domingo, 4 de fevereiro de 2024

Discografias Comentadas: King Diamond (Parte II)

 

Os desentendimentos com a gravadora Roadrunner forçaram a King Diamond Band a ficar parada por um tempo, e Andy LaRocque acabou se unindo ao Death para gravar o essencial Individual Thought Patterns em 1993. Com o retorno do Mercyful Fate, a carreira solo de King Diamond também foi retomada, e, devido à sua mudança para os Estados Unidos, o vocalista se uniu aos americanos Herb Simonsen (guitarra), Chris Estes (baixo) e Darrin Anthony (bateria) – também membros do Mindstorm – para, depois de resolver seus problemas legais com o antigo selo, trazer o grupo de volta à ativa cinco anos depois de The Eye!

Confira agora a segunda parte da Discografia Comentada de King Diamond!


The Spider’s Lullabye [1995]

Com uma banda quase totalmente revovada em relação à que gravou The Eye (sobrou apenas o velho parceiro Andy LaRocque), este é um dos poucos álbuns da discografia solo de King Diamond que não é totalmente conceitual. The Spider’s Lullabye (que, particularmente, considero um dos mais fracos de sua carreira) possui seis faixas que não têm relação liricamente, e outras quatro que contam a história de Harry, um sujeito que sofre de aracnofobia, e procura o estranho Dr. Eastmann em busca de uma cura para o seu medo.

Claro que as coisas não saem como ele queria, e o final acaba sendo trágico, como em quase todas as histórias contadas pelo Rei. Apesar da qualidade de canções como “From the Other Side” e “Eastmann’s Cure” (ambas com um riff veloz e refrão bastante melodioso), a longa “Room 17” (bastante variada) e “To the Morgue” (com um final bastante marcante), as demais canções não me atraem muito, talvez pela presença excessiva dos teclados (como em “The Poltergeist” ou “Moonlight“), ou apenas porque os riffs não caíram no meu gosto pessoal (como os de “Killer” e “Six Feet Under”).

A cadenciada “Dreams” (com um marcante refrão) ganha velocidade nos solos, e a faixa título, apesar de durar quase quatro minutos, a meu ver é apenas uma vinheta de introdução para a história de Harry, marcada por mudanças de tempo, uso excessivo dos teclados e vocalizações que não ficaram muito legais, especialmente no começo e no final. Não diria que é um álbum desprezível, mas com certeza está longe dos melhores registros de King Diamond. Cabe citar que a versão nacional original (lançada pela Castle Brasil) possuía como bônus uma entrevista com o vocalista, a qual é quase impossível de ser ouvida, pois colocaram no áudio, enquanto King fala, algumas passagens de músicas do álbum, as quais muitas vezes se sobrepõem à voz do entrevistado, fazendo com que não se entenda o que ele diz, em uma demonstração incrível de amadorismo, e que serve como um dos exemplos das falhas que levaram a gravadora à falência no país. Assim como outros álbuns, este foi remixado por Andy e relançado em 2009, com uma nova arte gráfica.


 The Graveyard [1996] 

Um sujeito inocente é acusado de violentar uma garotinha, e internado em um sanatório. Mentalmente perturbado devido ao “tratamento” recebido no local, ele consegue escapar e se refugia em um cemitério, enquanto planeja sua vingança contra o verdadeiro culpado. Mas, quando coloca seu plano em prática, as coisas acabam saindo um pouco diferentes do que ele queria. Outro álbum que não me atrai muito tanto na parte lírica quanto na musical, The Graveyard tem como destaques as faixas “Black Hill Sanitarium” (com um excelente refrão), a cadenciada “I’m Not a Stranger” e a pesada “Lucy Forever”.

As demais faixas meio que se equivalem, e, embora funcionem bem para o contexto da história (como a vinheta “Whispers”, que serve para mostrar o estado de insanidade da mente do narrador, assim como a angustiante “Up From the Grave”, ou a melódica “Daddy”, passando perfeitamente o sofrimento da garotinha Lucy), separadas não ficam entre as melhores composições da carreira do Rei Diamante.

A quase teatral “Digging Graves” (com seu ritmo macabro reforçado pelos efeitos de teclado) começa bem interessante, mas sua longa duração (sem muitas variações) acaba tornando-a cansativa, assim como “I Am”, cuja melodia tem como ponto forte os teclados (a cargo de King) e a interpretação vocal do cantor, que passa bem a ideia de ser um sujeito completamente demente, como é o estado mental do narrador.

A levada de bateria no começo de “Waiting” lembra a de “Welcome Home”, do álbum Them, e a pesada “Trick or Treat” tem algo em sua melodia que me lembra Judas Priest. A primeira parte de “Heads on the Wall” é bem lenta, com um refrão bem interessante, mas na segunda metade a música fica bastante veloz, tornando-se algo completamente diferente. A mid-tempo “Meet Me at Midnight” também possui um bom refrão, a faixa título é uma vinheta com efeitos assustadores e King dando um show de interpretação no papel do demente narrador da história, e a quase orquestral “Sleep Tight Little Baby” completa o track list, sem muito brilho.

Este é um dos álbuns mais bem sucedidos comercialmente na carreira de King Diamond, tendo atingido boas posições nas paradas e um número expressivo de vendas. Mas, como eu disse, não me convence! The Graveyard também foi remixado e relançado em 2009 com uma nova arte gráfica.

A formação de Voodoo: King Diamond,John Luke Hébert, Chris Estes, Herb Simonsen e Andy LaRocque


Voodoo [1998]

O casal Lafayette (com a esposa Sarah grávida) e o “vovô” se mudam para uma mansão na Louisiana para recomeçar a vida. Próximo ao local existe um cemitério vodu, e as cerimônias realizadas ali perturbam o casal. Quando este decide destruir o cemitério, seu mordomo, um membro do culto vodu, se une a outros seguidores para impedir que isto ocorra, claro que não de uma forma pacífica, e, mais uma vez, as coisas não saem da forma que todos esperavam.

Com os mesmos músicos que gravaram The Graveyard (à exceção da bateria, agora a cargo de John Luke Hébert), Voodoo é outro álbum onde as músicas funcionam bem no contexto da história, mas não possuem muita força isoladamente. A excelente faixa de abertura “‘LOA’ House” (cuja letra cita o álbum Abigail ao falar da gravidez de Sarah Lafayette, afirmando que desta vez a história será diferente, e este bebê sobreviverá), a agressiva e pesada “A Secret“, que possui um excelente riff, além de um interessante refrão (com destaque para o teclado), a complexa e variada “Sending of Dead” e “The Exorcist” (mais direta e com outro riff matador) poderiam ser apontadas como os destaques, mas não chegam nem perto dos clássicos da carreira de King.

Algumas faixas são guiadas pelo teclado, como “Life After Death”, “Sarah’s Night” e a vinheta “Unclean Spirits”, que narra a tentativa de exorcismo de Sarah. Apesar de alguns momentos de velocidade, “Cross of Baron Samedi” é a mais cadenciada do álbum, e “One Down Two to Go” mistura suaves partes acústicas com outras velozes e elétricas ao longo de seu arranjo. A vinheta “If They Only Knew” conta apenas com efeitos de teclados e a vocalização de King, que inclusive é bastante variada em “Salem”, que me lembra os tempos de Fatal Portrait.

A sonoridade dos tambores de vodu marca forte presença tanto na intro “Louisiana Darkness” (vinheta que tem sua melodia repetida na outro “Aftermath”) quanto na faixa título, que tem a presença de Dimebag Darrell, já falecido guitarrista do Pantera, no solo principal. A edição europeia possui uma faixa escondida após “Aftermath”, a qual é basicamente “Unclean Spirits” tocada de trás para frente. A história é bastante interessante, mas, musicalmente, este disco fica abaixo dos melhores momentos de King Diamond. Este foi outro álbum remixado e relançado em 2009.


House of God [2000] 

Um sujeito perdido em uma floresta francesa é salvo por um estranho lobo, e levado por ele a uma igreja um tanto “diferente”. Ao entrar, o lobo se transforma em uma belíssima mulher, e, após uma noite de amor, ela lhe revela ter sido amaldiçoada e forçada a tomar conta do local, sendo que, se não arrumar alguém para lhe substituir, irá morrer em breve. Por amor, o sujeito toma seu lugar, e passa a guardar a igreja, que esconde um terrível segredo: é o local onde está enterrado o corpo de Jesus Cristo, que teria escapado vivo da crucificação e ido para a França junto com Maria Madalena.

Tal descoberta trará trágicas mudanças na vida do protagonista da história! Parcialmente baseada em uma lenda local (a igreja da história existe realmente, embora não se tenha provas do que é guardado em suas catacumbas), este é, para mim, o melhor disco desde o retorno da banda após o álbum The Eye, sendo a minha faixa favorita a variada “The Trees Have Eyes”, com marcantes passagens de guitarra e um refrão que fica na cabeça após poucas audições.

No geral, as músicas são mais rápidas e diretas do que nos discos mais recentes, como ocorre em “Black Devil” (que possui um riff inicial matador), “Catacomb” (outra com um refrão marcante), “Just a Shadow” ou “The Pact”, embora “This Place Is Terrible” seja mais cadenciada, e “Follow the Wolf” alterne partes pesadas com outras lentas e suaves. A faixa título (outro destaque) é a mais melódica, com bastante destaque aos teclados em seu arranjo, e “Help!!!” conta com um riff marcante, que fica se repetindo, dando um toque de metal industrial à canção.

A suave instrumental “Peace of Mind” fecha o álbum, cujo track list é completado pelas vinhetas “Upon the Cross” (que tem na letra o mote do disco, ou seja, que Jesus não morreu na cruz), “Goodbye” (de melodia bastante tristonha) e “Passage to Hell”, que conta com alguns efeitos assustadores.

Um disco excelente, que marcou as estreias de Glen Drover nas guitarras (ao lado de Andy) e de David Harbour no baixo (John Luke Hébert se manteve na bateria), e iniciou uma espécie de “recuperação” para a carreira de King, pelo menos no meu modo de ver, sendo o primeiro de  uma sequência muito boa de lançamentos. Em 2009 este álbum também foi remixado e relançado.


Abigail II: The Revenge [2002]

A continuação da história contada no álbum Abigail acontece dezoito anos depois dos fatos relatados naquele disco. O bebê Abigail não foi morto pelos Black Horsemen, e cresceu para virar uma bela mulher, que retorna por acaso à mansão de sua família, onde encontra Jonathan La’Fey ainda vivo, embora tendo de usar uma cadeira de rodas e necessitando dos cuidados do mordomo Brandon Henry (personagem inspirado em um empregado de King), e Little One, o fantasma da natimorta Abigail do primeiro disco. 

Jonathan pensa que Abigail é Miriam, e acaba estuprando-a, fazendo com que a jovem prometa se vingar dele, ainda mais depois de descobrir o que aconteceu com a primeira Abigail. Mas, como sempre, as coisas não saem exatamente da maneira como ela planejou… Sem conseguir sequer se igualar à qualidade da primeira parte, Abigail II: The Revenge é mais um álbum onde as músicas funcionam bem no contexto da história, mas não se destacam muito separadamente.

As que mais chamam a atenção são aquelas mais rápidas, como “Mansion in Sorrow“, “The Wheelchair“, “Spirits” e “Miriam” (com um riff no início que me lembra o de “Black Devil”, do disco anterior, e diversas variações ao longo de sua duração). O álbum conta com vários efeitos sonoros em suas faixas para caracterizar os acontecimentos do conto elaborado por King, como o som da tempestade no início de “The Storm”, os vidros quebrados em “Broken Glass” (onde os teclados têm papel importante na melodia) ou o choro de Abigail ao final de “Slippery Stairs” e seus risos na curta “More Than Pain”.

King também usou a voz de uma garotinha chamada Alyssa Biesenberger (filha de um amigo do produtor do álbum), que interpreta Little One na música que leva seu nome (que mescla partes mais marcadas com outras bem velozes), na vinheta “Sorry Dear” e na marcada e quase teatral “Mommy“. A vinheta “Spare This Life” e a variada “The Crypt” completam o track list de um álbum que marcou a estreia do guitarrista Mike Wead (também do Mercyful Fate) e do baterista Matt Thompson, além do retorno de Hal Patino ao baixo (Andy LaRocque seguia firme na outra guitarra, em uma formação que seguiria junta nos próximos lançamentos), e que não chega a ser um equívoco, mas passou longe de se tornar um clássico, como a primeira parte conseguiu.

Livia Zita e King Diamond

The Puppet Master [2003]

Um sujeito vai assistir a um show de marionetes em Budapeste, na Hungria, e acaba conhecendo Victoria, uma mulher fascinante pela qual se apaixona. Mas ela some pouco depois, o que se transforma em um mistério para o rapaz. Um ano depois, ele volta ao mesmo local disposto a descobrir o que aconteceu com sua amada, mas o que irá descobrir é tão terrível que está além de qualquer um de seus pensamentos mais tenebrosos, além de mudar tragicamente sua vida para sempre.

Ao lado de House of God, este é um dos meus álbuns favoritos desta “segunda fase” da carreira de King Diamond. No geral mais melódico que os dois anteriores, conta com um uso maior dos teclados nos arranjos das faixas (e não apenas para “efeitos sonoros”, como ocorre em outros discos do cantor), com se comprova em “Blue Eyes”, na teatral “No More Me” (com sua melodia quase demente) e na excelente “Magic” (um dos destaques, ao lado da faixa título, da rápida “Blood to Walk” e da variada “Christmas“, que conta com trechos da tradicional canção natalina “The Little Drummer Boy”).

King conheceu a cantora Livia Zita durante uma entrevista que ele lhe deu quando ela trabalhava para a revista Metal Hammer da Hungria. Encantado por sua voz (e por sua beleza), o vocalista a convidou para participar do seu próximo disco, fazendo as vozes dos personagens femininos. A bela voz de Livia se destaca na citada “Magic”, em “Emerencia”, na balada “So Sad”  (uma das músicas mais tristes que King já compôs) e na cadenciada “Darkness” (uma das mais pesadas deste disco). Pouco tempo depois, os dois se casariam, estando juntos ainda hoje.

A vinheta “Midnight” e as velozes “The Ritual” e “Living Dead” (que encerra o álbum com uma triste melodia ao violão) completam o track list da versão regular, sendo que existe uma edição especial que vem com um DVD de bônus, mostrando apenas King Diamond em sua casa (completamente caracterizado, e sentado à uma mesa com diversos objetos ritualísticos), onde o cantor explica as faixas de seu novo trabalho à medida que vai contando a história que ouviremos no disco.

É bem interessante, mas pode ser cansativo para aqueles menos “fanáticos”, especialmente se eles não entenderem o idioma britânico, pois, pelo menos na edição nacional, não há nenhum tipo de legendas. A turnê de divulgação rendeu o duplo ao vivo Deadly Lullabyes em 2004, com foco nas duas partes de Abigail, porém sem esquecer outros momentos da carreira solo.


Give Me Your Soul…Please [2007]

As almas de uma garota e de seu irmão estão esperando seu destino final no além. Enquanto a dela está destinada para a luz, a dele irá para as trevas. A menina resolve então conseguir uma alma para substituir a do irmão, para que a do garoto possa ir com ela para a luz. Ela consegue ir até a casa onde King mora, e, após assombrá-lo, o músico usa de magia para entrar em contato com a aparição. A menina (retratada na sangrenta capa do álbum) pede que King lhe entregue sua alma, mas, ao verificar que a dele é ainda mais “suja” que a do irmão, desiste do cantor, e decide ir procurar em outra casa, supostamente, aquela na qual está a pessoa que ouve o disco.

O até agora mais recente lançamento da carreira solo de King Diamond é outro disco que não me agrada muito, quebrando a sequência de bons álbuns que o grupo vinha tendo desde House Of God. King inova mais uma vez, e, baseado na série 24 horas, compôs uma história que se desenvolve “em tempo real” ao longo do play, ou seja, os eventos vão acontecendo ao mesmo tempo em que você vai escutando as músicas, algo que funcionou muito bem em termos conceituais, mas não foi ajudado pelas composições, um tanto genéricas na carreira do vocalista, e que pouco lhe acrescentam após a audição.

Apesar da qualidade da veloz “Never Ending Hill” (que chegou a ser indicada ao Grammy de “Melhor Performance de Metal”, perdendo para “Final Six”, do Slayer), ou das interessantes melodias de “The Girl in the Bloody Dress” (com ênfase nos teclados), “Black of Night” (com King dando um show de interpretação, mais uma vez) e “The Cellar”, as outras músicas se perdem em riffs repetitivos e padrões já explorados em álbuns anteriores do vocalista.

Há canções mais rápidas como “Mirror Mirror” ou “The Floating Head“, e outras mais cadenciadas como “Cold as Ice” e “Is Anybody Here?” (uma das mais pesadas), mas não há aquele “candidato a clássico” que outros discos possuíam.

A participação de Livia Zita é menor do que em The Puppet Master, sendo mais notada apenas na vinheta “Pictures in Red”, nas citadas “Black of Night” e “The Girl in the Bloody Dress” e no começo da faixa título, que ganhou um vídeo de divulgação. A melodia maluca de “Shapes of Black” e a vinheta de abertura “The Dead” completam o track list, que se encerra com a semi-balada “Moving On”, com começo acústico e belos teclados em sua melodia, além do dueto de King e Livia, em uma canção que lembra “So Sad”, do disco anterior, porém não tão bonita, e que em sua parte intermediária ganha bastante velocidade e peso, voltando ao tema calmo inicial mais perto do final. Um álbum interessante, mas não muito mais que isso.

A formação mais recente: Andy LaRocque, Hal Patino, King Diamond,Matt Thompson e Mike Wead
 

Existem duas coletâneas do Rei no mercado: Nightmare in the Nineties, de 2001, apenas com músicas da década de 1990 (ou seja, de The Spider’s Lullabye a House of God) e The Best of King Diamond, de 2003, lançada pela gravadora Roadrunner e apenas com músicas da época de King no selo (ou seja, de Fatal Portrait a The Eye).

Há também o raro box Decade of Horror, em edição limitada a mil cópias e contendo quatro picture-discs de vinil. King também participou do projeto Probot em 2004, álbum capitaneado por Dave Grohl, do Foo Fighters (ex-membro do Nirvana) que reúne diversos vocalistas e instrumentistas em um dos melhores discos lançados naquela década (o Rei canta na música “Sweet Dreams”, ao lado de Grohl e Kim Thayil, do Soundgarden), e também atuou como convidado nos álbuns Necronemesis, do Usurper, e Nymphetamine, do Cradle Of Filth (apenas em sua versão digipack lançada em 2005).

Já Andy fez parte do IllWill (ao lado de Snowy Shaw e Sharlee D’Angelo) e do X-World/5, além de participar como convidado em diversos álbuns de bandas como Evergrey, Falconer e Witchery. Em 2001, foi lançado King Diamond & Black Rose 20 Years Ago (A Night of Rehearsal), que registra uma noite de ensaios do Rei Diamante ao lado de sua ex-banda Black Rose, registrado em fita K7 a 30 de setembro de 1980. O som é bem diferente do desenvolvido pelo Mercyful Fate ou por King em sua carreira solo, e vale a pena ser “descoberto” por seus fãs!

Em 2010, King passou por problemas cardíacos que o levaram a uma cirurgia, além de já estar sofrendo há algum tempo por sérios problemas na coluna. Tudo isso fez com que o cantor se afastasse dos palcos para recuperar plenamente sua saúde, mas, aos poucos, ele vai retomando sua rotina, tendo participado do show em comemoração aos trinta anos do Metallica em 2011, e feito uma aclamada apresentação no Sweden Rock Festival em 2012, além de alguns outros festivais europeus.

Um novo contrato para três discos com a Metal Blade foi assinado recentemente, e novos álbuns e turnês devem vir pela frente em breve. Que o Rei Diamante se recupere plenamente, e volte logo a nos encantar com suas macabras melodias de ninar! All hail the King! Long live the King!

Discografia Comentada: Volbeat


Discografia Comentada: Volbeat

volbeat-4e4e7ac22953f

Quem confere a sonoridade contagiante e envolvente do Volbeat pela primeira vez não faz ideia de suas raízes extremas, do submundo do death metal dinamarquês, quando ainda eram conhecidos por Dominus. A morbidez e o extremismo deram lugar à descontração e inovação, o death metal deu lugar ao hard rock, e a promessa à realidade. Formado no ano de 2001, na cidade de Copenhague, e contando atualmente com o vocalista e guitarrista Michael Poulsen, o guitarrista Rob Caggiano, o baixista Anders Kjᴓlholm e o baterista John Larsen, vêm chamando muita atenção da crítica e do público mundo afora pelas suas apresentações energéticas e sua música inusitada, um refresco frente as fracas novidades do meio hard rock da atualidade. Sua relativa curta carreira conta com cinco discos de estúdios, que serão brevemente comentados abaixo, tudo para que a sua curiosidade pela banda aumente ainda mais.


volbeat-the-strengththe-soundthe-songs-20120122153718The Strength / The Sound / The Songs [2005]

A estreia tardia, gravada em pequeno estúdio e sob a supervisão de Jacob Hansen, produtor com longa experiência dentro do metal extremo, deu-se apenas em 2005, mas já apresentava um apanhado de boas composições e uma banda procurando sua identidade. O que fica evidente nos primeiros minutos de audição são os vocais de Michael Poulsen, um híbrido inusitado de Elvis Presley com James Hetfield, muito melódicos, versáteis e potentes. A sonoridade deste, como dos discos seguintes, transita entre o hard rock e o heavy metal de riffs pesados, mas ao mesmo tempo acessíveis. A característica sonoridade western e influência de rockabilly dos discos seguintes está pouco presente aqui, o que torna o disco menos variado e, por consequência, o mais homogêneo dos cinco já lançados. Porém, o vigor e o poder das músicas, perfeitas para grandes apresentações, se sobressai, caso de “Another Day, Another Way”, “Something Else for…” e seu refrão de clima emotivo, os riffs curtos e grossos de “Say Your Number”, a feliz sem ser brega “I Only Wanna be With You”, os semi thrash metal de “Fire Song (Danny & Lucy Revisited)” e “Alienized”, além de “Soulweeper”, uma das poucas com vestígios da sonoridade mais western dos próximos discos. Mesmo com qualidades, o disco esbarra em músicas que se repetem e, exatamente por isso, a duração do disco se torna demasiadamente longa: “Rebel Monster” é muito semelhante a “Something Else for…”, assim como outras músicas que poderiam ter ficado de fora pelo fator previsibilidade, caso de “Danny & Lucy (11pm)”, música curta, mas que tem um refrão melódico que não convence muito. É um disco divertido, alto astral e que, apesar de esbarrar em alguns momentos, se mostra um ótimo registro de estreia e que já prenunciava a busca pela qualidade nos vindouros lançamentos.


51faH0kJ+8LRock the Rebel/Metal the Devil [2007]

O segundo registro marca a primeira de poucas mudanças de formação na carreira do Volbeat, tendo Tomas Bredahl ocupado o posto de guitarrista solo no lugar de Frank Hellboss. Muito superior à sua estreia, Rock The Rebel/ Metal The Devil é o reflexo da sede da banda pela busca de seu lugar ao sol. Mostrando muita versatilidade nas estruturas musicais e nas composições, o disco apresenta uma bem vinda variedade de influências fundidas ao hard rock cheio de testosterona da estreia. Temos um country rock acelerado em “Sad Man’s Tongue”, “Mr. And Mrs. Ness” e seu tom levemente épico, as urgentes de “Devil or the Blue Cat’s Song” e “Radio Girl” – que fazem jus à alta rotação demoníaca ilustrada na capa –, o trabalho vocal peculiaríssimo de Michael Polsen em “A Moment Forever” e, no geral, músicas fortes e que exploram muito bem o uso dos riffs na criação de músicas melódicas e acessíveis a qualquer ouvinte casual de heavy metal. A curta duração do play, se comparada à estreia – 11 faixas – ajuda a melhor apreciação do trabalho, fazendo com que cada música tenha um impacto mais atenuante sobre o ouvinte, partindo da abertura western de “The Human Instrument” até o encerramento mais cadenciado em “Boa (JDM)”. Conciso em suas ideias e de execução precisa, Rock the Rebel/Metal de Devil cumpre sem sustos a prova de fogo do segundo disco com um ótimo apanhado de boas composições, perfeitas para qualquer tipo de ouvinte, desde o casual até o mais exigente.


volbeat_cover_guitar_20130206115236_194_700Guitar Gangsters & Cadillac Blood [2008]

Observando a ótima receptividade de seus primeiros lançamentos, a banda não se furta em entrar em estúdio e registrar seu terceiro disco, mantendo o ritmo intenso de gravações (pouco mais de um ano separa este disco do anterior). Guitar Gangsters & Cadillac Blood mostra-se, desde o princípio, como o mais bem resolvido e mais bem arranjado, tanto em termos de estruturas musicais quanto em equilíbrio de ideias, dos discos lançados até a data. Os riffs carregados e memoráveis, as melodias e a característica influência sulista marcam forte presença durante o transcorrer da audição, configurando este lançamento como o favorito deste que vos escreve. O disco transcorre de forma aveludada, com ideias inusitadas, caso de “Mary Ann’s Place” e um dueto entre Poulsen e a cantora Pernille Rosendahl, lembrando facilmente os duetos feitos por Johnny Cash e June Carter, a pop punk “Maybellene I Hofteholder” – que se encaixaria sem maiores sustos em um disco do Green Day –, e até um clima surf sacana no início de “Still Counting”. O disco possui também músicas mais tradicionais e diretas ao ponto, aqui representadas com muita categoria por “Light a Way” – onde Michael Poulsen mostra muita categoria interpretativa em uma belíssima balada –. A faixa título e “Wild Rover Of Hell”, por sua vez, vão fundo no thrash metal sem destoar do restante do conteúdo do disco. Terceiro disco, terceiro acerto consecutivo e, claro, mais um disco de audição obrigatória.


volbeat_cover_beyond_20130206115206_312_700Beyond Hell / Above Heaven [2010]

Beyond Hell / Above Heaven pode ser visto como um bom disco, mas com erros pungentes e que acabam puxando o resultado para baixo de forma notável. Antes de comentar sobre esses erros, atemo-nos aos pontos de destaque, e eles não são poucos. Logo de início o disco mostra seu cartão de visitas com uma ótima faixa de abertura, “The Mirror and the Green Reaper”, um hard rock padrão Volbeat com um refrão devidamente emotivo. Logo na sequência, a música mais conhecida e a mais festejada quando executada nos shows. “Heaven Nor Hell” talvez seja a síntese perfeita do que é o som dos dinamarqueses, ou seja: aquele hard rock simples, com influências musicais norte-americanas – com um solo de gaita muito bem encaixado – e um refrão marcante. “Fallen” sobressai-se em sua levada emotiva na medida certa, enquanto “16 Dollars” é um country-metal em essência. Como falei anteriormente, o disco possui alguns deslizes notáveis, e são justamente nas faixas que mais chamam a atenção do ouvinte. Uma delas é “Evelyn”, faixa que conta com a parceria de Mark “Barney” Greenway, do Napalm Death, dividindo os vocais com Poulsen. Excessiva e soando completamente deslocada do disco devido a sua estrutura demasiadamente pesada, é um dos pontos negativos, seguida muito de perto por “7 Shots”, que começa promissora, com trechos de guitarra levemente inspirados em Thin Lizzy, mas que definitivamente não precisava dos vocais de Mille Petrozza, do Kreator. “Who They Are” e “A Better Believer”, desta vez sem participações especiais, soam como reciclagens de ideias utilizadas nos discos passados, não causando tanto impacto. Apesar dos deslizes, o disco mantém o nível de qualidade de seus discos anteriores, muito devido às ótimas composições que disfarçam os deslizem do disco.


volbeat_ogsl_1500x15_20130215140958_139_700Outlaw Gentleman and Shady Ladies [2013]

Lançado em abril de 2013, Outlaw Gentleman and Shady Ladies é a consagração comercial e o reconhecimento definitivo frente a críticos, assim como seu melhor desempenho nas paradas de sucesso – rendeu oito singles, o 1º lugar nas paradas de sucesso de vários países e uma nomeação ao Grammy na categoria Best Metal Performance –. O disco marca a última mudança de formação da banda até o momento. Rob Caggiano, antes no Anthrax, assume a guitarra solo no lugar de Thomas Bredahl. No tocante à musicalidade, não houve nenhuma mudança significativa. As mesmas composições fortes, com um ótimo apelo pop e influências sulistas permanecem, porém, desta vez, mais diretas ao ponto e sem participações especiais que descaracterizassem a pegada típica do grupo. Uma pequena introdução dá as boas-vindas ao disco, que logo mostra suas armas com “Pearl Hart”, ótima faixa conduzida sabiamente em cima de andamentos simples e um refrão de assimilação imediata. “The Nameless One” mantém a pegada mais hard rock, enquanto “Dead But Rising” abusa do peso dos riffs em uma ótima faixa cadenciada. “Cape Of Our Hero” é uma bela composição melódica, enquanto “My Body” e “The Sinner Is Your” assumem um caráter mais pop punk, apenas pincelado nos discos anteriores. ”Room 24” não poderia deixar de ser comentada. Contando com a participação ilustre de King Diamond – e uma de poucas composições contendo sua voz em anos –, todo o falatório feito é justificado pela sua qualidade. Com um riff sabbhático introdutório, ótima levada de guitarras e os inconfundíveis vocais do Rei Diamante, é uma faixa de clima bizarro e que figura facilmente dentre os clássicos de ambos os artistas participantes – não por menos, foi a faixa que conferiu a primeira indicação ao Grammy dos dinamarqueses –. Outlaw Gentleman and Shady Ladies é mais um acerto dentro de uma discografia praticamente irretocável. Audição não apenas recomendada, mas obrigatória.


90125: quando o Yes reinventou o seu som para a década de 1980

 


Meu primeiro contato com o Yes se deu através de uma música presente em 90125. E não, não estou falando do hit “Owner of a Lonely Heart”, mas sim de outra canção. “Leave It” fez parte do álbum oficial da primeira edição do Rock in Rio, lançado em dezembro de 1984, poucos dias antes do início do festival. Ela está no tracklist ao lado de outras músicas que marcaram muito a minha adolescência, como “Private Idaho” do The B-52’s, “Head Over Heels” das Go-Gos, “New York, New York” de Nina Hagen e “Rock of Ages” do Def Leppard, além da canção tema do festival, de autoria de Eduardo Sousa Neto, com os versos inesquecíveis “todos numa direção, uma só voz, uma canção, todos num só coração ...”.

Lançado em novembro de 1983, 90125 é o décimo primeiro disco do Yes e marcou um recomeço para a banda. Um dos grandes nomes do rock progressivo, o quinteto inglês brilhou intensamente durante os anos 1970 em álbuns magníficos como Fragile (1971) e Close to the Edge (1972), mas também foi vítima dos excessos do gênero e apresentou um certo esgotamento criativo em discos medianos como Tormato (1978) e Drama (1980). O década de 1980 era um desafio para a banda, com o rock deixando de lado as composições intrincadas e os arranjos grandiosos do prog e explorando sons mais diretos, influência do punk e da new wave.

A banda se separou após Drama, e a ideia do baixista Chris Squire e do baterista Alan White era seguir por uma direção mais pop e acessível. A dupla então começou a trabalhar com o guitarrista e produtor Trevor Rabin e se reconectou com o tecladista original do grupo, Tony Kaye, que havia saído do Yes em 1971. O vocalista Jon Anderson, fora do grupo desde o racha ocorrido no início de 1981, aceitou o convite para retornar. Essa nova banda se chamaria Cinema, porém a gravadora ficou animada com o que ouviu e convenceu os músicos a retornarem como Yes, pois o trabalho teria muito mais impacto dessa forma.

Uma curiosidade a respeito de 90125 é que o curioso título faz referência ao número de catálogo do álbum nos arquivos da gravadora Atlantic, e as edições da época saíram com o cat number igual ao título. A minha edição em CD, que é um relançamento brasileiro de 2009, traz o número de catálogo M790125-2.


O disco cumpriu com sucesso o seu objetivo, atualizando a música do Yes para a nova década e fazendo a banda soar renovada sem perder o seu apelo. As faixas apresentam o raro equilíbrio entre acessibilidade e técnica, soando amigáveis para um público não habituado ao passado progressivo do quinteto, e fazem isso sem assustar os devotos já convertidos. A audição de forma retrospectiva, com o distanciamento de quase quarenta anos em relação ao lançamento, revela ainda outros predicados, como o envelhecimento saudável da sonoridade e dos timbres, o que, no geral, é uma exceção quando revisitamos álbuns lançados por bandas clássicas durante a década de 1980.

90125 abre com um dos maiores – senão o maior – sucesso comercial do Yes, “Owner of a Lonely Heart”. Dona de um riff contagiante, a canção entrega um groove irresistível e performances primorosas de todos os músicos. Lançada como primeiro single, segue sendo o seu grande cartão de visitas do disco. “Hold On” vem a seguir e é uma composição grandiosa, com linhas vocais sensacionais e um performance fortíssima de Jon Anderson, além de grande presença da guitarra de Trevor Rabin. “It Can Happen” inicia com um som semelhante a uma cítara, e se desenvolve com harmonias vocais excelentes. “Changes” talvez seja o melhor exemplo de equilíbrio entre o “velho” e o “novo” Yes, uma composição com andamento intrincado e instrumental complexo, feita sob medida para tocar o coração dos fãs e para mostrar que, apesar de sua nova abordagem musical, o Yes não havia deixado totalmente de lado o seu background prog.

“Cinema” é uma rápida instrumental com pouco mais de dois minutos que acaba funcionando como introdução para “Leave It”, canção espetacular com arranjos vocais inspiradíssimos, uma verdadeira aula de harmonia e composição. “Our Song” é outro dos grandes momentos do álbum, com uma dose maior de peso e um refrão cativante, além da habitual classe instrumental. “City of Love” entrega um andamento mais marcado, com Anderson conduzindo as melodias com seu vocal, concluindo tudo em um refrão amplificado pelo teclado de Tony Kaye, que imprime um tempero épico à faixa, além da performance inspirada de Rabin na guitarra. O álbum fecha com “Hearts”, sua canção mais longa, com mais de sete minutos. A melodia principal desta faixa remete à música japonesa, e mais uma vez temos arranjos vocais incríveis.

90125 chegou ao quinto lugar do Billboard 200 e vendeu mais de 3 milhões de cópias somente nos Estados Unidos, o que fez do álbum o maior sucesso comercial do grupo não só no mercado norte-americano, mas também em todo o mundo. Um exemplo de que, quando uma banda é formada por músicos de grande talento e com um mesmo objetivo, eles podem explorar qualquer sonoridade sem perder a qualidade sempre presente em seu trabalho.





Madonna e o pós-11 de setembro no conceitual American Life

 


Em 11 de setembro de 2001, as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, foram atingidas por dois aviões de passageiros e desabaram logo em seguida, matando milhares de pessoas em um atentado transmitido ao vivo para todo o mundo. A reação do governo norte-americano foi proporcional à perda chocante de quase três mil pessoas no ataque, com iniciativas que foram, compreensivelmente, apoiadas pela maioria da população do país, mergulhada em um clima de desolação e paranoia e tentando encontrar maneiras de se recuperar do profundo impacto que o atentado teve na sociedade do país. Entre essas ações estava a escalada do confronto com Saddam Hussein, então presidente do Iraque. George W. Bush, presidente dos Estados Unidos na época, ordenou um ataque ao país do Oriente Médio em 20 de março de 2003, dando início à Guerra do Iraque treze anos após o seu pai, o ex-presidente americano George Bush, começar a Guerra do Golfo no início de agosto de 1990.

O que isso tem a ver com Madonna? Não só a cantora, mas uma parcela considerável dos norte-americanos, começou a questionar o american way of life, o sonho americano e a cultura do país, onde as armas e a indústria da guerra sempre possuíram um papel de destaque. Esses questionamentos foram transformados em música e geraram American Life, seu nono álbum, trabalho que é fruto direto da atmosfera pós-11 de setembro na sociedade americana e na vida da própria artista. Ninguém passou incólume aos ataques, e Madonna não foi uma exceção.

Liricamente, as letras de American Life trazem críticas ao materialismo, à obsessão pelo sucesso, ao individualismo, ao armamentismo e ao modo de vida norte-americano, o que, vindo de quem cantou “Material Girl” duas décadas antes, não deixa de ser irônico. O disco é apontado como um trabalho conceitual devido ao conteúdo de suas letras e a todo o conceito visual que o acompanhou, com Madonna posando na capa como uma guerrilheira pronta para o confronto, em uma imagem inspirada na clássica fotografia intitulada Guerrillero Heroico, a mais conhecida de Che Guevara, revolucionário e guerrilheiro argentino que foi um dos líderes da Revolução Cubana ao lado de Fidel Castro.

Musicalmente, o que se ouve nas onze faixas de American Life é um aprofundamento no experimentalismo eletrônico apresentado no trabalho anterior, Music (2000), disco que deu início à parceria de Madonna com o DJ e produtor francês Mirwais Ahmadzaï, o grande responsável pela sonoridade única desses dois discos. Se em Music a colaboração criativa entre ambos gerou um hit planetário com “Music”, em American Life o que ouvimos é algo ainda mais único e singular, poucas vezes apresentado por uma artista pop da magnitude de Madonna. É tudo muito inovador e diferente, com arranjos, andamentos e sons que grande parte dos fãs da artista não estavam acostumados a ouvir.

Basta juntar todos os elementos dessa equação – letras críticas, imagem provocadora, sonoridade diferente – e aplicar esses ingredientes ao clima dos EUA na época para perceber, sem muito esforço, que o álbum tinha tudo para não ser muito bem recebido. E realmente não foi. American Life foi lançado em 21 de abril de 2003, um mês após o início da Guerra do Iraque, e, ainda que não tenha alterado nada de seu conteúdo lírico e estético, Madonna achou por bem não lançar a ideia original do clipe da música-título, optando por uma versão bem mais suave da ideia original.


Dirigido pelo sueco Jonas Åkerlund, o mesmo do vídeo de “Music”, o clipe de “American Life” só foi divulgado recentemente e traz Madonna criticando a cultura da imagem e a indústria da guerra em um roteiro que apresenta modelos desfilando com roupas inspiradas em trajes militares e, à medida que o desfile vai se desenvolvendo, começam a ganhar a companhia de imagens reais de guerra, além de atores infantis com traços e roupas árabes, que são devidamente intimidados pelos “soldados” que estão na passarela, para delírio do público. O êxtase da audiência do desfile, repleta de sósias de nomes famosos, chega ao auge quanto a própria Madonna invade a passarela em um carro militar, ataca os paparazzi com um canhão de água e é seguida por uma chuva de membros decapitados dos soldados que estão na guerra, o que leva o público à loucura. Uma crítica claríssima e muito bem feita, mas que acabou sendo deixada de lado na época em uma decisão que, vista em retrospectiva, se revelou acertada. Basta ver o que aconteceu com a carreira do trio country Dixie Chicks, cujas integrantes deram declarações fortes criticando Bush e tiveram a sua carreira profundamente afetada ao serem incluídas em uma lista negra de desafetos do governo, o que fez com que suas músicas fossem boicotadas nas rádios, recebessem críticas de outros músicos e personalidades e, inclusive, ameaças de morte. O impacto foi tão profundo que o trio teve que mudar de nome e hoje se apresenta com The Chicks. Madonna não queria correr o mesmo risco.

Com a produção dividida entre a cantora e Mirwais, American Life é um álbum que ganhou ainda mais força com o tempo. O que soava estranho em 2003 hoje é o seu maior trunfo, com canções que parecem ter acabado de sair do estúdio. Os timbres não envelheceram, os arranjos mantém o seu frescor e unem-se de forma precisa com o domínio da melodia, característica onipresente na obra de Madonna. E, ainda que o rap no final da faixa que batiza o disco tenha sido duramente criticado na época do lançamento, ele seguiu a mesma abordagem ostentação que era comum no período. Mirwais é um artista no estúdio, construindo batidas cativantes e adornando-as com “barulhinhos” fora do habitual, que ao serem unidos com instrumentos acústicos – o que é uma constante no álbum – constroem uma alquimia sonora incrível e que pode ser ouvida em faixas como “Hollywood” e “Love Profusion”.

Os destaques de American Life são muitos, começando com a música que dá nome ao disco. Uma das grandes canções da carreira da Madonna, “American Life” já mostra a abordagem folktrônica que alguns jornalistas notaram no disco, com a presença de violões ao lado de batidas eletrônicas. Essa mesma característica é percebida em “Hollywood”, cuja sequência de notas acústicas da introdução foi ligada automaticamente ao Red Hot Chili Peppers, mas que se destaca, na verdade, pelas inspiradas melodias vocais de Madonna, que são extremo bom gosto, com uma interpretação que parece propositalmente contida – a exceção se dá na parte final, onde a Rainha do Pop arrisca outro rap. A letra de “Hollywood” critica a ganância que permeia Hollywood, lar do cinema bilionário e onde a imagem e atitude importam mais do que qualquer coisa.


A guitarra de Monte Pittman, ex-Prong e integrante da banda de Madonna desde 2000, introduz e conduz “I’m So Stupid”, que ficou marcada pelo uso de efeitos eletrônicos que deixaram a vocal extremamente metalizado em um pequeno trecho na parte inicial da música. Mas, tirando esse detalhe, a faixa se desenvolve de forma ascendente com boas melodias, até explodir no refrão, onde Madonna solta a voz. A balada “Love Profusion” é uma das músicas mais fortes de American Life, e não por acaso foi lançada como single e ganhou um belo clipe. A letra cita a frase “I’ve got you under my skin”, citando a composição de Cole Porter de 1936, imortalizada na voz de Frank Sinatra. “Nobody Knows Me” vem a seguir e é uma das mais fortes do álbum, com uma letra confessional e uma batida absolutamente contagiante, com a canção crescendo de forma soberba no refrão. Os vocais também possuem efeitos eletrônicos, porém bem menos intensos do que o trecho de “I’m So Stupid”.

A balada “Nothing Fails” é um dos momentos mais contemplativos do disco, com direito a um coral gospel que encorpa sua parte final. “Intervention” mantém a atmosfera reflexiva e “X-Static Process” vai na mesma linha, essa última sendo uma das mais belas canções da discografia de Madonna, com lindos vocais e harmonias sobre um dedilhado acústico. De arrepiar! Ela e “Nothing Fails” são parcerias com Stuart Price, músico e produtor inglês que foi o diretor da Drowned World Tour, de 2001, e que teria papel central no sucessor de American Life, o ótimo Confessions on a Dance Floor (2005).

A autobiográfica “Mother and Father” fala da relação da cantora com seus pais. A mãe morreu em 1963, de câncer, quando Madonna tinha apenas 5 anos de idade, e o pai foi fundamental na sua formação musical, matriculando-a ainda criança em aulas de piano clássico e balé. Apesar do conteúdo lírico, “Mother and Father” fica em segundo plano em relação às demais faixas do tracklist.


Lançada antes do álbum como canção tema do filme 007 – Um Novo Dia para Morrer (2002), onde ela faz uma rápida participação, “Die Another Day” é um dos exemplos mais instrutivos da abordagem musical de Mirwais, com o uso de violinos conduzindo a canção de forma minimalista, onde a linha vocal grudenta de Madonna ganha amplitude com as batidas eletrônicas. Música sensacional, uma aula prática de como usar os recursos de estúdio e que também chamou atenção devido ao clipe, que traz a artista em coreografias de luta e cenas de tortura que chocaram os mais sensíveis.

“Easy Ride”, parceria com o guitarrista Monte Pittman, fecha o álbum de maneira bem emocional e é mais uma das pérolas escondidas em seus álbuns e que acabam sendo esquecidas pelos ouvintes ocasionais. Linda canção, com uma interpretação vocal sensacional de Madonna explorando os timbres mais graves e profundos de sua voz.

American Life não teve o impacto que deveria devido a todo o contexto que cercou o álbum na época do seu lançamento. Mesmo assim, vendeu mais de 6 milhões de cópias em todo o mundo e chegou ao primeiro lugar da Billboard, além de liderar a parada em diversos países. Musicalmente é um trabalho que revela-se ainda refrescante e cativante, enquanto o discurso de suas letras mostrou-se profético, como ficou claro com a eleição de Donald Trump em 2016.

Um álbum corajoso, inovador e revolucionário de uma das maiores artistas da história da música pop, que nunca teve medo de criticar o que achava que deveria ser criticado e fez isso mais uma vez em American Life.



David Coverdale e o brilho negligenciado de Into the Light


Após Slip of the Tongue (1989), David Coverdale anunciou uma pausa nas atividades do Whitesnake. O vocalista estava cansado e queria um tempo para colocar a cabeça no lugar antes de decidir quais seriam seus próximos passos. O período coincidiu com o divórcio de Tawny Kitaen, a musa que aparece nos clipes de “Is This Love”, “Here I Go Again” e “Still of the Night”, com quem David casou em 1989. Cada um dos músicos partiu por caminhos diferentes, incluindo o próprio Coverdale, que retornou apenas em 1993 com um álbum em parceria com Jimmy Page.

Mas David realmente queria dar um tempo durante os anos 1990. Seu próximo trabalho sairia apenas em 1997 com o título de Restless Heart, e a ideia original era de que fosse um álbum solo, porém a gravadora conseguiu colocar um Whitesnake em letras garrafais na capa. As novas edições, inclusive, já nem trazem o nome da David Coverdale na capa, com o disco se transformando, definitivamente, em um álbum do Whitesnake. Essa fase rendeu também o acústico Starkers in Tokyo, onde o vocalista apresenta versões acústicas de clássicos da banda ao lado do guitarrista Adrian Vandenberg, que tocou no aclamado Whitesnake (1987) e também em Slip of the Tongue e Restless Heart.

O último capítulo da tentativa de Coverdale em se descolar do Whitesnake foi Into the Light, lançado no final de setembro de 2000. Na prática, trata-se do seu terceiro álbum solo, fazendo companhia a White Snake (1977) e Northwinds (1978). Into the Light é um disco predominantemente baladeiro, com canções que, mesmo explorando esta abordagem, não escorregam para algo meloso demais, explorando influências como blues e soul que as deixam mais equilibradas e com um tom mais reflexivo e menos romântico. Coverdale se cercou de um timaço de músicos, incluindo nomes como o guitarrista Earl Slick (David Bowie, John Lennon), o baixista Marco Mendoza (Thin Lizzy, Journey e mais tarde integrante do próprio Whitesnake), Tony Franklin (David Gilmour, The Firm, Kate Bush) e o baterista Denny Carmassi (Montrose, Stevie Nicks, Sammy Hagar). O resultado foi um álbum com uma sonoridade bem característica, e que difere do que ouvimos nos discos do Whitesnake, sejam os trabalhos da fase chapéu-e-bigode ou os discos da era glam metal.

Into the Light traz doze canções, a grande maioria composta por David Coverdale ou em parceria com Slick, com direito a uma dobradinha com Vandenberg na faixa-título. Há momentos muito bons como “River Song”, a zeppeliana “She Give Me”, a linda “Love is Blind” e a poderosa “Don’t Lie to Me” ao lado de canções realmente ótimas como “Slave”, “Cry for Love” e belíssima música que batiza o disco.

Apesar de não ter sido um sucesso na época, Into the Light envelheceu maravilhosamente bem e é um álbum que teve suas qualidades acentuadas com o tempo, com uma performance vocal excelente de Coverdale, instrumental impecável e canções muito fortes, que mesmo esquecidas pelo artista e pelo próprio Whitesnake possuem força para cativar novos fãs e impressionar aqueles que, por ventura, ainda não colocaram os ouvidos nesse disco. 



Destaque

Led Zeppelin - 1971-09-28 - Osaka, Japan

  Led Zeppelin 1971-09-28 Festival Hall Osaka, Japan Sourced from silver CDs "Live in Osaka 928 Soundboard Master"  MUSICA&SOM...