Agora biografia Uma das poucas bandas profissionais de Marche, no lado Adriático da Itália central, os Agorà foram formados em 1974 perto de Ancona, e tocavam um jazz-rock muito influenciado por nomes como Weather Report ou o grupo italiano Perigeo, com uma uso muito limitado de sons progressivos. Alguns dos membros da banda já haviam participado de uma banda de rock chamada Oz Master Magnus Ltd.
Apesar de não serem tão populares, foram contatados para tocar no famoso festival internacional de jazz de Montreux, na Suíça, o que lhes rendeu um contrato com a Atlantic. O primeiro LP foi um álbum ao vivo, gravado naquele festival. Maioritariamente instrumental e com apenas 30 minutos de duração, o LP tem os seus momentos, com apenas quatro longos cortes (um dos quais curiosamente dividido entre os dois lados do LP), que muitas vezes se assemelham a algumas bandas inglesas de jazz-prog do início dos anos 70.
O segundo álbum, de 1976, é muito mais orientado para o jazz-rock do que o primeiro. A banda também tocou no festival Parco Lambro de 1976 e participa do álbum ao vivo lançado na época com Cavalcata solare, de seu segundo álbum e também lançado em single.
A banda decidiu se separar em 1978. Durante um curto período naquele ano, Pepe Maina tocou percussão com eles. Ele também participou de um show filmado em Montreux, mas nunca lançado oficialmente. Ovidio Urbani ainda é um músico apreciado na área do jazz.
Em seu lançamento original em vinil nos EUA, este álbum, composto por vários singles e lados B, além de trechos de Five Live Yardbirds , foi um dos melhores LPs de toda a Invasão Britânica, ficando no mesmo nível do maior trabalho de meados dos anos 60. dos Beatles e dos Rolling Stones ; também estava a apenas um passo de ser o melhor dos Yardbirds. Nenhuma coleção jamais superou a compactação e a alta qualidade de Taking a Rave Up
Emilie Simon é uma cantora, compositora e compositora francesa que faz comparações inevitáveis com Bjork e Kate Bush por seus videoclipes enigmáticos e estilo musical vanguardista.
Simon possui um currículo impressionante de estudos musicais, com 7 anos no conservatório de Montpelier, educação musical de nível universitário e até uma pós-graduação em música. A três vezes vencedora do Victoire de la Musique (Grammy francês) combina densas paisagens sonoras eletrônicas com sons orquestrais e composições pop, apresentadas em sua voz sonhadora e infantil.
Sua música parece se tornar mais acessível a cada álbum sucessivo, então agora é um ótimo momento para mergulhar.
Com um som único e inebriante, Émilie Simon impressionou desde o início. Enquanto outras bandas eletrônicas francesas (Justice, Daft Punk, etc.) escolheram o fim do espectro French House / Nu Disco / French Touch, Simon foi na direção oposta, fazendo música downtempo e “chillout”. Seu álbum de estreia autointitulado de 2003 lhe rendeu um Victoire de la Musique de Melhor Álbum de Eletrônica/Dance/Groove. Assista-a apresentar seu primeiro e maior sucesso, “Desert”, bem no estilo Portishead.
Em 2005, Simon foi contratado pelo cineasta Luc Jacquet para criar a trilha sonora do documentário La Marche de l'empereur (também conhecido como “Marcha da Imperatriz”). Nós a conhecemos em inglês como Marcha dos Pinguins , narrada notoriamente por Morgan Freeman.
O álbum, composto por Simon, contém apenas 5 faixas vocais. O resto é composto por instrumentais ambientais cintilantes compostos por meios ecléticos (órgão de cristal, gaita de vidro, etc.). É intrigante que a música de Simon tenha sido substituída no lançamento americano/britânico. Sua música foi considerada muito alienante para o público de língua inglesa – embora ela cantasse em inglês.
O cenário gelado e etéreo da música original de Simon era perfeitamente adequado para um filme sobre a natureza ambientado na Antártica. Os franceses concordaram e premiaram-na com Victoire de la Musique de Melhor Trilha Sonora em 2006.
Mais tarde naquele ano, a cantora lançou seu 3º álbum, o Vegetal , com temática floral e vegetal . Mais uma vez, sua atmosfera agitada lhe rendeu o Victoire de la Musique de Melhor Álbum Eletrônico. Este lançamento não está disponível digitalmente nos EUA ou no Reino Unido, então você terá que comprar o CD físico ou obter o álbum de compilação.
The Flower Book é uma compilação das melhores músicas de Simon de seus três primeiros álbuns (acima), projetada especificamente para apresentá-la aos fãs na América do Norte. Como se ela estivesse preocupada em afastar os falantes de inglês, apenas metade das músicas são em francês. A outra metade (incluindo “Desert”) é cantada em inglês. No entanto, esta compilação é a melhor maneira de obter versões digitais de músicas como “Le Vieil Amant” do álbum Vegetal :
Hoje, Simon está fazendo uma gama mais ampla de músicas em inglês e francês, mas o florescimento da música eletrônica ainda está lá. Em 2011 ela lançou Franky Knight , álbum que também serve de trilha sonora para a comédia romântica francesa La Délicatesse . A faixa “Les amants du meme jour” é bastante “Desert” e dá aos fãs de longa data um gostinho do que sabemos e esperamos dela.
Aqui está um single do álbum, “Jetaimejetaimejetaime”.
Em 2014, Simon lançou seu 6º álbum, e é principalmente um caso francês com apelo pop enquanto ela continua sua incursão fora dos limites do gênero eletrônico. Existem apenas duas músicas em inglês, e uma delas, curiosamente, é um remake de “Wicked Game” de Chris Isaak. Eu classificaria Mue como Indie Pop inteligente da variedade “Morning Becomes Eclectic”. É um álbum que você realmente vai gostar.
Em 1968, o mundo passava por uma grande turbulência. A Guerra do Vietnã continuava ceifando vidas e gerando comoção e protestos em todo o planeta. Na França, os protestos também tomavam conta daquele país em busca de mais liberdade, o mesmo acontecendo em Praga, capital da então Tchecoslováquia. Nos Estados Unidos, o assassinato do líder pacifista Martin Luther King, aos 39 anos, chocou o mundo inteiro. O movimento hippie ganhava força, quebrava paradigmas e revolucionava costumes, impulsionado pelo musical Hair e por astros do rock como Beatles, Rolling Stones , Jimi Hendrix e Janis Joplin. O filme 2001 - Uma Odisseia No Espaço, encantava o público com uma visão futurista da Terra.
Naquele mesmo ano de 1969, um Brasil mergulhado numa ditadura militar desde 1964 - quando os militares haviam derrubado o presidente João Goulart (1918-1976) - via as suas ruas tomadas por protestos, tiros e bombas. A "Passeata dos 100 Mil" invadiu as ruas do Rio de Janeiro protestando contra a ditadura e o assassinato do estudante Edson Luís, morto por policiais militares num restaurante. Todo o repúdio ao regime ditatorial que havia se instalado no país encontrava apoio nas artes, que se tornaram um veículo importantíssimo de manifestação e denúncia, assim como em alguns veículos de imprensa. Se por uma lado, a revolta crescia, por outro a repressão crescia proporcionalmente, e cada vez mais agressiva.
"Passeata dos 100 Mil", manifestação que mobilizou cem mil pessoas nas ruas do centro do Rio de Janeiro, em 1968, num protesto contra a ditadura militar no Brasil.
Nesse caldeirão transformador que foi o ano de 1968, os grandes protagonistas foram os jovens. Eles estavam em todas as frentes, promovendo a mudança, seja nas ruas, nos palcos, nas telas de cinema ou na música. E é nesse cenário que o álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis veio ao mundo. O álbum coletivo foi uma ideia que teria partido de Caetano Veloso, e que acabou se tornando um disco-manifesto tropicalista.
Com produção de Manoel Barenbein e arranjos do maestro Rogério Duprat, Tropicália Ou Panis Et Circencis foi uma espécie de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band tropicalista", dado o experimentalismo e ousadia empregados no disco. Além de Caetano, o álbum contou com a participação de Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé.
A capa de Tropicália Ou Panis Et Circencis faz uma certa referência ao célebre disco dos Beatles, mas ao mesmo tempo, lembra as antigas fotos de famílias brasileiras da primeira metade do século XX, porém dentro de um olhar mais contemporâneo. Na capa aparecem Gilberto Gil sentado ao chão segurando a foto do poeta baiano José Carlos Capinam, coautor de um das canções do disco; o maestro Rogério Duprat segura um penico como se fosse uma xícara de chá; Caetano exibe uma foto de Nara Leão, que participou do álbum gravando uma das faixas; Gal e o poeta Torquato Neto sentados juntos como se fossem um comportado casal de namorados; ao fundo, mais acima, os Mutantes e Tom Zé, este segurando uma valise como se tivesse acabado de chegar de viagem.
A foto da capa foi feita na casa do fotógrafo Olivier Perroy, em São Paulo, enquanto que a arte gráfica nas cores da bandeira brasileira, ficaram a cargo do artista plástico Rubens Gerchman (1942-2008). Gerchman fez a combinação da foto com as faixas coloridas tendo como inspiração a sua própria série de obras intituladas "Caixas de Morar".
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e uma obra de Rubens Gerchman da série "caixa de Armar": inspirações para Tropicália Ou Panis Et Circencis.
O título do álbum nada mais é do que a junção do nome de duas músicas tropicalistas: "Tropicália", presente no primeiro álbum solo de Caetano, mas que ficou de fora do disco coletivo, e "Panis Et Circenses", gravada pelos Mutantes especialmente para o disco-manifesto e que em latim significa "Pão e Circo". A capa traz ainda outra curiosidade: a palavra "circencis", tanto na capa, quanto na contrapa - na lista das faixas - está com a grafia errada. O certo seria "circenses". Nos relançamentos posteriores em CD, houve a correção, porém apenas no título da canção na lista de faixas na contra capa. Mantiveram a grafia errada presente na capa, provavelmente para preservar a arte original e histórica.
O álbum coletivo começa em tom litúrgico através do som de um órgão de igreja: é a senha para a primeira faixa, "Miserere Nobis", com Gilberto Gil acompanhado dos Mutantes. Assim como algumas das outras faixas do álbum, "Miserere Nobis" possui mensagens cifradas que são críticas dirigidas à ditadura militar. O refrão em latim "Miserere-re nobis / Ora, ora pro nobis" que quer dizer "Tende piedade de nós / Orai, orai por nós", aparenta ser uma espécie de súplica a Deus pelo momento sombrio e sem esperanças em que o Brasil se encontrava. Os versos finais, onde Gil canta de madeira soletrada, escondem outra mensagem cifrada, como se fosse um código: "Bê, rê, a - Bra / Zê, i, lê - zil / Fê, u - fu / Zê, i, lê - zil / Cê, a - ca / Nê, agá, a, o, til - ão". Ao decifrar esses versos o resultado é surpreendente: Brazil, fuzil, canhão.
Sons de tiros de canhão emendam o final de "Miserere Nobis" com o início da faixa seguinte, "Coração Materno", uma regravação de uma antigo sucesso de Vicente Celestino (1894-1968), de 1951. O cantor alcançou grande popularidade com seu vozeirão operístico entre os anos 1930 e 1950, cantando canções carregadas de dramaticidade. Entrou em decadência nos anos 1960 com o surgimento da bossa-nova e da Jovem Guarda. Sua música e sua maneira de cantar passaram a ser considerados cafona pelos mais jovens na época. A regravação de Caetano Veloso para o disco, foi um resgate do cantor, ainda que a canção fosse considerada de péssimo gosto pela crítica. "Coração Materno" conta a história de um camponês que arranca o coração da própria mãe para oferecer à mulher que amava como prova de amor. Os arranjos orquestrados do maestro Rogério Duprat e a voz empostada de Caetano, reforçam o teor melodramático da canção.
O Tropicalismo resgatou o prestígio de Vicente Celestino.
A faixa seguinte é a psicodélica "Panis Et Circensis", composta por Caetano Veloso e Giberto Gil, tendo os Mutantes como intérpretes. A música é uma crítica à sociedade conservadora e conformista. Num trecho, versos parecem fazer uma alusão à maconha: "Mandei plantar / Folhas de sonho no jardim do solar". "Panis Et Circensis" é cheia de efeitos, recortes e colagens sonoras na sua gravação. No meio da faixa, a música diminui a rotação bruscamente como se o aparelho de som estivesse com defeito, mas foi puro truque de gravação. A sociedade conservadora está representada de maneira debochada no trecho onde se ouve ruído de copos, talheres e pessoas jantando ao som da valsa "Danúbio Azul", de Johan Strauss (1825-1899), na reta final da música.
Outrora musa da bossa-nova, Nara Leão (1942-1989) participa do álbum coletivo tropicalista cantando "Lindoneia", um bolero propositadamente cafona composto por Caetano Veloso inspirado no quadro A Bela Lindoneia ou A Gioconda do Subúrbio, do artista plástico pop Rubens Gerchman, o mesmo que fez o design gráfico da capa do disco. A letra versa sobre uma jovem suburbana cheia de sonhos que desaparece misteriosamente, algo que nos tempos da repressão ditatorial dos militares era comum no Brasil.
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Mutantes e Tom Zé cantam juntos em "Parque Industrial", música de Tom Zé que faz uma leitura debochada e irônica do processo industrial e urbano pelos quais o Brasil passava naquele momento.
O Tropicalismo está representado de maneira sintética em "Geleia Geral", na voz de Gil. A canção faz um retrato de um país cultural e etnicamente misturado, e ao mesmo tempo contraditório, onde miséria e riqueza, o tradicional (bumba-meu-boi, escola de samba, banana, santo barroco baiano, carne-seca) e o moderno (TV, avião a jato, Formiplac, Jornal do Brasil, LP, iê-iê-iê) convivem juntos.
A Bela Lindoneia, de Ruibens Gerchman, obra que inspirou a canção "Lindoneia".
"Geleia Geral" ainda traz em seus versos, citações sutis de músicas, poemas ou frases de outros autores, a começar pelo título da música que foi uma expressão criada pelo poeta Décio Pignatari (1927-2012). Outras citações: "A alegria é a prova dos nove", frase de Oswald de Andrade (1890-1954) no seu "Manifesto Antropofágico", de 1928; o poema "Canção do Exílio, de Gonçalves Dias ("Minha terra é onde o sol é mais limpo"); "Carolina", canção de Chico Buarque ("E outra moça também Carolina / Da janela examina a folia"); Hino à Bandeira do Brasil ("Salve o lindo pendão dos teus olhos"). A música termina com Gil cantando em cima do naipe de metais executando acordes "emprestados" de "Disparada", de Geraldo Vandré, apesar deste ter sido na época um forte oposicionista dos ideais tropicalistas.
A bela bossa-pop "Baby" foi composta por Caetano Veloso para sua irmã, Maria Bethânia, gravar para o álbum tropicalista. Porém, Bethânia recusou-se a gravá-la porque não queria ser vinculada ao movimento. Coube a Gal Costa gravar "Baby", e de uma forma divinamente bela. "Baby" carrega um ar de sofisticação e modernidade nos seus arranjos, que cruzam elementos de bossa-nova e música pop. A canção termina num dueto entre Gal e Caetano Veloso: ela cantando o refrão da canção e Caetano fazendo o contraponto cantando em inglês o refrão de "Diana", música imortalizada por Paul Anka. "Baby" acabou sendo incluída no primeiro álbum solo de Gal Costa, lançado no começo de 1969.
"Três Caravelas" (Las Carabelas)", de Augusto Algueró Jr. e G. Moreu, ganhou uma versão em português através de João de Barro, e foi gravada pela primeira vez no Brasil em 1957 por Emilinha Borba em ritmo de baião. Para o álbum tropicalista, Caetano e Gil gravaram num delicioso e alegre ritmo de cha, cha, cha. Caetano e Gil se revezam cantando trechos em português e em espanhol sobre chegada de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492.
O escritor Oswald de Andrade, assim como a Semana de Arte Moderna de 1922, da qual participou, exerceram forte influência sobre o Tropicalismo.
Na faixa seguinte, "Enquanto Seu Lobo Não Vem", o clima fica sombrio com Caetano Veloso acompanhado de Gal Costa e Rita Lee fazendo os vocais de fundo. O que nos versos aparentemente parece se referir a um simples passeio pela cidade, na verdade é uma convocação velada para povo ir para as ruas: "Vamos passear na floresta escondida, meu amor / Vamos passear na avenida / Vamos passear nas veredas, no alto meu amor / Há uma cordilheira sob o asfalto". A canção é mais uma demonstração de oposição do movimento tropicalista à ditadura militar presente no álbumTropicália Ou Panis Et Circencis. "Enquanto Seu Lobo Não Vem" é ainda sutilmente provocativa nos arranjos ao incluir um trecho do hino comunista "A Internacional" e do Hino à Bandeira do Brasil. Ao final, a provocação fica mais explícita a respeito do estado de tensão do Brasil naquele momento: "(Os clarins da banda militar…) / Debaixo das bombas, das bandeiras / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo das botas / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo das rosas, dos jardins / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo da lama / (Os clarins da banda militar…) / Debaixo da cama". A cada verso cantado por Caetano, era sucedido pelo coro de Gal e Rita cantando repetidamente "Os clarins da banda militar" que é mais uma citação presente na música: é um verso "emprestado" de uma antiga canção de Dorival Caymmi, "Dora".
"Mamãe Coragem" é talvez a faixa mais sensível e tocante do álbum. Com letra de Torquato Neto (1944-1972) musicada por Caetano Veloso, "Mamãe Coragem" faz referências ao filho que corta o "laço umbilical" com a mãe e ganha o mundo, vai viver a sua vida, as suas experiências. A letra da canção seria autobiográfica, referindo-se ao próprio Torquato que deixou a família na sua cidade natal, Teresina, no Piauí, para estudar em Salvador na adolescência. "Mamãe Coragem" traz citações literárias a começar pelo título, inspirado na peça Mãe Coragem e Seus Filhos, de 1939 escrita por Bertold Brecht (1898-1956), e a de dois livros: Elzira, A Morta Virgem, de Pedro Ribeiro Vianna, e O Grande Industrial, de Jorge Ohnet: "Pegue uns panos pra lavar / Leia um romance / Leia 'Elzira morta virgem' / 'O grande industrial".
Elzira, A Morta Virgem e O Grande Industrial: citações literárias em "Mamãe Coragem".
Gilberto Gil e Mutantes retornam juntos em "Batmacumba", uma música que é mais um exemplo de síntese do Tropicalismo. A letra é uma poesia concreta que tem apenas um verso ("Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá") que se repete, mas que num dado momento, a cada repetição, perde uma sílaba até se resumir à sílaba "ba". A partir daí faz o caminho contrário, ganhando de volta cada sílaba perdida até restaura-se por completo. Composta por Gilberto Gil, a letra faz uma articulação entre as referências afro-brasileiras (macumba, baobá, uma árvore de origem africana) com referências estrangeiras ("bat", morcego em inglês), e Batman (super-herói das histórias em quadrinhos, uma linguagem da cultura de massa), e tudo construído dentro da estética da poesia concreta, na qual a letra da canção ganha a forma da letra "K".
O álbum chega ao final com o "Hino Ao Senhor do Bonfim", que conta com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Os Mutantes. A música termina com gritos, sirenes e tiros de canhão, em mais uma alusão ao clima tenso das ruas brasileiras tomadas por manifestantes que enfrentavam as forças repressivas da ditadura militar. Essa versão do "Hino Ao Senhor do Bonfim" feita pelos tropicalistas, se tornou a mais famosa e mais executada na Bahia, seja nos festejos da Lavagem da Igreja do Bonfim, em Salvador, ou nas rádios daquela cidade.
A gravadora Philips lançou Tropicália Ou Panis Et Circencis no final de julho de 1968. O álbum foi bem recebido por boa parte da imprensa, inclusive pelos críticos que tinham restrições ao Tropicalismo, mas que acabaram se rendendo à qualidade e à criatividade da produção do álbum, em especial, aos arranjos do maestro Rogério Duprat. Em agosto de 1968, a gravadora Philips promoveu duas festas de lançamento para a promoção do Tropicália Ou Panis Et Circencis, uma na boate Dancing Avenida, no Rio de Janeiro, no dia 07, e outra no Avenida Danças, em São Paulo, no dia 12 do mesmo mês. Em ambas as festas promocionais - bastante concorridas contando com vários convidados - os artistas que gravaram o disco se apresentaram.
Show de lançamento do álbum Tropicália Ou Panis Et Circencis na boate Avenida Danças, em São Paulo, em agosto de 1968.
O lançamento de Tropicália Ou Panis Et Circencis contribuiu para que o movimento tropicalista se tornasse mais atuante, combativo e polêmico durante o resto do ano de 1968.Em setembro daquele ano, Caetano Veloso participa do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo com a música "É Proibido Proibir", acompanhado dos Mutantes. Sua apresentação ao lado dos Mutantes foi caótica: vestidos com roupas de plástico, o baiano e abanda paulista enfrentaram a fúria do público que vaiava. Caetano tentava cantar, mas ao mesmo fazia um discurso violento contra a plateia e a banca de jurados. A canção acabou sendo desclassificada, mas aquela apresentação de Caetano e os Mutantes se tornou histórica.
Um mês depois, em outubro, Caetano se envolveu em mais uma polêmica, desta vez durante um show na boate Sucata, no Rio de Janeiro, juntamente com Gilberto Gil e os Mutantes. No cenário do show, teria sido exposta uma bandeira pintada pelo artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), onde se via a imagem do corpo do traficante Cara de Cavalo, morto por policiais ligados à organização Scuderie Le Cocq, em 1964. A imagem era acompanhada da inscrição Seja Marginal, Seja Herói. O fato gerou mal estar, e o show foi suspenso com o fechamento da casa de espetáculo naquela noite pelas autoridades.
Ainda em outubro, estreava na TV Tupi, o programa anárquico Divino Maravilhoso, comandado por Caetano e Gil, mas que contava com a participação dos outros artistas tropicalistas. O título do programa era o mesmo de uma canção composta por Caetano e que foi defendida por Gal Costa em novembro, no 3º Festival Internacional da Canção, numa apresentação eletrizante da cantora baiana que deixou brotar o seu lado roqueiro.
Tropicalismo na TV: programa Divino Maravilhoso, na TV Tupi, em 1968.
Em dezembro, Caetano e Gil foram presos em São Paulo, muito por conta do ato polêmico na boate Sucata. Os líderes tropicalistas foram presos poucos dias após o presidente ditador Artur da Costa e Silva emitir o Ato Institucional Nº 5, mais conhecido como AI-5, que foi implacável a qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial. Cassar mandatos políticos, fazer intervenções, censurar veículos de comunicação, prender e torturar qualquer um que se opusesse ao regime ditatorial, foram apenas alguns dos plenos poderes que o AI-5 assegurou ao presidente. Caetano e Gil foram algumas das primeiras figuras públicas vitimadas pelo AI-5. Os dois baianos certamente já estavam na mira dos militares, haviam se tornado um "problema", assim como outros artistas e intelectuais que faziam oposição aberta à ditadura. Após serem presos em São Paulo, Caetano e Gil foram levados para um quartel do Exército no Rio de Janeiro, onde ficaram por cerca de dois meses.
Por volta de fevereiro de 1969, Caetano e Gil foram mandados para Salvador, e na capital baiana, foram proibidos de deixar a cidade, de dar entrevistas e fazer shows, a menos com autorização dos militares. Dentro de um apartamento onde estavam confinados, Caetano gravou voz para o seu próximo álbum, acompanhado de um violão tocado por Gil, sob supervisão do maestro Rogério Duprat e do produtorManoel Barenbein que haviam se deslocado para Salvador para colher esse material. Não havia em Salvador na época estúdio de gravação com recursos mínimos para se gravar material para um disco. Duprat e Barenbein pegaram as fitas e voltaram para São Paulo, onde acrescentaram os outros instrumentos ao material gravado em Salvador.
Manchete do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968 sobre o AI-5, decretado pelo então presidente Costa e Silva.
Em julho de 1969, Caetano e Gil foram liberados para fazerem dois shows no Teatro Castro Alves, em Salvador, que chegaram a ser gravados de maneira precária, e lançados no álbumBarra 69 - Caetano e Gil Ao Vivo na Bahia, em 1972.A duas apresentações foram na verdade uma forma de se angariar fundos para que os dois líderes tropicalistas deixassem o Brasil e partissem para o exílio em Londres, Inglaterra, o que de fato acabou acontecendo. Após as duas apresentações, Caetano e Gil, acompanhados das suas respectivas esposas, deixaram o Brasil, e partiram o exílio londrino que durou três anos. Em agosto de 1969, já com Caetano exilado na Inglaterra, aqui no Brasil chegava às lojas o segundo álbum do cantor, com uma capa toda branca e trazendo apenas nela o nome do artista.
Com a partida de Caetano Veloso e Gilberto Gil para o exílio, chegava ao fim o movimento tropicalista. No entanto, apesar de ter chegado ao seu final, o Tropicalismo abriu novos caminhos para a música brasileira e influenciando gerações de artistas ao longo dos últimos 50 anos no campo da diversidade musical. Dos Secos & Molhados e o Acabou Chorare dos Novos Baianos, a Selvagemdos Paralamas do Sucesso e Da Lama Ao Caos do Chico Science & Nação Zumbi e o movimento manguebeat, passando pela axé music, todos eles sofreram algum tipo de influência do Tropicalismo, o que faz de Tropicália Ou Panis Et Circencis um álbum ainda bastante relevante.
Lado A
1. "Miserere Nóbis" (Gilberto Gil - José Carlos Capinam) Gilberto Gil / Os Mutantes