quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

A discografia dos Heróis do Mar

 


Cinco soldados. Tocaram tambores. E todos dançaram, na terra. Esta adaptação livre das palavras escutadas no refrão de uma das canções do álbum “Mãe (1983), dos Heróis do Mar, podia ser um retrato rápido de memórias de um dos casos superlativos da história pop/rock cantada em língua portuguesa. Não o retrato único, que outros destinos e valores passaram também pela sua música, mas entre estas palavras cruzava-se a aura disco-militar que passou pela alma da banda (pelo menos na primeira etapa da sua carreira), uma noção de festa e apelo à dança (que invariavelmente cruzou grande parte dos seus singles) e uma ligação ao seu espaço e tradições, desse convívio entre uma consciência de raiz e heranças e uma visão pop que almejava a modernidade nascendo uma música que marcou o seu tempo (e deixou descendência).

A 25 de Novembro de 1981, subiam ao palco do Rock Rendez Vous para dar a conhecer não apenas a música do seu primeiro álbum (que então era editado), mas também uma proposta pop capaz de agitar e marcar o seu tempo como a emergente cena pop lusitana ainda não tinha visto. Recorde-se que estávamos a pouco mais de sete anos de distância da revolução e, depois de vivida uma etapa de protagonismo maior e natural da canção política e, depois, um renascimento do peso da canção ligeira (ainda em finais dos anos 70), só perante os alvores dos oitentas o panorama musical português acolheu, com peso e representação social, o nascimento de uma verdadeira cultura jovem (com natural protagonismo de novas expressões musicais). Se o punk fora caso quase silencioso num mapa de acontecimentos discográficos ainda longe de preparado para lhe dar devida repercussão (o que fez dos Faíscas um caso importante no contexto, mas alheado da atenção popular), e se os dias do pós-punk prepararam terreno (daí, novamente, o papel crucial da visão de uns Corpo Diplomático), aos Herós do Mar coube o “fado” de serem a banda certa na hora certa.

O seu álbum de estreia juntava uma atenção para com as formas contemporâneas a referências do espaço, cultura, vivências e língua do país. Escutando desde logo uma certa melancolia fadista (que aprofundariam mais tarde no magnífico Fado”, de 1986) ou uma relação com heranças de África (a que regressariam, em 1988, numa parceria com Waldemar Bastos em “Africana”).

Com princípio, meio e fim durante a década de 80, a obra dos Heróis do Mar inclui o visionário “Heróis do Mar” (1981) ao som mais electrónico e arrumado, mas seu herdeiro directo em “Mãe” (1983), passa depois pelo mais experimental e novamente desafiante “Macau” (1986) e desemboca no mais sofisticado, mas menos mediatizado “Heróis do Mar”(1988), disco por vezes referido como “Heróis do Mar IV”. Muitos dos episódios desta história fizeram-se a 45 rotações, num percurso que inclui ainda o mini-LP de alma mais eléctrica “O Rapto” (1984).

Estas são notas a acompanhar por aqui ao longo das próximas semanas, à medida que for nascendo uma visão comentada da discografia dos Heróis do Mar.

ÁLBUNS

1981. “Heróis do Mar”

Lado A: Brava Dança dos Heróis / Amantes Furiosos / Magia Papoila / Salmo

Lado B: Bailai / Olhar No Oriente / Mar Alto / Saudade

Editado em Novembro de 1981, o álbum de estreia do grupo, ao qual chamaram simplesmente “Heróis do Mar”, revelou a primeira das mais desafiantes propostas entre uma nova geração que, por esses dias, “inventava” uma nova ideia pop/rock made in Portugal. Assimilando ecos do pós-punk britânico (acolhendo aí as heranças naturais do Corpo Diplomático), procurando um relacionamento entre a forma da canção pop e um fôlego rítmico que assimilava ecos do disco e, ocasionalmente, tons de marcha, escutando paisagens de uma portugalidade então à espera de ser reinventada em clima pop e integrando ainda referências à música africana, os Heróis do Mar desenharam no seu álbum de estreia uma das mais importantes e influentes experiências de uma geração que então procurava uma voz.

A iconografia que tomaram como expressão visual de identidade, a opção por uma imagem de perfil militarista e um olhar por valores e referenciais culturais (expressos na capa de António de Campos Rosado) que foram por alguns tomados então como expressão de uma agenda política fizeram da banda um “caso” então muito discutido para lá das esferas da música.

1983. “Mãe”

Lado A: Volta P’ra Mim / Cachopa / Nunca Mais / Adeus

Lado B: Portugal / Cinco Soldados / Se Fores ao Norte 

Quando, em inícios de 1983 surge nos escaparates o segundo álbum dos Heróis do Mar o grupo vivia já num patamar de visibilidade e aclamação que os momentos de polémica gerados por alturas do lançamento do disco de estreia não poderiam imaginar. Atuações (com boa imprensa) em Paris (que ajudaram a abrir portas a uma edição do disco em França), a primeira parte dos King Crimson e Roxy Music, o prémio da Casa da Imprensa, o trabalho no EP de estreia de Né Ladeiras e o sucesso colossal do “Amor” (que abriu a galeria dos discos de platina entre nós), faziam do grupo um claro protagonista da cena pop/rock portuguesa daquele tempo.

Evolução numa continuidade de continuidade face às propostas lançadas no disco de estreia, o álbum “Mãe” elevava a música dos Heróis do Mar a um patamar mais elaborado e polido nas formas, traduzindo uma presença mais evidente dos sintetizadores e, sobretudo, um cuidado na gravação e arranjos que conferia a cada momento um poder cénico que fazia do alinhamento um conjunto de quadros que, mesmo diferentes entre si, revelavam um sentido de coesão e narrativa. Nostalgia e portugalizada são alicerces de um conjunto de sete canções que ora aprofundam os flirts com a pista de dança em “Cachopa” ora exploram melancolia (algo fadista, embora noutras linguagens) em “Adeus” ou “Nunca Mais”, deixando para o trio de faixas no lado B uma coleção de hinos que traduzem uma vez mais o perfil de uma banda decidida a encontrar expressões de uma visão de identidade nacional através de uma linguagem urbana pop contemporânea. 

1986. “Macau”

1988. “Heróis do Mar”

Mini LP

1984. “O Rapto”

Lado A: Supersticioso / Tarde Demais

Lado B: Pássaro Vermelho / Só Gosto de Ti

A edição de “Mãe” deu aos Heróis do Mar mais um momento de reconhecimento crítico mas deixou os números aquém das fasquias de popularidade já levantadas pelos singles “Amor” e, logo depois, “Paixão”. Por esses dias começam a desenhar-se vários projetos em paralelo, da criação de um álbum a solo (do qual só um single seria editado) de Carlos Maria Trindade ao lançamento do single “Rapazes de Lisboa” de Paulo Pedro Gonçalves, aventuras em nome próprio às quais se juntou então um trabalho de estúdio ao lado de António Variações naquele que seria o seu segundo e derradeiro álbum, “Dar e Receber”, editado em 1984 e, ainda, trabalhos de produção, assinados por Pedro Ayres Magalhães, para Anamar, Né Ladeiras, Luís Madureira, Doce e Delfins, quase todos eles lançados através da independente Fundação Atlântica. Na hora de voltar a reunir, os Heróis do Mar apresentaram-se com um mini-LP (expressão que pode ser discutível já que corresponde igualmente ao formato de um EP com 12 polegadas, embora se apresente a 33 1/3 rotações) no qual, mais do que nunca, e talvez por assimilação de todas estas experiências, uma ideia de diversidade circulava entre as novas canções.

Editado com o título “O Rapto”, o disco que, juntamente com o single “Alegria” (1985), antecede a criação de um momento de maior fôlego que só chegaria com “Macau” (1986), apresenta-se ainda em clima pop, mas desta vez vai para além das referências pós-punk do álbum de estreia e não vive sob um tão evidente predomínio das electrónicas como o fizera o segundo LP. Guitarras e sintetizadores, numa firme aliança com a secção rítmica, abrem o alinhamento com tempero mais elétrico em “Supersticioso”. “Tarde Demais” e “Pássaro Vermelho” herdam depois, com produção mais sofisticada, linhas captadas na evolução natural da obra do grupo (deixando para o segundo destes dois temas o episódio com travo a hino do disco). O alinhamento fecha com “Só Gosto de Ti”, que se juntaria aos singles já antes aclamados como mais um momento de êxito. Como complemento o mini LP incluiu, na sua prensagem original (e com tiragem limitada a dois mil exemplares), um single com as versões, respetivamente em inglês e espanhol, dos seus singles de maior sucesso: “Amor (Hap Happy Day)” e “Passion”. 

1986. “Macau”

Lado A: Macau / Fado / Só No Mar / Os Canhões da Belavista

Lado B: Revolução / Sahida / A Noiva / A Torre, A Morte e o Amor

Uma viajem a Macau, projetada para uma semana mas que acabou por durar um mês, abriu caminho para o início de um novo ciclo na vida e obra dos Heróis do Mar. Apesar de terem já editado dois álbuns marcantes, fora através dos singles e máxis, assim como com alguns dos temas do mini LP de 1984 “O Rapto”, que o seu estatuto pop(ular) crescera, construindo uma perceção de uma relação com a música que não traduzia a totalidade do espectro de ideias que o grupo já havia levado a disco. Com um método de trabalho diferente, mais focado nos encontros em estúdio (sob produção dos próprios, com Amândio Bastos e Paulo Neves) e numa partilha criativa mais evidente do que no anterior “Mãe”, o primeiro álbum que então apresentaram por uma nova editora captava ecos diretos dessa viagem a Macau, que o instrumental de abertura desde logo colocava em cena.

Mesmo com um “Fado” (que piscava já o olho a visões a ganhar forma, em breve, nos Madredeus) e um “Só No Mar” a criar momentos de comunicação pop que chegaram a single, “Macau” é um álbum mais cheio de contrastes e surpresa do que os anteriores. Revela mais horizontes nas referências e lança desafios, sobretudo concentrados na face B do vinil. Mas de nada perde a identidade de uma banda ainda firme numa vontade em captar um certo ADN cultural que olhava sobre raízes e tempos, sem contudo procurar um terreno de nostalgia. Antes, a demanda por novos modos de, no presente, e sob uma linguagem universal (a música elétrica) procurar traduzir essas mesmas marcas de identidade coletiva. Uma ideia de fim de império passa por aqui. E da própria história de Macau e da sua geografia distante, mas com linhas ainda evidentes de ligação a Portugal, nasciam ecos e significados que traduziam ao mesmo tempo uma etapa diferente na história da própria banda que as canções então fixaram.

1988. “Heróis do Mar”

COMPILAÇÕES

1985. “A Lenda dos Heróis do Mar 1981/1984”

1992. “Heróis do Mar – Vol 1”

1992. “Heróis do Mar – Vol 2”

2001. “Paixão – O Melhor dos Heróis do Mar”

2007. “Amor”

2011. “1981-1989”

SINGLES

1981. “Saudade / Brava Dança dos Heróis”

1982. “Amor”

1983. “Paixão”

1985. “Alegria”

1986. “Fado”

1986. “Só No Mar”

1987. “O Inventor”

1988. “Eu Quero”

1989. “Africana”



A discografia de José Mário Branco

 

Compositor popular… Artista de variedades… Aprendiz de feiticeiro… José Mário Branco, do Porto. É assim que se apresentou em tempos um dos nomes maiores da música popular portuguesa. Uma história feita de canções, de lutas, de valores, que traduzem já mais de meio século da história social, cultural e política do nosso país.

Retomou o percurso assinado em nome próprio em finais dos anos 70, juntando sempre a cada disco novas demandas (da música às próprias estratégias de edição discográfica). Abraçou novos projetos coletivos. Alargou o espaço de trabalho noutras frentes (entre as quais a da produção). É uma reconhecida referência na história da canção política em Portugal. Mas mesmo sempre cunhada por uma personalidade atenta e crítica, a sua obra não se esgota nesse universo. E é uma das mais importantes da história da música portuguesa.

Foi durante o exílio em Paris que descobriu uma voz própria na canção, explorando primeiro palavras de outros (nomeadamente do cancioneiro medieval português) depois encontrado também um espaço para da sua escrita fazer nascer música. Começou por editar discos que chegavam a Portugal “por debaixo do balcão” das lojas. Regressou com o 25 de abril. E durante algum tempo afastou para uma vivência coletiva – através do GAC, do teatro, do cinema – o seu trabalho como músico.

Para conhecer melhor a sua carreira pode ver aqui “José Mário Branco – Inquietação” (imagem que abre o post), o segundo episódio da série “Vejam Bem” da RTP.

Álbuns

1971. “Mudam-se Os Tempos Mudam-se As Vontades” (Guilda da Música)

Lado A: Abertura (Gare d’Austerlitz) / Cantiga Para Pedir Dois Tostões / Cantiga do Fogo e da Guerra / O Charlatão / Queixa das Jovens Almas Censuradas

Lado B: Nevoeiro / Mariazinha / Casa Comigo Marta / Perfilados de Medo / Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades

Há discos que definem momentos de mudança na história da canção popular portuguesa. Havia já um corpo de trabalho marcante registado nos anos 60 por nomes como José Afonso, Luís Cília ou Adriano Correia de Oliveira, entre alguns mais, que haviam aberto as portas das palavras cantadas a uma modernidade nas demandas musicais. Caberia, porém, ao álbum de estreia de José Mário Branco (e aos discos gravados por esses dias por José Afonso e Sérgio Godinho) o passo seguinte, elevando as formas a um outro patamar de complexidade e capacidade de diálogo entre linguagens, influências, estímulos e heranças (abarcando inclusivamente ecos da contemporaneidade em terreno rock). Gravado com meios que não dispusera nos dois primeiros discos (um EP e um single), mas levado a estúdio já como ideia maturada e bem desenhada, esta música ganhou forma no mítico Chateau d’Herouville (perto de Paris) onde figuras como Elton John ou os Rolling Stones também passaram. Juntando músicos franceses, contando em estúdio com a presença de Sérgio Godinho (que assina as letras de quatro canções) e incluindo ainda no alinhamento canções criadas a partir de poemas de Natália Correia, Alexandre O’Neill e Camões, Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades eleva a canção em língua portuguesa a um espaço de primor estético mais desafiante do que até aí se conhecera. Do trabalho de sonoplastia na Abertura (com gravações feitas de noite, na estação a que chegava o Sud Express por onde muitos portugueses então partiam para Paris, onde José Mário Branco então vivia) à dimensão experimental que cruza Perfilados de Medo, este é um dos discos maiores da história da música portuguesa.

1973. “Margem, de Certa Maneira” (Guilda da Música)

Lado A: Por Terras de França / Engrenagem / Aqui Dentro de Casa / Margem de Certa Maneira

Lado B: Cantiga da Velha Mãe e dos Seus Dois Filhos (Mãe Coragem) / Sant’Antoninho / A Morte Nunca Existiu / Eh! Companheiro

Depois de uma ideia para um álbum conceptual que fica por concretizar, José Mário Branco regressa em novembro de 1972 aos estúdios no Château d’Herouville onde, entretanto, e além do seu álbum de estreia, trabalhara também em Os Sobreviventes de Sérgio Godinho e Cantigas do Maio de José Afonso, discos que então vincam sinais de mudança na música popular portuguesa. Uma vez mais sobretudo acompanhado por músicos franceses, José Mário Branco conta ali também com as colaborações de Adriano Correia de Oliveira ou de Manuel Jorge Veloso, que assina o papel de produtor delegado. O disco segue os caminhos lançados pelo álbum anterior mais aprofunda e alarga as demandas musicais, havendo sinais importantes de vontade em explorar ecos de tradições portuguesas em Engrenagem ou experimentando heranças da música erudita nos arranjos para piano na canção-título, sendo não menos exploratória a abordagem à linha vocal de A Morte Nunca Existiu. Sérgio Godinho volta a marcar presença neste disco como letrista. São suas as letras de Cantiga da Velha Mãe e dos Seus Dois Filhos (Mãe Coragem) e Eh! Companheiro, talvez as duas canções mais vezes recordadas do alinhamento deste álbum. Esta última canção, que encerra o alinhamento do disco, e Engrenagem lançam pistas para trilhos que pouco depois exploraria com o GAC.

1978. “A Mãe” (Comuna Cooparte)

Lado A: Prólogo / As Canseiras desta Vida / Águas Paradas Não Movem Moinhos / Remédios e Côdeas / 1º de Maio / Qual é a Coisa Qual é Ela (Elogio do Comunismo) / ABC (Elogio da Aprendizagem)

Lado B: Os Meninos de Amanhã (Elogio do Revolucionário) / Nada os Salvará / Camarada Maria Rodrigues / O Terceiro Amigo / Cantiga de Alevantar / Aquele que Está Vivo Não Diga Nunca “Nunca”

A revolução em abril de 74 e as consequentes mudanças políticas e sociais em Portugal levaram José Mário Branco (regressado de Paris ainda em abril de 74) a encarar a sua música com um sentido ainda mais intenso na relação com o espaço (as gentes e os factos) ao seu redor. A criação do GAC – Grupo de Ação Cultural, concentra então as sias atenções como compositor e intérprete, dividindo atenções entre a escrita de novas canções, a gravação de discos (muitos deles surgidos quase como manifestações de reação a acontecimentos) e uma incansável agenda de atuações em cantos livres e outros espaços que levassem a música a populações de todo o país. De 1974 a 1978 é através do GAC que apresenta a esmagadora maioria das suas novas criações musicais, em muitas delas traduzindo uma vontade em aprofundar explorações sobre heranças das músicas tradicionais portuguesas. Em 1977 foi convidado para compor música para uma adaptação, pela Comuna, da peça A Mãe, de Brecht. Não só aceitou o desafio como acabou mesmo por se integrar no grupo de teatro, onde ficou por algum tempo. O álbum A Mãe, lançado pela própria companhia de teatro, inclui não apenas a música que José Mário Branco criou (e cantou) como momentos do texto na voz dos atores, que colaboram ainda nos coros. Aqui abriam-se novas frentes de trabalho, distintas das que o GAC promovera, procurando antes na memória das “canções heroicas” um ponto de partida para a criação de uma música capaz de traduzir uma época e um contexto de luta. Há ainda, uma vez mais, sinais de uma incansável demanda por novas ideias não apenas na composição mas na própria cenografia dos sons.

1978. “A Confederação” (Diapasão)

Lado A: Dedicatória (JM Branco) / Sete Rios de Multidão (JM Branco e Rui Vaz) / Destruição (documento) / Pão P’ra Toda a Gente (JM Branco) / Estado de Sítio (Jorge Dias) / Ai Meu Trigo Lindo (JM Branco) / Ai de Mim (Margarida Carpinteiro) / Povo Fardado (Jorge Cortez) / Hino da Confederação (instrumental)

Lado B: Hino da Confederação (Luísa Alcobia) / Operários e Camponeses (JM Branco e Rui Vaz) / Cinema Mudo (Rui Reis) / Soldados de Abril (JM Branco e Rui Vaz) / Valsa Talvez / A Luta Continua (Jorge Cortez) / Unidade Popular (JM Branco e Rui Vaz)

O álbum com a banda sonora do filme A Confederação, de Luís Galvão Telles, com argumento de Amadeu Lopes Sabino, tem José Mário Branco como a figura de maior presença. É, contudo, um trabalho coletivo, referindo até mesmo a capa as presenças de Fausto e Sérgio Godinho, autores do Hino da Confederação que aqui é interpretado pela voz de Luísa Alcobia. A banda sonora é sobretudo caracterizada por várias abordagens a uma canção de José Mário Branco, que surge em arranjos diferentes em função das necessidades do filme. Com um outro arranjo a mesma canção surgiria, numa leitura mais definitiva, no álbum Ser Solidário com o título Eu Vi Este Povo a Lutar (Confederação). O disco inclui alguns momentos falados, assim como música incidental que ora passa por uma improvisação ao piano (em Cinema Mudo) ou peças instrumentais (como Valsa Talvez, composta por José Mário Branco). O filme, que recebeu o Grande Prémio do Festival da Figueira da Foz de 1977, aborda “a guerra, a repressão, o amor, a morte e a luta de classes”, como se lê num texto na contracapa do LP que acrescenta ainda que “a banda sonora inspira-se nessa mesma temática”.

1982. “Ser Solidário” (Edisom)

Lado A: Travessia do Deserto / Queixa das Almas Jovens Censuradas / Vá… Vá… / A Morte Nunca Existiu

Lado B: Fado da Tristeza / Fado Penélope / Qual é a Tua, Ó Meu? / Eu Vim de Longe, em Vou P’ra Longe

Lado C: Inquietação / Não te Prendas a Uma Onda Qualquer / Linda Olinda / Teze Anos, Nove Meses

Lado D: Sopram Ventos Adversos (Maiden Voyage) / Eu Vi Este Povo a Lutar / Ser Solidário

Entre a notícia de que ia haver um novo disco de José Mário Branco e a edição de Ser Solidário passaram três anos. Este seria o regresso. Depois de um segundo álbum a solo editado em 1973 os anos seguintes tinham gerado uma série de projetos coletivos, desde o GAC à criação de música para teatro e cinema. Sem ter inicialmente uma editora aparentemente interessada em editar o disco, José Mário Branco recorreu a uma estratégia de crowdfunding, apresentando as novas canções num espetáculo, entregando a cada espectador uma folha policopiada na qual explicava o projeto e pedia, a cada um, a compra antecipada do disco. Com fundos recolhidos partiu para estúdio onde então recriou o mesmo material musical. Ser Solidário é um álbum duplo e não só lança novos olhares sobre momentos anteriores – da nova versão da Queixa das Almas Jovens Censuradas à visão “definitiva” de Eu Vi Este Povo a Lutar, tema nascido para banda sonora da Confederação – como olha novas possibilidades, desde primeiras manifestações de relacionamento com o fado a mergulhos pelo jazz (Sopram Ventos Adversos inclui uma referência a Maiden Voyage de Herbie Hancock). O disco vai buscar uma série de heranças a espaços da música popular portuguesa (quer na marcha popular Qual é a Tua, Ó Meu ou na assimilação de uma chula em Eu Vim de Longe, Eu Vou Pra Longe), mas não deixa de mostrar um interessa por formas urbanas e contemporâneas como se escuta em Inquietação (novamente com tons jazzy) ou Linda Olinda (aqui com sabores funk). Não será exagero afirmar que, juntamente com o álbum de estreia, de 1971, Ser Solidário representa uma das obras-primas de José Mário Branco.

1985. “A Noite” (UPAV)

Lado A: Cá Vai Caneças / Tiro-no-Liro / Arrocachula / Camões e a Tença / Elogio da Corporação

Lado B: A Noite

Depois de Ser Solidário – disco que apesar de editado em 1982 correspondia na verdade a canções criadas algum tempo antes – o passo seguinte na discografia de José Mário Branco envolveu opções tanto no plano estético como funcional. Depois de ter batalhado o autofinanciamento de um álbum e conhecido depois “casa” editorial na Edisom, o álbum seguinte, ao qual chamou A Noite, correspondeu ao primeiro lançamento através de uma nova cooperativa, a UPAV, pela qual surgiriam depois discos de Amélia Muge, Brigada Victor Jara, Vai de Roda ou Cal Viva. A Noite surge em meados dos anos 80 e traduz poeticamente os tempos que então se vivam. Musicalmente a grande novidade era a criação de uma canção mais extensa, que dava título ao disco, ocupava toda uma face e envolvia uma multidão de músicos, criando espaço a reflexões sobre a música para orquestra (que inclusivamente levariam o próprio José Mário Branco a reavaliar as opções aqui tomadas). Para A Noite eram ainda chamadas algumas palavras de Antero de Quental. Na outra face o álbum apresentava canções mais curtas, expressando essas um interesse pela música popular portuguesa (sem abdicar das marchas), o jazz, o funk e os universos do rock, que já antes José Mário Branco tinha abordado em disco. Entre os muitos colaboradores que encontramos nas faixas de A Noite estão figuras como António Emiliano, Carlos do Carmo, Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Rui Júnior, Rui Veloso e Tomás Pimentel.

1990. “Correspondências” (UPAV)

Lado A: Dairinhas (Carta a Daniel Filipe) / Emigrantes da Quarta Dimensão (Carta a J.C.) / Diminuendos (Carta ao Sr Silva) / Zeca (Carta a José Afonso) / Shalom, Palestina (Carta a Hannah Arendt)

Lado B: Sentido Único (Carta ao Chico Buarque) / Quando eu For Grande (Carta aos meus netos) / Cada Dia São Cem (Carta ao remetente) / 1900 (Carta a Anton Tchekov)

O sucessor de A Noite revelou um disco completamente diferente. Se o álbum originalmente lançado em 1985 traduzia um momento de reflexão sobre um tempo que José Mário Branco associou à escuridão densa e tensa de uma noite escura, já o seu sucessor foi luminiso e feliz (note-se o sorriso na foto que vemos na capa e logo ali um clima fica lançado no ar, antes mesmo de se escutarem as canções). Mesmo sem que isso implicasse um distanciamento da atitude crítica perante o mundo ao seu redor (que na verdade aqui encontra outros modos desafiantes de se expressar). Projeto artosticamente partilhado com Manuela de Freiras, Correspondências partiu de uma lógica concetual: cada canção seria uma carta. E assim nasceram cartas a figuras concretas que passaram pela sua vida, a rostos que a história registou e até mesmo à sua esfera mais pessoal e familiar. Musicalmente diverso, refletindo gostos explorados nos discos que gravara desde Ser Solidário, juntando na carta a Chico Buarque uma (compreensível) vontade em citar a música daquele a quem falava, Correspondências usa uma narrativa epistolar para fixar um olhar em volta em plenos anos 90. Aparentemente mais sereno, mas nem por isso menos incisivo. A carta a José Afonso tem o fulgor de um hino… E na verdade, poucos anos depois, foi entre a música de José Afonso que registou o seu passo seguinte, dessa vez partilhando o protagonismo com Amélia Muge e João Afonso.

1995. “Maio Maduro Maio” (Columbia), com Amélia Muge e João Afonso

CD 1: Maio, Maduro Maio (instrumental) / Utopia / De não saber o que me espera / Canção de embalar / Entre Sodoma e Gomorra / Que amor não me engana / Já o tempo se habitua / O pastor de Bensafrim / Lá no Xepangara / Chamaram-me cigano / Achégate a mim, Maruxa

CD 2: Maio, Maduro Maio / Canção da paciência / A cidade / Nefretite não tinha papeira / O homem voltou / Nem sempre os dias são dias passados / De sal de linguagem feita / Se voaras mais ao perto / Ali está o rio / Benditos / O país de carrinho / Fura-fura / O que faz falta / Zeca

A ideia nasceu em 1993 na forma de um convite lançado por uma associação cultural em Gulpilhares, no norte do país, que lançou a José Mário Branco, Amélia Muge e João Afonso, um desafio para que criassem um espetáculo todo ele feito com canções de José Afonso. A proximidade entre os três protagonistas e o homenageado (com o qual todos eles se haviam cruzado pessoal ou profissionalmente) sublinhou a proximidade que os ligava às canções. Aos três juntaram-se ainda António José Martins e Rui Júnior. O espetáculo conheceu nova vida em Lisboa, no palco do Teatro Municipal S. Luiz em três noites em dezembro de 1994. E da gravação desses concertos nasceu este disco que ficou com o título do projeto: Maio Maduro Maio. Com instrumentação contida, valorizando a essência das composições e a força das palavras, as versões de canções valorizam a presença de alguns temas menos divulgados de José Afonso. O alinhamento incluiu ainda dois originais criados respetivamente por João Afonso (com José Lima) e Amélia Muge, em torno de dois poemas de José Afonso. E o espetáculo encerra com Zeca, a “carta a José Afonso” que José Mário Branco tinha apresentado em Correspondências.

1997. “Ao Vivo 1997” (EMI)

CD1: Eh Companheiro / Uma Vez Que Já Tudo Se Perdeu       / Inquietação / Cantiga De Trabalho / Engrenagem / Elogio Da Corporação      / Remendos E Côdeas / Moncorvo Torre E Gente / Shalom Palestina / Arrocachula / Margem De Certa Maneira / Ser Solidário   

CD2: 1900 / De Pé Saudação A Antero / Menina Dos Meus Olhos / Teu Nome Lisboa       / Capotes Pretos, Capotes Brancos / Terra Quente / As Canseiras Desta Vida / Emigrantes Da Quarta Dimensão / Queixa Das Almas Jovens Censuradas / A Noite / Cantiga De Alevantar “Leva-Leva”

A gravação de um álbum ao vivo deu a José Mário Branco o desafio de encontrar não apenas rumos para um guião construído com as suas próprias canções mas também modos novos de as abordar. A recolha de canções para fazer um alinhamento que queria mostrar um percurso (sem representar, porém, um modelo de ‘best of’ de escolhas demasiado evidentes), levou-o a atravessar a sua obra, recuando até aos dias de Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades, sem evitar passar pelo GAC. O rumo definido leva-nos através de momentos, épocas e memórias, cruzando o fulgor que motivou algum dos episódios recordados (como por exemplo se escuta na Cantiga de Alevantar que fecha o disco) com uma aparente maior tranquilidade com que em 1997 o músico vivia o palco. Para o palco levou consigo Carlos Bica, João Pires, José Peixoto, Rui Júnior e os Tetvocal. Os arranjos e a direção musical ficaram por sua conta. O disco inclui momentos gravados ao vivo em vários concertos realizados em junho de 1997 no Coliseu do Porto, Teatro da Trindade (Lisboa) e no Teatro Gil Vicente (Coimbra).

2004. “Resistir É Vencer” (EMI)

CD: Nem Deus Nem Senhor / Se do Império / Poder / As Contas de Deus / Canção dos Despedidos / Onofre / Eram Mais de Cem / O Papão do Anão / A Vida Rompeu / Do Que Um Homem é Capaz / Canto dos Torna-Viagem / Fado em dó Maior / Pão Pão / Amor Gigante / Tenho Dó das Estrelas / Elogio de Caeiro.

Sem que houvesse uma pausa – afinal nesse intervalo houve trabalhos de produção, concertos e uma homenagem a José Afonso que acabou fixada em disco – foi contudo preciso esperar 14 anos para que nascesse um novo álbum de estúdio de José Mário Branco. Tal como em ocasiões anteriores houve estímulos e experiências diversas na génese do corpo das canções. O teatro uma vez mais passou por aqui, desta vez numa adaptação de “As Viagens de Gulliver” pel’A Barraca, para as quais compôs dez canções. Depois “A Morte do Palhaço”, de Raul Brandão, pel’O Bando, no qual trabalhou novamente como compositor. A caminho de dar forma ao disco houve ainda uma viagem a Timor Leste, da qual chegaria de resto o título “Resistir É Vencer” (lema da resistência timorense). E ainda uma vontade em homenagear a poesia de Sophia de Mello Breyner Andressen, que em vez de cantar, resolveu dizer (numa faixa escondida minutos depois da última canção)… Destas rotas e experiências chegaram algumas canções (perto de metade do disco), às quais se juntaram outras, novas, num corpo que, mais do que nunca, explorou nos arranjos uma dimensão orquestral mais elaborada e presente do que até aqui. A componente conceptual que marcara já discos anteriores definiu aqui, apesar das origens dispersas, uma obra com um corpo temático e estético comum. Sólido e desafiante na composição, seguro nas palavras, mais do que nunca olhando para o tempo presente olhando para o mundo ao seu redor sem prescindir das convicções, lidando com vitórias e derrotas e mostrando como lidar com os desencantos, usando entre as armas o ocasional recurso a uma muito característica expressão de ironia. Aos arranjos para orquestra junta-se aqui um labor cuidado no trabalho vocal que engloba mais um exemplo notável de recurso a um coro, mostrando o alinhamento as contribuições de nomes como Tomás Pimentel, José Paulo Esteves da Silva, Carlos Bica, Rui Júnior, Rui Marques, Jorge Reis, José Peixoto, Edgar Caramelo, José Menezes, Paulo Gaspar, João Afonso e os convidados especiais Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias, além da Orquestra de Gratz (Áustria), o Quarteto Anthropos (Áustria) e os grupos corais Os Escolhidos e Coro dos Gambuzinos. 

2009. “Três Cantos”, com Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias (EMI)

CD1. “Guerra e Paz”, “Travessia do Deserto”, “Como Um Sonho Acordado”, “A Barca dos Amantes”, “Mariazinha”, “Rosalinda”, “Quatro Quadras Soltas”, “Canto dos Torna-Viagem”, “A Ilha”, “Não Canto Porque Sonho”, “O Charlatão”.

CD2. “Faz Parte (O Retorno das Audácias)”, “Ser Solidário”, “De Não Saber o Que Me Espera”, “Olha o Fado”, “Mudam-se os Tempos Mudam-se as Vontades”, “Foi Por Ela”, “Que Força É Essa”, “Eu Vi Esse Povo a Lutar”, “Maré Alta”, “Inquietação”, “Na Ponta do Cabo”

Era um encontro a três há muito a viver no mundo das possibilidades até que, em 2009 finalmente ganhou forma em Lisboa e no Porto. Com histórias de colaborações, cumplicidades artísticas e afinidades que tinham já gerado cruzamentos de pares, entre os três, desde há já longos anos, foi a 22 de outubro de 2009, repetindo na noite seguinte, que José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias subiram ao palco instalado no Campo Prequeno para partilharem canções uns dos outros, apresentando-se como Três Cantos. Dias depois, a 31 de outubro e 1 de novembro levavam o mesmo espetáculo ao Coliseu do Porto. O alinhamento, atém de juntar canções do repertório pessoal de qualquer um dos três músicos, incluía ainda “De Não Saber o Que Me Espera” de José Afonso e o inédito “Faz Parte (O Retorno das Audácias)”, com letra de Sérgio Godinho e música sua e de José Mário Branco, canção expressamente criada para conhecer estreia este espetáculo. Acompanhados em palco por um ensemble e coro com perto de 20 músicos e vozes, percorreram canções de várias etapas das suas vidas, num alinhamento que foi então gravado em vídeo e áudio, originando não apenas uma edição como disco ao vivo em 2CD mas também uma outra, que aos dois discos juntava outros tantos DVD, um com o registo integral do espetáculo, outro com um documentário sobre a sua criação e produção.

COMPILAÇÕES

1999. “Canções Escolhidas 71/97” (EMI)

2018. “Inéditos 1967-1999” (EMI)

2018. “José Mário Branco” (caixa, EMI)

2018. “Canções Escolhidas 71/97” (EMI)

Singles e EP

1969. “Seis Cantigas de Amigo” (EP, Arquivos Sonoros Portugueses)

Lado A: “Ai Flores de Verde Pinho”, “Leda M’And’Eu”, “Ma Madre Velida”. Lado B: “Levantou-s’A Velida”, “Bailaid’ Hoje Ai Filha”, “Lelia Doura”.

1970. “Ronda do Soldadinho” (ed. autor)

“Ronda do Soldadinho” / “Mãos Ao Ar”

1978. “Contra a Repressão No Brasil”, single repartido com Sophia de Mello Breyner Andressen (Vozes Na Luta)

“Sangue em Flor” / “Brasil 77” (Sophia de Mello Breyner Andressen)

1978. “Gente do Norte” (Diapasão)

“Moncorvo Torre e Gente” / “Cantar de Viúva de Emigrante”

1978. “Marchas Populares”, com o Grupo de Teatro Rodaviva (EP, Comuna Cooparte)

Lado A: “S. João do Porto”, “Todos à Rua”. Lado B: “Fim de Festa”, “A Minha Rua”.

1979. “O Ladrão do Pão” (EP, Diapasão)

Lado A: “Fuga do Mar”, “Quatro Caminhos”, “Ó Ladrão”, “Ritmo Taberna”. Lado B: “Reminescência I”, “Reminescência II”, “Reminescência III”, “A Madrugada”, “Acorda Padeirinho”, “Final”.

1982. “Qual É A Tua Ó Meu” (Edisom)

“Qual É A Tua Ó Meu?” / “S. João do Porto”

1982. “F.M.I.” (máxi-single, Edisom)

“F.M.I.” / “F.M.I. (2ª Parte)”

Sem data:

“La Comune de Paris” (Groupe Organon)

A discografia de José Mário Branco cruza-se ainda com a obra publicada em disco pelo GAC – Grupo de Acção Cultural, que lançou quatro álbuns e vários singles entre 1975 e 1978.



Destaque

ROCK ART