sexta-feira, 28 de junho de 2024

Luiz Gonzaga - S. Paulo - QG do Baião (1974)


Todas as faixas desse LP de 1974 são reaproveitamento de masters antigos em 78 rpm. “Velho pescador”, de 1954, foi originalmente gravada por José Tobias na Copacabana, com o título “Baião do pescador”. 

'‘Baião da garoa”, de 1952, é uma homenagem de Gonzagão a São Paulo, cidade onde sempre teve grande acolhida, dada a imensa colônia nordestina que a cidade até hoje possui, e foi gravada por ele duas vezes: a primeira em solo de sanfona e a segunda com letra de Hervê Cordovil. “Tô sobrando”, de 1951, foi também interpretada por Gonzagão no filme “O comprador de fazendas”, da extinta Cinematográfica Maristela, cujos estúdios ficavam no bairro paulistano do Jaçanã. 

“A moda da mula preta” é um clássico do repertório sertanejo de raiz, originalmente lançado pela dupla Raul Torres (seu autor) e Florêncio em 1944. Ao gravá-la pela primeira vez, em 1948, Luiz Gonzaga fez o milagre de popularizar a música ainda mais, tanto que voltaria a fazer novo registro dela posteriormente. (Samuel Machado Filho)

Faixas do álbum:
01. Baião da Garoa
02. A Vida do Viajante
03. Jardim da Saudade
04. Marabaixo
05. Catamilho na Festa
06. Xaxado
07. Cana Só de Pernambuco
08. Moda Da Mula Preta
09. Moreninha, Moreninha
10. Tô Sobrando
11. Relógio Baião
12. A Canção do Carteiro
13. Velho Pescador
14. Vamos Xaxear




Luiz Gonzaga - Luiz Gonzaga (1973)


Um dos discos da passagem de Luiz Gonzaga pela gravadora Odeon. Destaque para as canções "O fole Roncou" e "Só Xote".

Faixas do álbum:
01. O Fole Roncou
02. Fogo Pagou
03. O Bom Improvisador
04. Só Xote
05. Cidadão De Caruaru
06. Indiferente
07. A Nova Jerusalém
08. Baião De São Sebastião
09. Cantarino
10. Facilita
11. Juvina
12. Mulher De Hoje




Review: Triumvirat - Mediterranean Tales (1972)

 


A palavra Triumvirat - ou triunvirato em português - é um governo formado por três homens. Nada mais apropriado e forte para este grupo alemão. O trio impressionou a todos nos anos 1970 mas, infelizmente, muitos ouvidos desatentos consideravam o Triumvirat como um Emerson, Lake and Palmer alemão, o que convenhamos é uma grande injustiça. Independente da influência clara do outro trio progressivo, a banda tinha governabilidade total de seu som e não era meramente um control C control V do ELP.

Predominantemente calcado no som pesado do órgão, o trio da cidade de Colônia contava em 1972 com o sensacional tecladista Jürgen Fritz, o preciso baterista Hans Bathelt e o competente baixista e vocalista Hans Pape. Logo de cara criaram um disco de estreia sem precedentes em apenas três dias.  A primeira faixa deste álbum espetacular é uma maratona chamada “Across the Waters”, com harmonias eruditas (que na Alemanha são coisa séria pelo seu passado musical) e pegadas fortes em progressões bem dinâmicas, com destaque evidente ao Hammond tocado no talo. São pouco mais de 16 minutos divididos em seis atos absurdamente surpreendentes até mesmo para quem já ouviu a canção trocentas vezes - a começar pela introdução, que nada mais é do que uma partitura composta por Wolfgang Amadeus Mozart arranjada por Jürgen Fritz de maneira brilhante.  E dá-lhe Hammond e Moog formando uma base tão sólida que a ausência da guitarra nem é sentida.

Virando o disco encontramos a cadenciada “Eleven Kids” com um trabalho interessante que bebe novamente na música clássica (ou erudita, se falarmos com o termo correto), mas com uma pegada sonora calcada no jazz e com uma condução de bateria mais cadenciada. Momentos matadores para os amantes dos órgãos, teclados, pianos e moogs é o que não faltam. Cada audição é uma descoberta.

A instrumental “Menor 5/9 Minor /5” tem um climão meio Uriah Heep nos teclados e é estranhamente perturbadora e agradável, com uma melodia insistente logo de cara que segue até o final, variando diversas vezes sobre o mesmo tema. O solo de Hammond é precioso, enquanto que o piano da próxima faixa, “Broken Mirror”, carrega a banda para o lado erudito em uma peça com partes mais delicadas. Se esta canção tivesse sido composta séculos atrás, com certeza hoje seria reverenciada como uma das principais criações da música clássica. Lá pelas tantas entra o vocal e a música vira algo meio “In-A-Gadda-Da-Vida”, do Iron Butterfly, antes de se transformar em um jazz pra lá de malandro. Mudanças absolutamente incríveis em apenas sete minutos!

Tá certo que o Triumvirat nunca conseguiu a mesma popularidade de outros grupos, mas eles produziram discos fantásticos nos anos seguintes que também merecem uma atenção redobrada até o final da banda em 1980, quando literalmente se perderam no mundo produzindo álbuns muito fracos e perdendo o fio da meada.

E mesmo assim, se após essas minhas palavras você ainda pensar que a banda é uma versão alemã do ELP, recomendo fortemente que procure uma clínica para avaliar como anda a sua audição.   

Por Aroldo Antonio Glomb Junior 

Aroldo Antonio Glomb Junior tem 41 anos, é jornalista, Athleticano e fanático por boa música desde que completou seus 10 anos de idade. É o autor do projeto SOBRE O SOM DOS SETENTA, que reúne resenhas de diversos discos lançados durante os anos 1970, escrevendo desde clássicos da década até discos mais obscuros, independente do estilo.




Review: Inna de Yard- Soul of Jamaica (2017)

 


A música negra vem acompanhada, desde o berço, da marca do conflito entre as buscas do êxtase do divino e do transe carnal. Nos Estados Unidos da primeira metade do século XX nada ilustra melhor tal cisão que a divisão, presente desde sempre, entre o gospel e o blues. Dois mundos inconciliáveis cuja fronteira jamais deveria ser ultrapassada, sob a pena de se ter que lidar com acusações como as de "ter vendido a alma".

Mas se os negros americanos tiveram que lidar com a rejeição e virulência de seus pares de fé ao cruzarem a linha do profano e sagrado quando resolveram combinar a entrega mística do gospel ao prazer despudorado do pop (fazendo nascer a soul music e o funk), os brothers e sisters de um outro continente fizeram brotar uma nova e incendiária expressão musical a partir de uma união até então inédita dessas vertentes, sem maiores grilos de consciência. Combinando os cânticos da religião rastafari aos sedutores ritmos do ska e do rock steady, o reggae surgiu no final da década de 1960 como um abalo sísmico nas convenções da música pop.

Na verdade, talvez mais que qualquer outro gênero, o reggae tem mostrado desde sua gênese que sua artilharia estava apoiada exatamente na confluência excêntrica dessas duas fontes que eram à época, pelo menos no campo ideológico, aparentemente inconciliáveis: o ascender divino dos spirituals e o vigor rebelde próprio da juventude. Uma verve de inquietação sempre esteve presente no gospel, é verdade. Mas ela era antes de não conformidade e enfrentamento ao mundano (sempre no sentido de preservação de pureza espiritual) que de contestação a sistemas de ordem social e política.

No reggae, o questionamento da ordem social é intrínseco. Mas enquanto os olhos estão voltados para as injustiças e vilosidades permeadas pelo mundo, o corpo e o espírito são elevados como que num clímax sobrenatural. Décadas após seu nascimento, o gênero que não demorou a se popularizar até o ponto de se transformar num fenômeno de alcance de massa, já é monumento. Portanto, tentativas de "explicação" dessa história não se mostram estranhas.

É justamente um tipo de revisão história o que o álbum Soul of Jamaica tem a oferecer, só que de uma maneira particularmente singular. Inna de Yard, o coletivo responsável pelo trabalho, é formado pelo encontro de duas gerações distintas, que têm em comum o desejo de perpetuar os valores e fé retratados em música, levando a bandeira adiante. De um lado, lendas musicais jamaicanas como Cedric Myton, Winston McAnuff, Ken Boothe e Kiddus I. Do outro, veteranos e novatos na cena como Judy Mowatt, Horace Andy, Jah9, Var, Derajah e The Viceroys. O que temos aqui, portanto, é uma obra na qual a história é revista tanto por quem a construiu, quanto por quem a constrói na contemporaneidade. Todos juntos retrabalhado temas do repertório de cada um.

O resultado dessa união inigualável é a absoluta convergência da alma jamaicana e raízes reggae numa música que traduz toda a leveza e poder do gênero. O álbum, gravado em apenas 4 dias (!!!) ao ar livre nos topos dos morros e quintais de Kingston (daí o nome do projeto), traz uma deliciosa coleção de 13 músicas que não só é prato cheio para fãs do estilo, como também pode se mostrar uma feliz porta de entrada para ouvintes novatos interessados.

O projeto deu tão certo que acabou ganhando um belo documentário feito pelo cineasta Peter Webber. Em uma curta, mas produtiva sessão que durou os quatro dias da gravação do disco, o diretor indicado ao Oscar conseguiu capturar com rara e sensível perspectiva esta bela convergência da cultura jamaicana.

Na verdade, é exatamente nessa despudorada liberdade e naturalidade que reside o trunfo maior do trabalho. Var, um dos colaboradores do projeto, com a palavra: "Não é como se você estivesse no estúdio, onde você pode voltar e concertar as coisas. Você tem que cantar a canção direito. É aí que mora a beleza da coisa, porque é uma performance ao vivo. Não é uma coisa editada. Você apenas chega lá e canta, direto do seu coração".


Em tempos de entretenimento puro e simples, o trabalho soa como uma lufada de frescor que só a verdadeira essência poderia proporcionar. E o segredo para tal nos é revelado logo de saída na primeira faixa, "Love is the Key", a cargo dos poderosos The Viceroys. Uma manhã em Kingston, sol brilhando, pássaros cantando, cachorros latindo e uma voz que sabiamente aconselha: "A sabedoria é livre, conhecimento e compreensão também". Violões, baixo e percussão fazem a sedosa cama instrumental sobre a qual desfilam os vocais que evocam o melhor da tradição do canto jamaicano. Impossível não se emocionar.

A toada tocantemente espiritual transmuta de lânguida para vigorosa na poderosa "Let the Water Run Dry", a faixa seguinte, sob o comando do monstro Ken Boothe. A partir de "Slaving" até "Youthman" com os ídolos e gênios Lloyd Parks e Cedric Myton, respectivamente, o atrito musical leva à inevitável formação de chamas. Especialmente neste último caso, chega a impressionar a grandiosidade da intensidade espiritual que atinge. Entre as duas obras primas, os metais e backing vocals femininas no poderoso número "Black to I Roots" (com o grande Kush McAnuff).

"Crime" (Var) traz as coisas para dentro num dos mais belos momentos do disco, trazendo também uma das maiores e mais importantes reflexões, tão esquecida por nossos líderes nesses obscuros tempos de pobreza e violência: "You can't solve crime if the poor man still can't find no dime".

Em momentos como "Jah Power, Jah Glory" (Kiddus I) e "Artibella" (Ken Boothe), a amplitude da riqueza da música nativa se funde a sutis influências dos irmãos da costa latina. Já em uma pedrada como "Sign of the Times" (Steve Newland), fica nítida a união entre regional e universal no engendrar de um número não menos que incendiário. Incendiária também é a performance de Lloyd Parks quando retrabalha "Money For Jam", clássico de seu repertório, aqui presente em sua versão definitiva, com toda a densidade, peso, fluidez e força. As impressivas "Secret" (Winston McAnuff) e "Stone" (Derajah) aproximam-se mais do formato tradicional da canção jamaicana em outros dos dois mais marcantes momentos. O álbum remata com a beleza pungente "Thanks and Praises" (Bo-Pee).

O que temos aqui, por fim, é um clímax que tem início já nos primeiros sulcos e se estende por toda a extensão de uma obra não menos que marcante. Clássico moderno.



Review: King Diamond – Songs for the Dead Live (2019)

 


King Diamond é uma das maiores lendas vivas do metal. Tanto no Mercyful Fate como em sua carreira solo, o vocalista dinamarquês estabeleceu novos parâmetros para o som pesado, seja através da união entre letras inspiradas em filmes de terror a melodias sempre agradáveis, seja pela dramaticidade e pelo aspecto teatral de suas performances. Isso sem falar no timbre extremamente agudo e característico.

Songs for the Dead Live traz dois shows realizados por Diamond nos anos de 2015 e 2016, respectivamente no Fillmore da Philadelphia e no festival Graspop Metal Meeting. O material acaba de sair no Brasil pela Hellion Records em um box triplo trazendo 2 DVDs e 1 CD, além de um pôster exclusivo.

Sem exagero, dá pra afirmar sem medo que Songs for the Dead Live é o trabalho ao vivo definitivo da carreira de King Diamond. Musicalmente, a performance é irretocável. A banda formada por Andy LaRocque (guitarra), Mike Wead (guitarra), Pontus Egberg (baixo) e Matt Thompson (bateria) é excepcional. A interação entre as guitarras, as mudanças de climas, o peso e a precisão que cerca a execução de todas as músicas é exemplar e quase didática, em um trabalho com cara de referência. Diamond e seus asseclas estabeleceram um nível altíssimo, e quem vier a partir de agora que se vire para superar.

Mas o grande trunfo está na parte em vídeo. Songs for the Dead Live é um dos mais impressionantes registros em vídeo da história do metal. A produção, a fotografia, a direção de arte, a iluminação, a edição e tudo mais é brilhante, traduzindo de maneira sublime a estética sombria e soturna do estilo. King Diamond, que nunca foi apenas um cantor mas sim um performer completo, atuando e encarnando diferentes personas em cima do palco, dá uma aula de como incorporar vários papéis durante todo o show. Junta-se a isso uma ambientação e um cenário de palco minuciosamente produzidos, mais a presença de outros atores que surgem no palco durante as canções, e temos um resultado final que soa muito próximo do que o metal, como gênero musical, pode render em palcos teatrais emblemáticos como a Broadway, por exemplo. O que King Diamond fez é algo próximo de uma ópera com peça de teatro, e que serve de universo para as suas tétricas canções.

O setlist dos shows é similar e conta com músicas da banda de King e também do Mercyful Fate, como as clássicas “Melissa” e “Come to the Sabbath”, destaques ao lado das ótimas “Eye of the Witch”, “Them”, “Funeral” e “Abigail”, entre outras.

A edição da Hellion vem em um box muito bem produzido e que mostra o cuidado especial que o selo tem tido com os seus lançamentos, além de um grande respeito com o fã e colecionador que segue comprando itens originais e mantendo a mídia física viva.

Songs for the Dead Live é um item obrigatório para qualquer fã de metal, seja pelas músicas que apresenta, pela performance absolutamente arrebatadora ou pelo nível inédito alcançado em cima de um palco. Mesmo você não sendo um grande fã de King Diamond – como é o meu caso, admito – vale a pena conferir, porque é um trabalho tão fora da curva que basta um único vislumbre para perceber o quão especial ele é.

Nota máxima, com louvor.



Review: Ed Motta – Criterion of the Senses (2018)

 


Além de um nome reconhecido do pop brasileiro há mais de três décadas, Ed Motta também é um dos principais pesquisadores musicais e colecionadores de discos do Brasil. Seu acervo é gigantesco, supera os 30 mil títulos e é reverenciado em todo o mundo. Toda essa cultura musical, obviamente, reflete-se em seu trabalho, em seus álbuns. Criterion of the Senses é um exemplo claro disso.

Os tempos dos hits “Manuel”, “Vamos Dançar” e “Um Jantar pra Dois” ficaram para trás já há algum tempo. Os trabalhos recentes de Ed mostram uma sonoridade muito mais refinada e elaborada, espelhando o enorme vocabulário musical que ele acumulou em anos e anos de pesquisa. A paixão sempre clara pelo Steely Dan dita as regras, com arranjos elegantes e uma instrumentação sutil e de muito bom gosto.

Criterion of the Senses é o décimo-quinto álbum solo de Ed Motta e é totalmente cantado em inglês, seguindo a abordagem apresentada nos dois discos anteriores, AOR (2013) e Perpetual Gateways (2016). A música é uma espécie de amálgama entre rhythm & blues, soul e jazz, com ritmos que bebem no funk e servem de base para as sempre incríveis vocalizações de Ed. Há uma atmosfera relaxante em todo o trabalho, com ecos de lendas como Marvin Gaye, Stevie Wonder e outros gigantes da música negra norte-americana. Os heróis de Motta estão no mundo e muito além das nossas fronteiras.

A bela capa, concebida por Edna Lopes, esposa do artista, traduz o sentimento de deslocamento que a obra de Ed Motta produz ao ser comparada com a música que é popular no Brasil atualmente, onde a riqueza harmônica que sempre marcou os artistas nacionais foi substituída por ritmos repetitivos, letras monossilábicas que se assemelham a onomatopéias e “hits” que soam como jingles produzidos em série. Ed Motta mostra, a cada disco, que ainda existe vida inteligente na música brasileira, mesmo ela sendo cantada em inglês e tendo como principais inspirações ritmos como o soul e o jazz. A canção que fecha o álbum, “Shoulder Pads”, por exemplo, tem uma pegada mais rock and roll e entrega um single lapidado e pronto pra tocar sem parar - se a música fosse coisa séria por aqui, algo que está cada vez mais longe de ser.

Se os seus ouvidos estão em busca de paz assim como os meus, se o que eles querem é conforto auditivo e surpresas em formas de canções, Criterion of the Senses alimentará não apenas a audição, mas todos os seus sentidos.




Review: The Cult - Electric (1987)

 


Ian Astbury e Billy Duffy são os responsáveis por um dos melhores discos lançados durante os anos 1980. Terceiro álbum do The Cult, Electric é um registro único na carreira deste quarteto inglês, apresentando em suas onze faixas um hard rock vigoroso, direto e repleto de energia, que bebe no melhor que o estilo produziu na década anterior.

Ao lado de Astbury e Duffy estavam o baixista Jamie Stewart e o baterista Les Warner. O quarteto juntou forças ao produtor Rick Rubin para transformar a sonoridade anterior da banda, um rock com influência gótica e uma bem-vinda dose de peso e que rendeu o igualmente ótimo Love (1985), em um arregaço regado a inspirados riffs de guitarra e interpretações vocais antológicas.

Billy Duffy estava possuído em Electric. O guitarrista louro pegou para si o posto de legítimo herdeiro da nobre linhagem de riffmakers do rock, que inclui nomes lendários como Angus Young, Jimmy Page e Tony Iommi, e, banhado de luz e inspiração, pariu uma sequência sensacional de notas que colocam Electric na categoria daqueles discos onde a guitarra, mais do que qualquer outro instrumento, é a espinha dorsal, a alma e o sangue que escorre pelos sulcos.

As cinco primeiras faixas não deixam espaço para o ouvinte respirar. O The Cult entrega um dos melhores lados A da década de 1980 e também de todos os tempos, jogando o ouvinte contra a parede com o ataque frontal e selvagem de "Wild Flower", "Peace Dog", "Lil' Devil", "Aphrodisiac Jacket" e "Electric Ocean", todas devidamente abençoadas por riffs faiscantes que brotam como água da guitarra de Duffy. As duas primeiras são pedradas hard certeiras, influenciadas claramente pelo AC/DC. Já "Lil' Devil" coloca um certo groove na jogada, e era essa faixa que, do alto dos meus dezesseis, dezessete anos, eu tocava feito louco nas festinhas que minha turma de amigos promovia no interior do Rio Grande do Sul - bons tempos aqueles.

Entretanto, foi o riff de "Aphrodisiac Jacket" que me fez comprar o disco, pois foi ouvindo essa canção que me vi obstinado atrás do LP. Mais cadenciada, ela exemplifica a inspiração absurda do The Cult em Electric, cativando qualquer pessoa que tenha o rock correndo nas veias e, ao mesmo tempo, honrando os grandes nomes que foram fundamentais para o surgimento e desenvolvimento do hard rock como Cream, Jimi Hendrix Experience, Led Zeppelin, Mountain, Grand Funk Railroad e inúmeros outros.

O lado B, apesar de não ser tão iluminado quanto o primeiro, possui as duas faixas mais conhecidas de Electric: o single "Love Removal Machine" e o cover de "Born to Be Wild", do Steppenwolf. A primeira tocou feito louco nas rádios desde o momento em que o play foi lançado, e é uma das trilhas mais marcantes das lembranças de um tempo de descobertas, onde éramos felizes sem ao menos saber. E, em um disco cujas composições nos transmitem sensações sublimes, sendo uma das mais fortes a liberdade, a escolha da clássica "Born to Be Wild" como releitura não poderia ser mais apropriada. Aliás, o peso que o The Cult imprimiu transformou a sua versão em uma das preferidas entre as milhares de interpretações que "Born to Be Wild" já ganhou - inúmeras delas, diga-se de passagem, pra lá de dispensáveis.

Quando um disco nos faz sentir certas coisas, é preciso abrir os olhos e ouvi-lo com atenção. Electric nos faz primeiro aumentar o volume de maneira progressiva. Em seguida, já estamos empunhando nossa Les Paul e tocando air guitar alucinadamente. E, quando vemos, cantamos os solos das faixas a plenos pulmões - "Wild Flower" e "Love Removal Machine" que o digam. Por fim, quando o CD acaba já estamos ouvindo-o novamente.

Enfim, Electric é um discaço de rock, daqueles que cativam novos adeptos e fazem rockers veteranos como eu se apaixonarem, de novo e mais uma vez, pelo gênero que os viu crescer. 

Agora, chega de papo furado porque a minha Les Paul já está apitando aqui do lado... 



Destaque

1991 Doro – True At Heart

True At Heart  é o terceiro álbum solo da cantora alemã de hard rock  Doro Pesch  . Foi gravado em Nashville, Tennessee e lançado em agosto ...