors, entre outros, o Supertramp abriu a segunda noite de espetáculos. Mas ainda naquele ano Palmer discutiu com Hodgson e se mandou para escrever as letras do King Crimson, enquanto Millar teve um colapso nervoso durante uma turnê na Noruega, desmontando a banda. A dupla remanescente, Hodgson e Davies, junto com Winthrop, reformulou o grupo no ano seguinte, e criou outro álbum igualmente excelente.

A primeira formação do Supertramp, adicionada do flautista Dave Winthrop. Rick Davies, Roger Hodgson, Richard Palmer, Frank Miller e Winthrop (L to R)

Indelibly Stamped [1971]

A nova formação contava agora com Davies, Winthrop, Hodgson (assumindo as guitarras),  Kevin Currie (bateria) e Frank Farrell (baixo). Lançado em junho de 1971, é um dos melhores trabalhos dos britânicos, ainda bastante usuário de elementos psicodélicos. Aqui os vocais de Davies estão predominantes, começando pelo boogie inicial de “Your Poppa Don’t Mind”, destacando o baixo de Farrell e o solo de piano elétrico, passando por “Coming Home to See You”, balada ao piano que transforma-se em um bluegrass instrumental de primeira, o rockzão de “Remember”, a primeira participação do saxofone em uma música dos britânicos, e também com um exímio solo de harmônica por Davies, e a dançante “Friend in Need”, contendo boas vocalizações.  “Forever” e “Times Have Changed”, ambas com Davies nos vocais, são canções representativas do que irá se tornar o Supertramp anos depois, levadas pelo piano e pelo vocal de Davies em baladas emotivas e tocantes. Falando em baladas, “Rosie Had Everything Planned” também é representante desse estilo, com um belo solo de acordeão por Farrell, e tendo Hodgson ao baixo e vocal. As outras duas canções com Hodgson no vocal são “Travelled”, com sua linda introdução apenas com flauta e violão, e sofrendo uma transformação surpreendente, para um rock sessentista muito bom, e a sensacional “Aries”, obra seminal da carreira da banda conduzida pelos violões, a voz de Hodgson e uma alucinante flauta, bem como uma leve percussão e intervenções do piano elétrico, em um clima de luau que dura perfeitos 7 minutos. Winthrop também dá o ar da graça no posto de vocalista principal, mandando ver em “Potter”, faixa com uma pegada na linha The Band, e com ótima participação da guitarra. Como seu antecessor, vendeu muito pouco no seu lançamento, mas a partir do crescimento da banda, ganhou fama, chegando a conquistar ouro no Canadá e na França. Aos colecionadores, a versão original americana possui os bicos dos seios da mulher tapados com estrelas. Edição essa que é uma raridade hoje em dia.

Davies estava convencido de que sua ideia musical era correta, mas talvez os nomes não fossem os apropriados. Então, reformulou o grupo mais uma vez, substituindo a cozinha por dois músicos não ingleses: o americano Bob Siebenberg (bateria, vocais, na época grifado como Bob C. Benberg) e o escocês Dougie Thomson (baixo), o último ex-The Alan Bowl Set, assim como John Anthony Helliwell, o novo saxofonista, flautista, clarinetista, backing vocals, instrumentos de sopro diversos, e o responsável por dar o toque final para a criação de uma das mais importantes formações do rock mundial.

Supertramp em 1972: Dave WInthrop, Roger Hodgson, Frank Farrell, Rick Davies e Kevin Currie

Crime of the Century [1974]

A partir daqui, os britânicos encontram a fórmula do sucesso, e passam a ter a mais importante característica do grupo: a divisão dos vocais. Com Davies, percebe-se um crescimento na interpretação. Ele é responsável pela leve “Asylum”, com a presença do piano elétrico em evidência, o jazz “Bloody Well Right”, com Hodgson desfilando seus dotes no wah-wah. Já Hodgson emociona através de “Hide in Your Shell”, comprovando que além de um ótimo guitarrista também é um exímio pianista e um talentoso vocalista – a dose de emoção que ele atribui à essa faixa, junto com vocalizações muito bem encaixadas, feitas por Christine Helliwell, Scott Gorham e Vicky Siebenberg, é arrepiante – , arrasar corações na suave “If Everyone Is Listening”, e comandar o clássico “School”, faixa que abre o disco de forma brilhante, através de um riff de harmônica que talvez seja o mais conhecido desse instrumento, e que rapidamente tornou-se essencial em todos os shows da banda a partir de então. E deixou para a história musical o primeiro grande sucesso do grupo, “Dreamer”, faixa comum, pop ao extremo, com o piano Wurlitzer fazendo a primeira e mais importante participação dentre as obras do grupo, mas particularmente, considero a faixa mais fraca do disco, apesar de seu single ter chegado na 13a posição no Reino Unido. Já as que considero as melhores faixas são a própria faixa-título, interpretação arregaçante nos vocais e no piano, por parte de Davies, com um crescendo de chorar, e a sensacional “Rudy”, uma Maravilha Prog (perdida pela Uol …) com Davies fazendo misérias ao piano, Helliweel dando uma contribuição incrível com o saxofone, Hodgson estraçalhando com a guitarra e um duelo vocal Hodgson / Davies de tirar o fôlego. Meus colegas consultores e eu comentamos um pouco mais sobre este que é terceira posição dos melhores do grupo em minha opinião, aqui. Chegou entre os 10 mais no Reino Unido (quarta posição), e ficou entre os 40 mais nos Estados Unidos, onde ganhou ouro e o single de “Bloody Well Right” chegou na posição 35.

Crisis? What Crisis? [1975]

Depois do sucesso de Crime of the Century, e uma longa turnê pela Europa e América do Norte, seria difícil manter o alto nível de qualidade musical que havia sido criado em 1974. Não que Crisis? What Crisis? Seja um álbum fraco, mas como é apoiado em canções que ficaram de fora de seu antecessor (para se ter ideia, o Supertramp registrou 42 faixas durante as gravações de Crime of the Century, e só lançou 8), já temos uma ideia do que vem pela frente. Um álbum com poucas inspirações progressivas, mas que continua com a democratização das divisões vocais. Para Davies, ficou a responsabilidade de comandar a jazzística “Ain’t Nobody But Me”, o grande sucesso do disco, com ótima participação da guitarra de Hodgson, o ritmo acelerado de “Another Man’s Woman”, também com importante presença da guitarra, e com um show a parte de Davies ao piano, além de utilizar o Wurlitzer durante a leve “Poor Boy”. E que lindo solo de clarinete! Já Hodgson usa o violão e a guitarra para estabelecer suas composições e seus vocais, destacando “Sister Moonshine” como a sua principal canção do álbum, utilizando novamente o flajolé, comandando o dedilhado de “The Meaning”, melhor canção do disco, relembrando bastante os primeiros álbum, e criando as bonitas “Easy Does It” e “Two Of Us”, garantia certa de romance com o (a) companheiro (a). Hodgson também faz a prima nova de “Dreamer”, usufruindo do Wurlitzer durante “Lady”. Longe das cordas elétricas, faz até as paredes chorar ao piano elétrico durante a linda “A Soapbox Opera”, fácil uma das melhores do LP, contando com a presença de sintetizadores imitando cordas, o que ocorre também na romântica “Just A Normal Day”, essa tendo ambos dividindo os vocais. Foi o primeiro disco do Supertramp registrado nos Estados Unidos, o qual virou a sede do Supertramp a partir de então. Ficou apenas entre os 20 melhores no Reino Unido, e não atingiu se quer os 40 mais vendidos nos Estados Unidos, mas como disse, não é um disco desprezível. Apenas teve a infelicidade de ser lançado após uma obra-prima, e pior, antes do melhor disco da banda!

A formação clássica: John Helliwell, Bob Siebenberg, Rick Davies, Roger Hodgson e Dougie Thomson

Even in the Quietest Moments … [1977]

É o álbum que coloca-os novamente nas paradas britânicas e americanas, fazendo uma mistura soberba de baladas pop com pinceladas progressivas, comandado pelo hit “Give a Little Bit”, faixa dançante levada pelo violão e voz de Hodgson, como só o Supertramp sabe fazer, destacando o solo de saxofone por Helliwell, e que está frequentemente nas rádios até hoje. Hodgson é a voz na linda faixa título, onde o trabalho de Helliwell é digno de nota. Davies canta o jazz suave de “Lover Boy”, com as vocalizações já características e um bonito solo de guitarra, e comanda sozinho, com voz e piano, a sensacional “Downstream”, uma dedicatória de amor perfeita para esses dias de inverno, gravada ao vivo no estúdio em uma única tomada. O ápice do LP vai para seu lado B, um dos melhores de todos os tempos, começando por “Babaji”, emotiva canção cantada por Hodgson e com Helliwell também marcando presença em seu solo. Depois, temos “From Now On”, super balada comandada por Davies ao piano e voz, com um encerramento em crescendo fascinante, e o saxofone de Helliwell novamente sendo grande atração. Por fim, a melhor canção dos britânicos, a mini-suíte “Fool’s Overture”, uma faixa espetacular, onde o quinteto faz valer sua criatividade de composição, entregando algo complexo, admirável, inesquecível e responsável por fazer com que muitos críticos e jornalistas classifiquem a banda como progressiva, já que ela realmente é uma Maravilha Prog (Uol, cadê essa matéria?). A importância de “Fool’s Overture” é tamanha para o álbum que a capa de Even in the Quietest Moments … destaca um Grand Piano na neve, com a partitura da canção. O disco – único da formação clássica a não contar com a participação do piano Wurlitzer – chegou na décima sexta posição nos Estados Unidos (décimo segundo no Reino Unido), e foi o primeiro LP do grupo a conquistar ouro na América (mais de quinhentas mil cópias vendidas). Foi primeiro em vendas na Alemanha e Canadá, segundo na Nova Zelândia e terceiro na Noruega, ampliando o nome do grupo por todo o planeta.

Breakfast in America [1979]

Aqui finalmente o Supertramp entra no Hall das Grandes Bandas de Todos os Tempos, e se entrega ao mundo Pop, com o Wurlitzer voltando à tona, comandando as principais faixas e consolidando o som próprio da banda. Platina quádrupla nos Estados Unidos (EUA), é até hoje o álbum mais bem sucedido da banda, tendo vendido mais de 20 milhões de cópias. Só as clássicas “Goodbye Stranger”, “Take the Long Way Home”, “The Logical Song”, e a faixa-título já fazem o álbum merecer os grandes números que atingiu, pois se tornaram singles de muito sucesso. “Goodbye Stranger”, cantada por Davies e com um refrão marcante entoado por Davies e Hodgson, além do Wurlitzer puxar o riff, atingiu a quinta posição no Canadá e a décima quinta nos EUA. “Take the Long Way Home” é cantada por Hodgson, resgata a presença da harmônica, e também quinto no Canadá, décimo nos EUA, e não lançado no Reino Unido. “The Logical Song” foi número 1 no Canadá, 6 nos EUA e 7 no Reino Unido. Foi a canção que me apresentou ao grupo – ainda hoje tenho grande apreço por ela, apesar de considerá-la uma das mais fracas do disco. “Breakfast in America” ficou em nono no Reino Unido. Essa última possui a participação de Slyde Hyde na tuba e no trombone, e é um Pop direto, grudento, mas muito bom. Escondida nos sulcos de um disco praticamente perfeito, a obra-prima “Child of Vision” é uma perfeita faixa progressiva, disparada a melhor música do LP, cantada por Hodgson e Davies, comandada pelo Wurlitzer e com um longo trecho instrumental onde o solo de piano por Davies é de se aplaudir em pé. Wurlizer também marcante em “Just Another Nervous Wreck”, onde a guitarra também aparece em destaque. Tem-se a força de “Gone Hollywood”, pancada que abre o disco, cantada por Davies acompanhado de fortes vocalizações e fundamental presença do saxofone, e “Lord Is It Mine”, rara faixa com Hodgson ao piano, e forte candidata a melhor balada cantada por ele. Fechando, a simplicidade de “Oh Darling”, mais uma faixa suave com o Wurlitzer em destaque, cantada por Davies, e “Casual Conversations” para tornar o recheio do LP ainda mais gostoso, e deixar nossos ouvidos satisfeitos com um marco musical sendo transmitido. Algo que chama bastante a atenção é a participação de Helliwell, cada vez mais importante para caracterizar a sonoridade do Supertramp, e que em especial em Breakfast in America, talvez seja sua melhor performance. Primeiro lugar em vendas na Austrália, Áustria, Alemanha, Canadá, Espanha, Nova Zelândia, Noruega e Suécia, segundo na Suécia e Japão (o mais novo mercado conquistado pelo quinteto até então) e terceiro na Itália e Reino Unido. O mundo estava sob os pés dos britânicos.

Da turnê de divulgação desse álbum, saiu Paris (1980), um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos, e que só atesta a importância de Crime of the Century, já que sete das oito faixas do LP estão registradas nele. Aliás, falando em França, Breakfast in America é até hoje um dos cinco discos mais vendidos em todos os tempos naquele país. O single de “Dreamer”, retirado desse álbum, foi sucesso no Canadá e Estados Unidos. O álbum também contém “You Started Laughing”, faixa lançada somente como lado B do single de “Lady”. O DVD de Paris foi lançado somente em 2012, sob o nome Live in Paris ’79. As coisas já não andavam bem entre os membros do grupo. Hodgson havia abandonado Los Angeles, indo viver nas montanhas do Norte da Califórnia, e isso acabou gerando um grande empecilho para compor o novo álbum, que veio a sair somente em 1982.

“… Famous Last Words …” [1982]

Hodgson queria seguir uma linha próxima ao pop, enquanto Davies queria voltar ao progressivo. Morando longe um do outro, não haviam como se acertar na decisão do que compor. Assim, nasce um disco que atingiu a quinta posição nos Estados Unidos, sexta no Reino Unido. “Crazy” abre os trabalhos com uma interpretação magistral de Hodgson nos vocais. Ele também emociona com sua voz, acompanhado apenas do violão de 12 cordas, nas belas “C’est le Bon” (essa ainda com um leve órgão hammond, saxofone, baixo e percussão) e “Know Who You Are”. Acima de todas, é o responsável pela melhor faixa do álbum, e uma das melhores do grupo, a estonteante pancada “Don’t Leave Me Now”, indescritível com palavras, e que em 6:35 minutos, faz estátuas chorarem de tristeza, tamanha dramaticidade vocal e crescendo musical criado pela banda, e a harmônica servindo como um símbolo triste da despedida de Hodgson. O piano Wurlitzer e a harmônica são as atrações da quase gospel “Put On Your Old Brown Shoes”, cantada por Davies, que também é responsável pela suave “Bonnie”, uma de suas baladas mais bonitas ao piano, com um trecho instrumental marcante, e do protótipo prog de “Waiting So Long”, outra bela faixa, que sofre uma mudança de ritmo surpreendente ao longo de seus quase sete minutos (e que solo de guitarra feito por Hodgson!). Com o início da Era MTV, o Supertramp investe também em clipes, deixando o legado dos sucessos “My Kind of Lady”, balada no estilo anos 50/60, tendo o vídeo todo em preto e branco, um magistral solo de saxofone e um dos raros momentos de Davies sem barba, e a história de amor de “It’s Raining Again“, faixa pop e grudenta, comanda pelo saxofone, e que fez bastante sucesso aqui no Brasil. Vale ressaltar a presença das líderes do Heart, Ann e Nancy Wilson, como vocais de apoio em “C’est le Bon” e “Put On Your Old Brown Shoes”. Discaço do início ao fim, que perde no detalhe para Even in The Quietest Moments … como melhor do quinteto, apesar de já saber que levarei pedras por isso.

O adeus oficial de Hodgson foi registrada no maravilhoso VHS (hoje DVD) Live in Germany, essencial para entender o papel do músico no Supertramp. Em quinze dias, veremos como o Supertramp sobreviveu sem a ausência de um de seus principais membros, com os últimos quatro álbuns da banda até então.


Discografias Comentadas – Supertramp (Parte II)

 

Discografias Comentadas – Supertramp (Parte II)

Continuo hoje a apresentar a Discografia Comentada do grupo britânico Supertramp. Com a saída de um dos seus principais membros, Roger Hodgson, coube ao pianista e vocalista Rick Davies continuar o legado da banda, com mais quatro álbuns de estúdio e dois ao vivo. Vamos à eles.

Brother Where You Bound [1985]

Com a saída de Hodgson, Davies, John Anthony Helliwell (saxofone, vocais), Bob Siebenberg (bateria) e Dougie Thomson (baixo) cravam o pé na estrada progressiva que era o desejo de Davies, e criam um disco excelente, apesar de muitos ainda torcerem o nariz para Brother Where You Bound até hoje. Davies é o nome do disco. A sinistra “No Inbetween”, com boa presença do saxofone, e a linda “Ever Open Door”, cuja interpretação vocal e técnica ao piano são de emocionar, são alguns de seus melhores trabalhos em toda a carreira, principalmente  a última, onde é apenas ele, piano e sintetizadores. Para quem busca lembranças do passado Trampiano, aconselho ouvir direto “Still In Love”, a qual parece saída das gravações de Breakfast in America, essencialmente pelas vocalizações e o saxofone. Temos mais um hit, “Cannonball”, faixa dançante, misturando elementos de jazz e pop, onde a presença de sintetizadores é marcante. Os sintetizadores também são o centro das atenções na prog “Better Days”, que lembra um pouco algo da The Alan Parsons Project, e inclui vozes da campanha eleitoral americana de 1984. O grande destaque fica para a participação de David Gilmour, fazendo os solos da sensacional faixa-título. Essa foi uma das primeiras “Maravilhas do Mundo Prog” que escrevi aqui pro site, e ainda hoje, é uma das minhas favoritas da banda, sendo com certeza a melhor canção do Supertramp pós-Hodgson. A faixa havia sido composta na época de … Famous Last Words …, com dez minutos de duração, mas acabou sendo abortada, em virtude de Hodgson querer afastar-se das tendências progressivas. Foi reconstruída três anos depois, baseada no livro 1984 (George Orwell) e retratando a crise da Guerra Fria, e com mais de dezesseis minutos de duração, ocupa boa parte do lado B. A participação de Gilmour, apesar de curta, é brilhante! Há uma versão demo, até hoje não lançada, com Hodgson nas guitarras. O guitarrista Scott Gorham (Thin Lizzy, Pink Foyd) é o responsável pela guitarra base nessa suíte, que por si só já vale a aquisição de Brother Where You Bound. Além de Scott e Gilmour, o álbum conta com a participação de Marty Walsh (guitarras), Scott Page (flautas), Doug Wintz (trombone) e Cha Cha (backing vocals). Vigésima posição no Reino Unido, vigésima primeira nos Estados Unidos, e a sensação de que o grupo tinha forças para permanecer sem Hodgson era certa.

Rick Davies, David Gilmour, Bob Siebenberg, John Helliwell e Dougie Thomson

O grupo fez uma pequena excursão para promover o álbum, sem incluir nenhuma canção composta por Hodgson. Em 1986, é lançada a coletânea The Autobiography os Supetramp, facilmente uma das melhores coletâneas já lançadas não só pelo grupo, mas por toda a indústria musical. São onze canções, abrangendo apenas os álbuns pós Crime of the Century, e excluindo também Crisis? What Crisis?. Para quem quer conhecer a banda, é altamente recomendável.

Free As A Bird [1987]

É o primeiro, desde Indelibly Stamped, a não ficar entre os 100 mais nos Estados Unidos, sendo realmente o mais fraco do grupo. O quarteto resolve apostar em um som moderno, experimental, voltado para o eletrônico, e contando com a presença da percussão de Steve Reid e de um naipe de metais, formado por David Woodford, Lee Thornburg, Lon Price, Nick Lane e Scott Page. Além dos metais e de Hart, Marty Walsh também participa como guitarrista, e há um grupo vocal de apoio, formado por Evan Rogers, Karyn White, Linda Foot e Lise Miller. O som é bastante peculiar, e tem-se alguns momentos interessantes, no ritmo de “It’s Alright”, com um bom solo de piano por Davies, na datada mas gostosa de ouvir “Free as a Bird“, resgatando o Wurlitzer e os vocais gospel, e a típica faixa Supertramp “You Never Can Tell With Friends”, com um bom tempero jazz dado pelos metais. Por outro lado, existem músicas sem explicação, que são “Not the Moment”, a qual parece trilha de um filme mela-cueca da Sessão da Tarde, e “Where I Stand”, primeira composição de Davies em parceria com Hart, cuja voz aguda até lembra Hodgson, mas falta algo para convencer os fãs, é de arrepiar os cabelos e se pensar: “Sério que isso é Supertramp?”. No meio termo, faixas sem sal ou açúcar como “I’m Beggin’ You”, que até alcançou certo status nas paradas dos EUA, “It doesn’t Matter” e “Thing For  You”, que pouco agregam na carreira do Supertramp. A exceção em todo o disco é “An Awful Thing To Waste”, faixa com inspirações progressivas, apesar do excesso de eletrônicos, mas que dá para se perceber que ainda havia uma veia prog pulsante nos britânicos, nessa que é disparada a melhor faixa do álbum. Aos colecionadores, existem quatro versões desse álbum lançadas no formato vinil, com capas em azul (a mais comum), rosa, verde e amarelo.

Supertramp em 88. Brad Cole, Marty Walsh, John Helliwell, Mark Hart e Steve Reid (acima). Bob Siebenberg, Dougie Thomson e Rick Davies (abaixo).

A turnê de promoção de Free as a Bird trouxe pela primeira e única vez o Supertramp ao Brasil, durante duas apresentações no Hollywood Rock, abrindo a turnê tendo na formação Davies, Helliwell, Thomson, Siebenberg, Hart, Walsh, Brad Cole (teclados, saxofone) e Steve Reid (percussão). Essa formação está presente no segundo ao vivo, Live ’88, com Hart interpretando as canções de Hodgson, e destacando-se as covers para “Hoochie Coochie Man” (Willie Dixon) e “Don’t You Lie To Me (I Get Evil)” (Tampa Red), não presente no vinil, além dos registros ao vivo exclusivos para “It’s Alright”, “Not the Moment” e “Free as a Bird”. O CD conta também com “Bloody Well Right”. Destaque para a contra-capa, com Davies narrando as peripécias dos shows no Rio e em Sampa, e de sair do calorão brazuca para o intenso frio canadense.

O grupo dá uma pausa, sendo que muitos acham que era o fim. Eis que em 1993, Hodgson e Davies voltam a se encontrar, nessa feita para se apresentar durante um jantar em homenagem a Jerry Moss, co-fundador da A & M Records. Na noite de 14 de abril de 1993, no Hotel Beverly Hills Hilton, Hdgson, Davies e John Helliwell, acompanhados de Jeff Daniel, deixaram as diferenças de lado e interpretaram “The Logical Song” e “Goodbye Stranger”. Os chefões voltaram a trabalhar juntos, mas divergências contratuais acabaram com o sonho de reunir a formação clássica do Supertramp. De qualquer forma, Davies seguiu com o timão em mãos, e agora como um octeto, lançou o décimo disco de estúdio da banda, em 1997.

Mike Hart, Lee Thornburg, Carl Verheyen, Rick Davies, John Helliwell, Bob Siebenberg, Cliff Hugo e Tom Walsh

Some Things Never Change [1997]

Aproveitando “You Win I Lose” and “And the Light” das composições do reencontro com Hodgson, um novo Supertramp surge em 1997. Agora, há um octeto, mantendo Davies, Helliwell e Siebenberg, ao lado de Hart (efetivado finalmente), Cliff Hugo (baixo), Lee Thornburg (trompete, trombone e backing vocals), Carl Verheyen (guitarras) e Tom Walsh (percussão). Participam como convidados Bob Danzinger (kalimbas) e a dupla de apoio vocal Karen Lawrence e Kim Nail. A primeira faixa até pode-se imaginar a voz de Hodgson, principalmente durante o refrão, tendo um ritmo próximo ao reggae. A segunda, com Walsh na bateria, é daquelas baladas suaves comandadas pelo Wurlitzer, e destacando o vozeirão de Davies. Aliás, para quem acha o Wurlitzer o principal instrumento do Supertramp, divirta-se com “Get Your Act Together” e “Listen To Me, Please”, cantada em dueto por Davies e Hart.  Aprecio bastante a introdução de “It’s a Hard World”, onde o baixo de Hugo se destaca, e a canção em si, ao longo dos seus quase dez minutos de duração, nos remete aos bons tempos de inspirações progs da banda. Outras faixas que gosto são as experimentações jazzísticas dos mais de oito minutos de “C’est What?”, o bluesaço “Help Me Down That Road”, a balada “Live To Love You”, e o ritmo dançante de “Give Me A Chance”, cantada exclusivamente por Hart. Ele também é o vocal central de “Sooner or Later”, que junto com a faixa-título, é daquelas faixas que não desagradam, mas também não animam. Por outro lado, “Where There’s a Will” fecha o álbum com chave de ouro, e uma interpretação vocal magnífica por Davies. Peca por ser um álbum longo (70 minutos), mas está bem acima de seu antecessor em termos de preferência. Da sua turnê de Some Things Never Change pariu o terceiro ao vivo, It Was The Best of Times (original de 1999, posteriormente lançado em 2006, no formato simples, como Live ’97), e mais um longo hiato surge pela frente.

Slow Motion [2002]

Depois de cinco anos, o Supertramp volta tendo uma modificação em relação a formação anterior, com Jesse Siebenberg no lugar de Tom Walsh. “Goldrush” é uma canção dos tempos da primeira formação da banda, com Richard Palmer-James, e tem um climão bem flower-power. Esta era a faixa de abertura dos shows da banda até Crime of the Century. Há canções que nos remetem direto aos anos 70, como o Wurlitzer de “Broken Heart”, boa canção com uma pegada blues, da faixa-título e de “A Sting in the Tail”, que ainda apresenta uma harmônica muito idêntica a de “School”. Outras, seriam melhor se lançadas em um disco solo de Davies, e aqui ficam “Little By Little”, “Over You”, nas quais faltam uma coesão musical para agradar os ouvidos por completo. Gosto do ritmo e das variações de “Bee In Your Bonnet”, que poderia estar em discos como Brother Where You Bound ou … Famous Last Words. Destaque para as longas “Tenth Avenue Breakdown” e “Dead Man’s Blues”, que fazem florescer vestígios do Supertramp progressivo. Na primeira, uma jazzística faixa comandada pelo piano e pelo trompete, destacando o maravilhoso naipe de metais. A segunda, ótima criação de Davies, com o piano martelando nossa cabeça, perfeita participação do hammond, e fantásticos solos de saxofone e trompete, encerrando o disco em alto nível. Foi vendido nos Estados Unidos somente através do site oficial da banda e não conseguiu posição relevante nos charts.

Supertramp em 2002: Cliff Hugo, John Helliwell, Jesse Siebenberg, Rick Davies, Carl Verheyen, Lee Thornburg, Bob Siebenberg e Mark Hart

Como complemento, cito as coletâneas The Very Best of Supertramp (1990), The Very Best of Supertramp 2 (1992), e Retrospectacle – The Supertramp Anthology, lançada em 2005 e resgatando o raro compacto “Land Ho” / “Summer Romance”, lançado em 1975. Também destaco o ao vivo Is Everybody Listening? (2001), com uma apresentação do grupo em 1975, apesar de creditado como um show em Ohio em 1976, além da série de lançamentos 70-10 Tour, os quais saíram no formato Instant Live após os shows da turnê de 40 anos. Apesar de ambos afirmarem não haver possibilidades, os fãs não perdem a esperança de um dia voltarem a ter no mesmo palco Rick Davies e Roger Hodgson, líderes de uma formação com um passado glorioso e de grandes feitos, músicas e sucessos.



Discografias Comentadas: Colosseum


Discografias Comentadas: Colosseum

No último dia 12 de junho, o mundo da música assistiu a triste partida de Jon Hiseman aos 73 anos de idade, vítima de câncer no cérebro. Tempos atrás, este grande baterista foi pauta da nossa seção “Cinco Discos para Conhecer” (vide texto completo aqui), no qual passeamos por diversas fases de sua carreira. A história da banda foi também contada aqui na Consultoria do Rock pela caneta mágica de Marco Gaspari, um texto de leitura obrigatória! (leia aqui). Hiseman consolidou sua fama e reconhecimento sendo o líder de um cometa que passou pelo rock do fim dos anos 60, o Colosseum. Foram 3 anos de atividade intensa com o Colosseum – 4 discos gravados, centenas de apresentações em diversos países, aparições frequentes em grandes festivais ao ar livre e um legado musical dos mais influentes. Apesar do fim precoce, a banda retornou nos anos 90 e de lá pra cá foram mais 4 álbuns e muitos shows.  Agora é hora de dissecarmos a obra discográfica desta grande banda, que contou em seus quadros com alguns dos mais celebrados músicos britânicos dos 60’s e 70’s.

 

Those Who Are About to Die We Salute You [1969]

O título do disco repete o bordão que era dito nas apresentações dos gladiadores na Roma Antiga. O disco começa e o duelo entre os instrumentos já é emocionante logo de cara. O Colosseum coloca todas as cartas na mesa em seu primeiro disco. Ali há blues, r&b e lambiscadas de jazz como muitos outros faziam no período, mas com um DNA único e um corpo de músicos de primeira ordem. Essa fartura de talento instrumental permitiu a banda criar uma assinatura própria de imediato e ser referência para muitos outros grupos. “Walking in the Park” é um empolgante blues-rock com um instrumental arrasador; “Plenty Hard Luck”, na sequência, traz novidade aos onipresentes 12 compassos do blues, com a guitarra envolvente e os vocais possantes de James Litherland, junto da bateria magnânima de Jon Hiseman, o verdadeiro maestro deste supergrupo. “Mandarin” dá um rasante na psicodelia sessentista, como se fosse o equivalente ao Cream em “We’re Going Wrong” com um fantástico solo de baixo de Tony Reeves, algo ainda bastante incomum em 1969. “Debut” dá um sabor diferente ao r&b britânico e “The Road She Walked Before” é pura elegância. Litherland e Heckstall-Smith dão um show a parte em “Backwater Blues” e “Those About to Die” é o grande momento do disco para Dave Greenslade pilotar seu Hammond.

1. Walking in the Park
2. Plenty Hard Luck
3. Mandarin
4. Debut
5. Beware the Ides of March
6. The Road She Walked Before
7. Backwater Blues
8. Those About to Die


Valentyne Suite [1969]

Confirmando toda a empolgação do público quanto a sua estreia, em poucos meses o Colosseum voltaria em disco, ainda mais inovador e ousado. “The Kettle” é um heavy rock refinadíssimo, com James Litherland humilhando o wah-wah, Tony Reeves arrotando distorção e Jon Hiseman tocando como se tivesse 4 braços. “Buty’s Blues” é um blues chapado e “The Machine Demands a Sacrifice” é certeira em melodia. O lado B do disco é ocupado com uma enorme suíte, que traz uma grande contribuição para o desenvolvimento de todas aquelas experiências batizadas como “art-rock”, que gestariam o rock progressivo. Contando com muitas alternâncias de andamento e compasso, “Valentyne Suite”, a faixa título, é repleta de surpresas, com a sonoridade exótica do vibrafone alternada entre o Hammond e o piano acústico executados magistralmente por Dave Greenslade, que faz inserções de música sinfônica e improvisações jazzy com muita fluência. O coro na seção central da música traz a dramaticidade tão comum a esse tipo de som; a guitarra de Litherland e o baixo cavernoso de Reeves trazem um ar misterioso para os trechos finais da obra. O álbum seria lançado nos EUA poucos meses depois contendo a mesma capa mas um nome diferente (The Grass is Greener) e um tracklist diferenciado. Na época de seu lançamento, a banda já contava com Dave Clempson na guitarra e vocais. As faixas inéditas “Jumping off the Sun” e “Lost Angeles” exploram a mesma veia de “The Kettle” e são psicodélicas até o osso. A banda incluiu uma versão para “Rope Leader to the Moon”, de Jack Bruce, em versão melhor que a do autor. Para fechar a versão americana, inclui-se o trecho final da suíte “Valentyne Suite”, batizado como “The Grass Is Always Greener”.

1. The Kettle
2. Elegy
3. Butty’s Blues
4. The Machine Demands a Sacrifice
5. The Valentyne Suite
i. January’s Search
ii. February’s Valentyne
iii. The Grass is Always Greener…


Daughter of Time [1970]

O ritmo da banda era frenético, com participações frequentes em festivais ao ar livre por toda a Europa e apresentações concorridíssimas. Além do ingresso de Dave Clempson (ex-Bakerloo e futuro Humble Pie), a banda permaneceu firme com Hiseman, Greenslade e Hackestall-Smith. Os vocais foram assumidos com exclusividade por Chris Farlowe, um frontman bastante celebrado no período. O baixo seria assumido por Mark Clarke, mas o disco também contou com a participação de Louis Cennamo (futuro Renaissance, Steamhammer e Armaggedon). Participaram também a flautista Barbara Thompson e uma série de outros músicos convidados para compor os naipes de metais e cordas presentes no disco. Daughter of Time é o lançamento mais pomposo da banda. Dave Greenslade prioriza igualmente o piano acústico junto do Hammond, a bateria de Hiseman é embebida integralmente no jazz e a guitarra de Clempson tem papel mais discreto, apesar de sempre certeira quando acionada, como no caso da faixa título. Chris Farlowe se derrete para interpretar outra canção do parceiro Jack Bruce, “Theme from an Imaginary Western”. “Downhill and Shadows” vem para lembrar a todos que o Colosseum tem sua base no blues e “Take me Back to Doomsday” é uma das mais emblemáticas canções do grupo, com pegada e sofisticação.

1. Three Score and Ten, Amen
2. Time Lament
3. Take Me Back to Doomsday
4. The Daughter of Time
5. Theme for an Imaginary Western
6. Bring Out Your Dead
7. Downhill and Shadows
8. The Time Machine


Live [1971]

Este disco (duplo em LP) seria a despedida prematura da banda em sua primeira fase e, não à toa, mostraria que o palco era o habitat natural do Colosseum. Gravado em Brighton, Inglaterra, registra de forma poderosa a verdadeira identidade da banda e suas miraculosas fusões entre blues, jazz e rock n’ roll. O álbum é tão possante e rico, que o ouvinte pode escolher livremente o que destacar – o solo incrível do Hammond de Greenslade em “Rope Ladder to the Moon”, ou a performance irretocável de Clempson em “Walking the Park” ou os improvisos vocais de Farlowe nela; se quer o trecho solo de Hackestall-Smith em “Tanglewood ’63” ou a demolição promovida por Jon Hiseman indistantemente ao longo de todo os loucos minutos desse disco. Uma das encores do álbum fica com outro blues maravilhoso, a chorosa “Stormy Monday”, que nas mãos do Colosseum vira pura luxúria.

1. Rope Ladder to the Moon
2. Walking in the Park
3. Skelington
4. Tanglewood ’63
5. Encore … Stormy Monday Blues
6. Lost Angeles


The Reunion Concerts 1994 [1995]

23 anos separaram o Colosseum dos palcos, mas a volta da turma é repleta de garra e intensidade. O álbum lançado no ano seguinte ao retorno do grupo capta performances realizadas na Alemanha. As rugas chegaram e a calvície apareceu, mas a musicalidade colossiana permaneceu intacta. Com extrema fidelidade ao repertório da época de sua fundação, a banda passeia pelos momentos mais marcantes de sua discografia. Greenslade volta com um poderoso órgão Hammond, Clemson com a elegância de outrora em sua Gibson Les Paul e Farlowe com agudos intactos e maravilhosa interpretação. Hiseman, soberbo na bateria, apresenta todos os seus dotes em “Valentyne Suite”, repleta de improvisações de guitarra e baixo. Quando você escuta a plateia aplaudindo a banda antes do término da música (e isso acontece em várias músicas deste disco), já percebe que o bicho pegou pra valer. A repercussão positiva destes shows motivaram a banda a tornar perene o retorno e trabalhar em material inédito.

1. Those About to Die …
2. Elegy
3. The Valentyne Suite
4. Theme for an Imaginary Western
5. The Machine Demands Another Sacrifice
6. Solo Colonia
7. Lost Angeles
8. Stormy Monday Blues


Bread & Circuses [1997]

Antes de tudo é bastante importante destacar dois aspectos principais sobre esta volta tardia do Colosseum aos estúdios: trata-se de um disco que reuniu o mesmo line-up que a banda tinha quando encerrou suas atividades em 1971 e, sobretudo, é um bom disco. A banda executa um blues-rock muito vigoroso e com suas tintas jazzistas características, com bastante cuidado a sonoridade (bateria, guitarra e teclados estão impecáveis). Contemporanizada, mas mantendo a identidade. A abertura com “Watching Your Every Move” traz um riff quente da Gibson Les Paul de Dave Clempson e teclados venenosos de Greenslade; a faixa título tem um swing stoneano e “Whenever I Go” é uma balada na qual brilha a bela voz de Chris Farlowe. “The Playground” e “I Could Tell You Tales” relembram os momentos mais introspectivos de Daughter of Time e a instrumental “The One that Got Away” é outro grande destaque.

1. Watching Your Every Move
2. Bread & Circuses
3. Wherever I Go
4. High Time
5. Big Deal
6. The Playground
7. No Pleasin’
8. I Could Tell You Tales
9. Storms Behind the Breeze
10. The One That Got Away (Instr.)
11. The Other Side of the Sky


Tomorrow’s Blues [2003]

Seguindo as mesmas premissas que o disco anterior, o Colosseum emplacaria mais um consistente trabalho em sua discografia. A abertura com a faixa título tem uma levada malandra de Hiseman e uma melodia grudenta. Como o nome pode supor, a vertente blues da banda grita mais forte nesse trabalho com faixas maravilhosas que atendem pelos nome de “Come Right Back”, “In The Heat of the Night” e “Hard Times Rising”. “Arena in the Sun” e “The Net Man” são mais jazzistas e exploratórias, com os teclados de Dave Greenslade e a bateria de Hiseman em destaque. O saxofone de Dick Hackestall-Smith é efusivo em “Leisure Complex Blues”, cantada por Clempson. Pouco tempo depois do lançamento deste álbum, o saxofonista viria a falecer, mas a banda permaneceu ativa.

1. Tomorrow’s Blues
2. Come Right Back
3. In the Heat of the Night
4. Hard Times Rising
5. Arena in the Sun
6. Thief in the Night
7. Take the Dark Times With the Sun
8. The Net Man
9. Leisure Complex Blues
10. No Demons


Time on Our Side [2014]

A despedida do Colosseum acabou sendo mediana – momentos insossos, algumas partes constrangedoras e poucos momentos realmente marcantes. O saxofone foi assumido por Barbara Thompson, substituta natural para o posto deixado por Dick Heckstall-Smith. O restante do time se manteve – Hiseman, Clarke, Clemson, Greenslade e Farlowe. As duas primeiras faixas (“Safe as Houses” e “Blues to Music”) passam batidas e a coisa começa a crescer em “The Way You Waved Goodbye” apesar da tintura um bocado desbotada em algumas partes. “Dick’s Licks” e “City of Love” são os arranhões que uma discografia como a do Colosseum não mereciam e “Nowhere to be Found” é, em essência, música de elevador. O restante passa do esquecível ao pouco memorável. A versão ao vivo para “Morning Story”, do parceiro Jack Bruce, finaliza bem o álbum.

01 – Safe as Houses
02 – Blues to Music
03 – The Way You Waved Goodbye
04 – Dick’s Licks
05 – City of Love
06 – Nowhere to Be Found
07 – You Just Don’t Get It
08 – New Day
09 – Anno Domini

10 – Morning Story 


“The Band” (Capitol Records, 1969), The Band

 




Após o aclamado álbum de estreia, Music From Big Pink, lançado em julho de 1968, o quinteto canadense The Band decidiu que no segundo álbum, iriam repetir a mesma experiência desenvolvida na concepção do trabalho anterior: isolar-se do mundo, compor, ensaiar e gravar sossegadamente. A diferença é que ao invés da casa rosada na tranquila West Saugerties, no estado de Nova York, Estados Unidos, o quinteto optou por Hollywood, na cidade de Los Angeles, na Califórnia, onde alugaram uma mansão que fora do cantor e ator Sammy Davis Jr. O imóvel foi todo adaptado pelos técnicos da Capitol para The Band fazer os ensaios e gravações para o novo álbum.

Com intuito de focarem-se completamente na concepção do novo trabalho, os membros da The Band haviam decidido que durante o período de gravações não iriam fazer shows ou turnês. As gravações começaram no final de 1968, sob a produção de John Simon, o mesmo que havia produzido Music From Big Pink.

Enquanto estavam compondo, ensaiando e gravando material para o novo disco, os convites para shows não paravam de chegar, apesar dos membros da The Band terem decido por não se apresentarem ao vivo enquanto estivessem gravando. Contudo, as pressões para novos shows da The Band foram tão grandes que acabaram cedendo e quebrando a promessa: foram agendados shows em San Francisco e Nova York para abril de 1969. Quem não reagiu bem a essas apresentações foi o guitarrista Robbie Robertson que sofreu uma crise nervosa devido ao pavor do palco. Robertson teve que passar por tratamento para encarar a dificuldade.

O guitarrista Robbie Robertson passou por tratamento para superar o pavor do palco. 

As gravações do novo álbum foram concluídas em meados de 1969. O processo de finalização foi concluído no estúdio Hit Factory, em Nova York.

Mas antes do lançamento do novo álbum, a The Band fez uma apresentação no célebre Festival de Woodstock, em Bethel, estado de Nova York, nos Estados Unidos. O quinteto se apresentou no segundo dia do evento, 17 de agosto, o mesmo dia em que se apresentaram também Joe Cocker, Country Joe & The Fish, Ten Years After, Johnny Winter e Edgar Winter, Blood, Sweat & Tears, Crosby, Stills, Nash & Young, Paul Butterfield Blues Band, Sha-Na-Na e Jimi Hendrix.

O novo álbum da The Band chegou às lojas no dia 22 de setembro de 1969. Intitulado apenas como The Band, o álbum quase teria outro título. America e Harvest (“colheita” em português) foram duas sugestões para batizar o álbum, mas o nome do conjunto é que acabou prevalecendo.  Por ter a capa de cor marrom, The Band foi apelidado de “The Brown Album”

The Band, o álbum, é na prática um trabalho conceitual cuja temática é focada na sociedade norte-americana do século XIX, sobretudo a rural. O que surpreende é que as canções que retratam uma época tão importante dos Estados Unidos foram compostas pelo canadense Robbie Robertson. O único norte-americano do grupo era o baterista, guitarrista e bandolinista Levon Helm(1940-2012). Das doze faixas, Robertson compôs três em parceria com colegas da banda, e o restante compôs sozinho. 

Robbie Robertson e Levon Helm numa apresentação da The Band no
Festival de Woodstock, em agosto de 1969.

Buscando dar uma veracidade à temática abordada nas doze canções do álbum, o grupo mergulhou nas raízes musicais norte-americanas. O disco carrega referências de bluegrass, gospel, soul, jazz, country music e rhythm’n’blues, que juntas, transportam o ouvinte para algum vilarejo do velho oeste norte-americano ou para os campos de batalha da Guerra da Secessão (1861-1865), também conhecida como Guerra Civil Americana, o maior conflito interno da história dos Estados Unidos.

“Across The Great Divide” é a primeira canção do álbum, e começa com um canto lamentoso em que o vocalista pede para a sua esposa baixar a arma apontada para ele. Em seguida, a música ganha um andamento rock com uma linha de baixo encorpada e um piano que faz lembrar o de Fats Domino. Um órgão estridente e alegre faz o pano de fundo. A faixa seguinte, “Rag Mama Rag” começa com violino que lembra som de rabeca caipira. O piano, ao estilo ragtime, dá um clima de saloon do velho oeste norte-americano.

Na melancólica balada country rock “The Night They Drove Old Dixie Down”, o vocalista Levon Helm canta sobre a história de Virgil Caine, um homem branco do sul dos Estados Unidos que ao lado de sua esposa, testemunhou as últimas batalhas da Guerra da Secessão.

“When You Awake” faz referência a um garoto que ouvia os conselhos de um amigo chamado Ollie que lhe alertava sobre as armadilhas do mundo: “Ollie warned me it's a mean old world” (“Ollie me avisou que este é um mundo velho e mesquinho”).

"The First Minnesota", óleo sobre tela de Don Troiani: pintura retrata uma cena da
Guerra Civil Americana, conflito presente na letra da faixa 
"The Night They Drove Old Dixie Down", do álbum The Band.

Em “Up On Cripple Creek” o destaque fica para o som do clavinete Hohner tocado com pedal wah-wah pelo tecladista Garth Hudson, e que pode ser ouvido após os refrãos da música. O clavinete foi bastante usado no rock, funk e R&B entre o final dos anos 1960 primeira metade dos anos 1970. Os versos de “Up On Cripple Creek” tratam da vida de um caminhoneiro que vai à Lake Charles, no estado da Louisiana, para rever Bessie, sua amante, com quem vivencia as mais diversas e divertidas situações. Ao final da canção, o caminhoneiro diz que vai voltar para a sua esposa, mas nutre o desejo de um dia rever Bessie.

“Whispering Pines” encerra o lado A da versão LP de The Band. O vocal e a melodia da canção carregam uma aura melancólica que combina perfeitamente com os versos que falam sobre solidão: “Try looking through a haze / At an empty house, in the cold, cold sun / I will wait until it all goes round / With you in sight, the lost are found” (“Tente olhar através da névoa / Em uma casa vazia, no sol frio / Eu vou esperar até tudo mudar / Com você à vista, o que foi perdido será encontrado”).

O lado B da versão LP de The Band começa com “Jemima Surrender” cuja letra tem um duplo sentido sexual , em que um sujeito tem desejo por uma garota chamada Jemima. “Rockin’ Chair” é uma balada country music sobre um velho navegador que após uma vida inteira navegando os sete mares, deseja agora voltar para casa, na Virgínia, descansar na sua cadeira de balanço.

Um riff de piano boogi-woogie de Richard Manuel faz a introdução de “Look Out Cleveland”. Logo depois, a música ganha ritmo com a entrada dos outros instrumentos, com destaque para os riffs de guitarra de Robbie Robertson e o piano de Richard “forrando” a base instrumental da faixa. “Look Out Cleveland” é talvez a faixa mais roqueira de The Band.

The Band, da esquerda para a direita: Richard Manuel, Garth Hudson, Levon Helm,
Robbie Robertson e Rick Danko.

“Jawbone” começa com uma curiosa harmonização vocal da The Band. O ritmo da música alterna andamentos variados que a tornam uma das mais interessantes do álbum. Em determinados trechos da música, o baixo e a bateria trabalham numa perfeita sintonia.

“The Unfaithful Servant” trata sobre um empregado demitido por sua patroa após ofendê-la. Canção de andamento lento, a primeira parte de “The Unfaithful Servant” tem apenas bateria, piano, baixo e violão. À medida que a canção avança, surgem gradativamente outros instrumentos como saxofone soprano e uma tuba.

“King Harvest (Has Surely Come)” encerra o álbum contando a história de um pobre fazendeiro que perdeu tudo por causa de um intenso verão seco e quente. Um sindicalista prometeu ajuda-lo a sair daquela situação difícil. A The Band surpreende nesta faixa ao empregar um arranjo com inclinação jazzística e ao mesmo tempo funk, tendo o baixo, bateria e o órgão trabalhando muito bem para isso.

The Band foi muito bem recebido pela crítica. O jornal The New York Times definiu o álbum como uma obra-prima. Diferente do álbum anterior, The Band teve um bom desempenho comercial ao alcançar o 9º lugar da parada de álbuns pop da Billboard. No Canadá, ficou em 2º lugar na parada de álbuns. Em 2000, voltou à lista da Billboard, desta vez na parada de álbuns da internet, posicionando-se no 10º lugar. The Band atingiu a marca de 1 milhão de cópias vendidas.

Faixas

Lado A
  1. "Across The Great Divide" (Robbie Robertson)
  2. "Rag Mama Rag" (Robertson)
  3. "The Night They Drove Old Dixie Down" (Robertson)
  4. "When You Awake" (Robertson - Richard Manuel)
  5. "Up on Cripple Creek" (Robertson)
  6. "Whispering Pines" (Robertson - Richard Manuel) 

Lado B
  1. "Jemima Surrender" (Robertson - Levon Helm)
  2. "Rockin' Chair" (Robertson)
  3. "Look Out Cleveland" (Robertson)
  4. "Jawbone" (Robertson - Richard Manuel)
  5. "The Unfaithful Servant" (Robertson)
  6. "King Harvest (Has Surely Come)" (Robertson) 

The Band: Rick Danko (baixo, fiddle, trombone e vocais), Levon Helm (bateria, bandolim, guitarra rítmica e vocais), Garth Hudson (órgão, piano, clavinete, acordeão, saxofone tenor e barítono), Richard Manuel (piano, saxofone barítono, gaita, bateria e vocais) e Robbie Robertson (guitarra).


"Across The Great Divide"


"Rag Mama Rag" 


"The Night They Drove Old Dixie Down"


"When You Awake" 


Up on Cripple Creek"


"Whispering Pines"


"Jemima Surrender"


"Rockin' Chair" 


"Look Out Cleveland" 


"Jawbone" 


"The Unfaithful Servant"


"King Harvest (Has Surely Come)"


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