quarta-feira, 10 de julho de 2024

Discografias Comentadas: Thin Lizzy – Parte I

 Discografias Comentadas: Thin Lizzy – Parte I



Formado em Dublin, Irlanda, no ano de 1969, o Thin Lizzy teve uma longa trajetória percorrida até alcançar o status de grande banda de rock. Muito disso se deve ao talento incomum do baixista, vocalista e líder Phil Lynott. Filho de uma irlandesa com um marinheiro sul-americano (existem muitos rumores de que ele fosse brasileiro), Lynott deixou na sua carreira uma marca inquestionável de qualidade, seja no instrumento, nas interpretações vocais ou em suas composições. Infelizmente, Lynott faleceu com apenas 36 anos, no dia 4 de janeiro de 1986, ou seja, há 26 anos. 
Como uma justa homenagem, a Consultoria do Rock apresenta um especial Discografias Comentadas com o Thin Lizzy, que será dividido em duas partes: a primeira, feita por mim, a respeito do período no qual o grupo começou como o trio Phil Lynott (baixo, vocais), Eric Bell (guitarras) e Brian Downey (bateria), responsável por três LPs, até o ano de 1976, já como quarteto, tendo as poderosas guitarras de Brian Robertson e Scott Gorham, sendo esse o ano no qual o grupo lançou seus dois principais discos, Jailbreak Johnny the Fox, constando o último da segunda parte deste especial. 
Cada parte apresentará seis álbuns, abrangendo a discografia de estúdio lançada pelo grupo até 1983, além de citar discos ao vivo, coletâneas e demais materiais relacionados a essa que é uma das mais importantes bandas do rock irlandês, e, sem dúvida, o principal representante da faceta mais pesada do gênero naquele país. Caso você queira conhecer um pouco mais da história do grupo, leia e ouça o Podcast em homenagem ao grupo.

Thin Lizzy [1971] 



A estreia do Thin Lizzy é difícil de se explicar. O trio Lynott, Bell e Downey faz uma mistura de sons e ideias em um álbum bastante experimental, a começar pela abertura, com “The Friend Ranger at Clonfart Castle”, na qual os resquícios da psicodelia do The Doors surgem através de um poema entoado por Lynott, transformando-se em uma viajante canção, onde o estilo inconfundível de cantar de Lynott surge pela primeira vez. Já o violão de “Honesty is no Excuse”, acompanhado pelo mellotron (participação de Ivor Raymonde), nos manda de volta para os anos 60, em algum álbum do The Moody Blues pós Days of Future Passed (1967), enquanto a longa “Diddy Levine” é uma bela canção folk, sendo este mais um afluente no gigantesco rio de estilos que o Thin Lizzy era no início de sua carreira. Nela que aparece pela primeira vez o riff marcado entre baixo e guitarra que estaria presente em muita canções do grupo. “Ray-Gun” é um funk embriagante, levado pelo wah-wah de Bell, com Lynott lembrando Jimi Hendrix em sua melodia vocal, assim como “Look What the Wind Blew In”, que encerra o lado A em um ritmo envolvente e com uma interessante participação de Downey. “Eire” deixa uma bonita mensagem no início do lado B, com Lynott demonstrando seus dotes vocais, acompanhado pelo lento ritmo da guitarra, baixo e bateria, e “Return of the Farmer’s Son” (cujo início parece ter sido chupinhado pelo Deep Purple em “Highway Star”, lançada um ano depois), tem um riff grudento, com o baixo e a guitarra martelando na sua cabeça enquanto Lynott derrama emoção na letra da canção, além do primeiro solo de destaque feito por Bell. A malemolência inicial da curta “Clifton Grange Hotel” torna sua descrição confusa e inexplicável, em uma espécie de balada rock anos 50 com psicodelia, com destaque para as guitarras sobrepostas de Bell. O Thin Lizzy volta para as baladas folk em “Saga of the Ageing Orphan”, uma triste canção com um bonito arranjo de violões, encerrando Thin Lizzy com “Remembering”, uma faixa bem trabalhada, na qual o wah-wah de Bell destaca-se entre os momentos delicados e agitados que se alternam constantemente com o passar dos seis minutos de duração, onde o solo de Bell, sobrepondo guitarras, e o cavalgante baixo de Lynott, entre seus gritos ensadecidos e guitarras sobrepostas, são os pontos altos do LP, que apesar de ser bem simples, está no mesmo nível de outros discos de grupos de maior expressão dessa época. O primeiro relançamento em CD de Thin Lizzy, em 1990, apresentou mais quatro canções: “Dublin”, “Remembering Pt. 2”, “Old Moon Madness” e “Things Ain’t Workin’ Out Down at the Farm”, enquanto a versão remasterizada de 2010 trouxe nove bônus. Thin Lizzy mostra que os irlandeses ainda tinham uma longa trajetória para percorrer, estando apenas engatinhando lentamente para conquistar seu espaço entre os grandes nomes do rock. 

Shades of a Blue Orphanage [1972] 


Contando com a participação do músico Clodagh Simmons nos teclados e no mellotron, o trio Lynott, Bell e Downey ampliou o leque de experimentações de seu álbum de estreia no segundo disco, mesclando mais ritmos, como o funk, o blues, o folk irlandês e o hard rock. Shades of a Blue Orphanage abre com a percussão de Downey na longa introdução de “The Rise and Dear Demise of the Funky Nomadic Tribes”, que já vale o álbum. O riff de baixo e guitarra, pesadíssimo, acaba apresentando um delicioso funk, e a entrada da voz de Lynott supreende pela malemolência e suingue de uma ótima canção, que se dá o direito de conter um avassalador solo de bateria em seus minutos finais. A estranha introdução de “Buffalo Gal” reflete-se no riff inicial, mas a canção em si é uma singela balada, onde o principal destaque vai para as passagens de Bell . “I Don’t Want to Forget How to Jive” é uma curta faixa, que parece ter saído de uma jam session inspirada em algum rockabilly de Elvis Presley, enquanto “Sarah ” é uma pequena incursão na música clássica, onde o piano de Simmons e o violão de Bell, acompanhando a magistral interpretação vocal de Lynott, mostram como ele era habilidoso, seja nos vocais, tocando baixo ou como compositor. O lado A encerra-se com “Brought Down”, levada pelo violão de Bell, em outra importante composição de Lynott, alternando entre momentos amenos, inspirados pelo folclore irlandês, e outros mais agitados, com destaque para o solo de Bell, onde o riff da guitarra duela com o baixo, enquanto Bell sobrepõe guitarras em oitavas, dando indícios do que o Thin Lizzy faria anos depois. O lado B abre com a pesadona “Baby Face”, fincando um pé do Thin Lizzy no hard setentista e com o baixo de Lynott batendo de frente na cara do ouvinte, enquanto “Chatting Today” retorna aos violões e ritmos dançantes do folclore irlandês. “Call the Police” é outro grande hard, destacando mais um marcado riff entre baixo e guitarra, mas com muito suingue acompanhando a parte vocal. O LP encerra com a bonita faixa-título, sete minutos de um blues emocionante, tendo a participação destacada do mellotron, alternando as notas simples de um dedilhado de guitarra que acompanha a interpretação chorosa de Lynott, revelando-se cada vez mais um grande cantor. A versão remasterizada de 2010 veio com nove bônus, assim como seu antecessor. Em Shades of a Blue Orphanage, o Thin Lizzy começou a dar os primeiros passos para se tornar gigante entre os grandes do rock. 

Vale a pena também citar que, ainda em 1972, o trio, ao lado do tecladista Dave Lennox e do vocalista Benny White, formou o grupo Funky Junction, o qual registrou um único LP, em homenagem ao Deep Purple, batizado de Funky Junction Play a Tribute to Deep Purple, lançado em 1973, com destaque para as fiéis versões de clássicos como “Fireball“, “Hush”, “Speed King“, entre outras. Mais uma joia a ser buscada pelos fãs do grupo.

Vagabonds of the Western World [1973] 

Finalmente o som do Thin Lizzy começa a tomar forma. A criança agora já caminha com suas próprias pernas, adquirindo sua própria personalidade, sem mesclar tantos estilos. A guitarra ganha mais espaço e o lado folk é abandonado, privilegiando um som mais característico do rock setentista, com peso, riffs grudentos e muita adrenalina exalando de baixo, guitarra e bateria. Isso pode ser comprovado logo na abertura, com a dançante “Mama Nature Said”, na qual o slide de Bell dá um espetáculo à parte, ao lado do órgão do convidado Jan Schelhaas, também presente na embaladíssima “The Hero and the Madman”, que conta com a participação de Kid Jensen fazendo vocalizações no refrão e com um grande solo de Bell. Uma das melhores canções do Thin Lizzy vem na sequência, “Slow Blues”, na qual a guitarra, acompanhando a melodia vocal entre as batidas fortes de bateria, em um ritmo quase marcial, transforma-se em uma suingada canção com o andar da carruagem, deixando para “The Rocker” a tarefa de encerrar o lado A, assumindo também a posição de primeiro clássico do grupo, com um dos riffs mais conhecidos da carreira do grupo, e com outro belíssimo solo de Bell, levado pelas batidas de Downey e pelo acompanhamento avassalador do baixo de Lynott. A faixa-título abre o lado B com mais um riff grudento de baixo e guitarra, que parece ter saído de algum álbum do Black Sabbath, tamanho o peso, enaltecido no fantástico solo de Bell. “Little Girl in Bloom” é o momento calmo do LP, assemelhando-se à “Shades of a Blue Orphanage” ou “Saga of the Ageing Orphan” em determinados momentos, apesar da inovação com os vocais sobrepostos de Lynott cantando o refrão. Nela, você deve estar preparado para o longo sustain de guitarra e para o baixo forte de Lynott batendo em seu ouvido durante outro bom solo de Bell, que timidamente apresenta as guitarras sobrepostas tocando em oitavas no final da canção. O baixo entra demolindo em “Gonna Creep Up on You”, mais uma funkeada faixa criada por Lynott e cia., na qual Bell gasta o wah-wah com um riff pegajoso e dançante. “A Song for While I’m Away”, com um interessante arranjo de cordas feito por Fiachra Trench, mantém a tradição de encerrar os álbuns do Thin Lizzy sempre com uma canção marcante, dessa vez simples mas emotiva, quase como uma valsa, levada pelo baixo e violão e por uma interpretação única de Lynott. O relançamento de 1991 trouxe quatro bônus, entre elas a hoje clássica “Whiskey in the Jar”, que acabou ficando de fora do lançamento original, mas teve um relativo sucesso com o single em que foi lançada em 1972. Em 2010, o álbum recebeu uma versão dupla deluxe, trazendo o álbum na íntegra mais dez bônus no CD 1 e uma apresentação do grupo na BBC na época de lançamento do LP. Com certeza, esse é o primeiro grande álbum dos irlandeses, mas o grupo precisava alcançar a maturidade. Uma mudança deveria ocorrer na formação do grupo.

Nightlife [1974] 



Eric Bell acabou saindo do Thin Lizzy, sendo substituído pela dupla Scott Gorham e Brian Robertson. Nascia assim uma das principais duplas de guitarra, ao lado de K. K. Downing/Glenn Tipton (Judas Priest) e Andy Powell/Ted Turner (Wishbone Ash), eternizando momentos sagrados para o rock através das famosas guitarras gêmeas. Porém, Nightlife ainda é o ensaio de um grande álbum, misturando elementos da soul music, do funk e algumas pitadas de hard rock, sendo em geral um disco com muita sensualidade, contando com a participação de backing vocals femininos que contribuem bastante para isso, assim como arranjos especiais para cordas, feitos por Jerry Horrowitz, e pelos teclados de Jean Roussell. O suingue de “She Knows” abre o vinil, e nela é possível identificar uma pequena diferença em se tratando das guitarras, com cada músico fazendo seu breve solo. A faixa-título é um blues dinâmico, mantendo o suingue da faixa de abertura, e trazendo novamente as cordas para as canções do grupo. “It’s Only Money” já é mais hardeira, com o riff marcado das guitarras e baixo mostrando o lado pesado que o Thin Lizzy insistia em procurar. Logo após temos uma das melhores canções do grupo, a emocionante “Still in Love With You”, com Lynott dando mais um show de interpretação vocal, dividido com Frankie Miller, e com a participação mais que especial de Gary Moore fazendo o magistral solo de guitarra, como esperado de um dos maiores guitarristas da história do rock. “Frankie Carroll”, outra bela canção, com Lynott cantando acompanhado apenas por um bonito arranjo de cordas e piano, encerra o lado A de forma muito suave, deixando para o início do lado B “Showdown”, na qual o baixão de Lynott, acompanhado pela levada de Downey e do wah-wah da guitarra, constrói mais uma sensual canção para aquela noite de sábado, destacando os vocais femininos. A vinheta instrumental “Banshee” é uma bonita amostra do que as guitarras gêmeas eram capazes de fazer, em uma canção simples mas comovente, enquanto “Philomena” retorna ao som mais cadenciado, com o baixo de Lynott sendo a atração, dividindo o riff principal junto das guitarras gêmeas. A clássica “Sha La La” é o momento no qual as guitarras gêmeas se fazem mais presentes, com uma levada sensacional do baixo acompanhando o riff de tirar o fôlego, além da ótima levada de bateria. Os solos rasgados de Gorham e Robertson são a cereja do bolo dessa excelente faixa, disparado a melhor do disco, que se encerra com “Dear Heart”, outra mais amena, levada pelo órgão de Rousell e pelas cordas, que conclui um álbum mediano na discografia do Thin Lizzy, contrastando com a transição interna que o grupo atravessava. É necessário chamar a atenção também para a linda capa do álbum, uma obra de Jim Fitzpatrick, com uma pantera negra observando um entardecer, sendo essa pantera uma representação de Lynott. Nightlife receberá sua versão deluxe em março desse ano.

Fighting [1975] 



Finalmente o som do Thin Lizzy ganha forma. Em Fighting, Lynott, Gorham, Robertson e Downey definem o estilo que então consagraria o grupo como o mais importante do rock irlandês e um dos maiores no cenário mundial. Cada canção é uma pequena obra-prima do hard setentista, a começar pela clássica “Rosalie”, com seu riff grudento, tendo a participação especial de Roger Chapman (do grupo Family) nos backing vocals, em uma das canções mais Kiss que o Kiss nunca gravou. “For Those Who Love to Live” e seu ótimo trabalho elaborado pelas guitarras gêmeas amplia o horizonte de canções suingadas mas com o peso que não aparecia nos álbuns anteriores, destacando também as vocalizações de Lynott. O grupo resgata “Suicide”, a qual era apresentada nos shows quando ainda eram um trio, e que aqui recebeu o tratamento necessário para torná-la um dos grandes sons do grupo, onde as guitarras de Gorham e Robertson fazem a cadência perfeita para o baixo e para a voz de Lynott, acompanhados pela bateria sempre relevante de Downey, com a ponte central, onde todos executam um riff marcado, sendo um dos principais momentos do álbum, sendo copiado indecentemente por bandas como Iron Maiden, Def Leppard, Tygers of Pan Tang e outros da NWOBHM, além de um dos melhores solos feito pela dupla. A balada “Wild One” também possui outros momentos marcantes das guitarras gêmeas, principalmente no solo, mas acaba soando perdida entre os petardos iniciais do LP, que tem o lado A encerrado com outro clássico, “Fighting My Way Back”, com muitas variações em seu andamento. “King’s Vengeance” abre o lado B com um estranho riff, inspirado em Led Zeppelin, mas mantendo o pique que havia encerrado o lado A. Os timbres alucinantes de “Spirit Slips Away” compõem uma viajante canção, na qual as variações no botão de volume na guitarra de Robertson criam uma atmosfera inédita para os irlandeses. O tecladista do Faces, Ian McLagan, participa de “Silver Dollar”, a qual é uma representação fiel do som objetivado por Lynott para seu grupo, ou seja, uma mescla de suingue, peso e partes de guitarra bem trabalhadas, assim como “Freedom Song”, outra boa amostra do que era o som feito pelo Thin Lizzy a partir de Fighting, com as guitarras gêmeas duelando com o baixo. O álbum se encerra com “Ballad of a Hard Man”, que de balada só tem o nome, já que as guitarras de Gorham e Robertson despejam um hard fenomenal, comandado por uma cozinha impecável, empregando o suingue de Nightlife com muito peso, sendo esse o diferencial nos álbuns do grupo a partir de então. É impossível não destacar o belo solo com wah-wah feito por Robertson. Certamente, muito da influência que o Thin Lizzy deixou para a posteridade vem dos petardos impressos nos sulcos de Fighting, que saiu nos Estados Unidos com uma capa diferente da versão europeia, tornando-se mais um item de coleção para os fãs. Assim como NightlifeFighting também receberá sua versão deluxe em março deste ano.

Jailbreak [1976] 

Entrosados, o quarteto passou a compor uma canção melhor que a outra, atingindo em Jailbreak sua melhor forma. O álbum começa com a excepcional faixa-título, com um grudento refrão e com uma levada tipicamente Thin Lizzy. As guitarras são um espetáculo à parte em “Angel from the Coast”, uma canção veloz, na qual o baixo galopante de Lynott dá as caras, e claro, dê-lhe guitarras gêmeas. Tim Hinkley participa tocando órgão em “Running Back”, que também possui a participação de um saxofonista e de outros músicos de estúdio, em uma canção muito amena em comparação às duas iniciais, uma tentativa mal sucedida do grupo em gerar um hit nos Estados Unidos. Indignado com essa situação, o guitarrista Brian Robertson recusou-se a participar da mesma. O trem volta aos trilhos em “Romeo and the Lonely Girl”, mais uma tipicamente Thin Lizzy, com o baixo e as guitarras suingadas sendo os maiores destaques. “Warriors” conclui o lado A apresentando com mais destaque o baixo galopante de Lynott, tendo outro riff grudento das guitarras gêmeas, e com o vocal recheado de efeitos. O lado B abre com aquele que talvez seja o maior clássico na carreira do grupo, “The Boys are Back in Town”, que desde sua concepção, nasceu para isso. O riff simples (teria Tony Iommi o copiado em “Never Say Die”?), a melodia grudenta, a interpretação fenomenal de Lynott, as guitarras gêmeas na ponte central e o refrão mais que acessível, alavancaram as vendas de Fighting, tornando o Thin Lizzy mundialmente conhecido. “Fight or Fall” diminui o ritmo, com um bonito arranjo das guitarras e com Lynott consolidando-se como um dos principais baixistas e compositores de sua geração. Não dançar ao som de “Cowboy Song” é para surdos, ou nem isso, já que o ritmo da canção por si só pode embalar as pernas e os braços do ouvinte. “Emerald” encerra um álbum essencial com seu riff pesadíssimo, naquela que considero a melhor canção do grupo, na qual o riff das guitarras e do baixo na ponte central da canção, além de uma distorção precisamente suja e com efeitos, hipnotizam e conquistam qualquer admirador do hard setentista, levando o mesmo ao êxtase no sensacional duelo de guitarras durante o solo que conclui a canção. Fantástica e absolutamente perfeita! Em 2011, Jailbreak recebeu uma edição deluxe, trazendo um CD bônus com mixagens alternativas e versões ao vivo para a rede de televisão BBC, de 1976. Sem dúvida, Jailbreak é O DISCO para se iniciar no mundo do Thin Lizzy, mas não o único, já que ainda em 1976 os irlandeses gerariam outro grande álbum

Discografias Comentadas: Thin Lizzy – Parte II

 




Johnny the Fox [1976]
Como se não fosse suficiente ter lançado um álbum magnífico em 1976, o Thin Lizzy lançou dois! Tendo sido forçado a abortar a turnê para Jailbreak na metade em função de uma hepatite contraída por Phil Lynott, a banda retomou antes do planejado os trabalhos para sua sequência, o igualmente clássico Johnny the Fox. Azeitada como nunca, a máquina que conduzia o grupo continuou produzindo material de qualidade em grande profusão, resultando em um álbum que uniu com propriedade o típico peso do hard rock a um groove irresistível, que diferenciava o Thin Lizzy da grande maioria das bandas europeias do gênero. A obsessão de Phil para com os Estados Unidos em suas letras continua em Johnny the Fox, presente em músicas como “Fool’s Gold” e “Massacre”, esta última, aliás, prova incontestável da influência exercida pelo Thin Lizzy nas bandas da NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal), dotada de riffs espertíssimos e de uma condução digna do talento de Brian Downey, um dos mais injustamente esquecidos bateristas que o rock já revelou. Não à toa, um dos maiores grupos de heavy metal de todos os tempos, o Iron Maiden, já homenageou o Thin Lizzy coverizando essa canção. A execução de riffs unindo baixo e guitarras como apenas um instrumento permeia a ótima “Johnny”, pontuada por ótimos solos dos guitarristas Scott Gorham e Brian Robertson, enquanto “Rocky” traz a história de um presunçoso rock star (que supostamente seria Robertson) através de uma canção pesada e rica nas dobras de guitarra que tornaram-se característica marcante do Lizzy. Brian Robertson também é o coescritor de “Borderline”, lamento de um homem rejeitado na forma de uma bela balada sem um pingo de breguice. O hit do disco surge através da curta “Don’t Believe a Word”, dona de um riff simples porém hipnótico, denotando as saudáveis influências blues carregadas por Phil. “Fool’s Gold” é exemplo de como não são necessárias canções épicas para narrar fatos históricos, apresentando a fuga em massa de irlandeses para os Estados Unidos em função da fome atravessada durante o século XIX. A malandragem típica de Phil encontra sua maior manifestação em “Johnny the Fox Meets Jimmy the Weed”, apresentando, sob um instrumental cheio de balanço, algo que pode ser definido como um rap primitivo. O lado mais melódico do Lizzy manifesta-se novamente em “Old Flame” e “Sweet Marie”, mas a finalização do disco se dá com a grooveada “Boogie Woogie Dance”, na qual Lynott e Downey constroem uma sólida base para os vôos guitarrísticos de Gorham e Robertson, carregados de efeitos. Johnny the Fox é ótimo de cabo a rabo, garantia de uma audição prazerosa, clamando pelo repeat.
Bad Reputation [1977]
É praticamente impossível definir qual meu álbum favorito do Thin Lizzy, tendo em vista a grande qualidade expressa de Fighting (1975) a Black Rose (1979), mas Bad Reputation traz aquela que possivelmente é minha canção favorita do grupo, a esplêndida “Opium Trail”, belo exemplo da simbiose entre as guitarras e o baixo de Phil na construção de riffs marcantes e bases perfeitas para que o vocalista expresse seu apurado senso melódico ao microfone, construindo linhas vocais que fogem de clichês e refletem seu talento. Como a capa do disco denota, o errático Brian Robertson se fez ausente na maior parte das sessões de gravação, contudo, o trabalho foi extremamente bem preenchido por Scott Gorham, algo nítido desde as belas melodias executadas na guitarra em “Soldier of Fortune” até suas sensíveis mas certeiras intervenções na derradeira “Dear Lord”. A faixa-título, além de apresentar uma letra que se encaixa perfeitamente à condição do Lizzy na época, é perfeito exemplo da união única de peso e groove que a banda praticava com tanta maestria na segunda metade dos anos 70, sem falar nas encaixadíssimas viradas de bateria executadas por Brian Downey. “Southbound” e “Dancing in the Moonlight” trazem uma sensibilidade pop invejável; a primeira através de agradáveis melodias executadas na guitarra, “conversando” com o vocal de Phil, enquanto a segunda apresenta um irresistível convite ao balanço, inclusive trazendo como complemento o estalar de dedos e a presença de um bem vindo saxofone. A criatividade do grupo não para por aí, pois “Killer Without a Cause” une com naturalidade riffs heavy metal, bases executadas ao violão e o uso do voice box, cortesia de Robertson. “Downtown Sundown” acalma os ânimos, mas “That Woman’s Gonna Break Your Heart” recoloca os níveis de adrenalina no alto, com seu marcante riff principal, que serve de perfeita cama para as linhas vocais de Lynott. Brian Robertson acabaria deixando o Thin Lizzy definitivamente após a turnê para Bad Reputation, sendo substituído por um velho conhecido, mas ainda deixaria sua marca em Live and Dangerous (1978), álbum duplo ao vivo compilando faixas apresentadas sobre os palcos durante 1977. Pode ser que o disco, como denotam muitos rumores, tenha sofrido uma grande série de overdubs em estúdio, mas a verdade é que, mesmo assim, trata-se de um dos melhores registros ao vivo de uma grande banda, apresentando material de qualidade irrepreensível.
Thin Lizzy em 1979: Brian Downey, Scott Gorham, Phil Lynott e Gary Moore
Black Rose: A Rock Legend [1979]
Após duas passagens pelo grupo que acabaram não rendendo um álbum, finalmente Gary Moore registrou devidamente sua presença na discografia do Thin Lizzy, com aquele que é tido como o último registro verdadeiramente clássico do grupo, o inspirado Black Rose. Variado, o disco apresenta desde canções essencialmente roqueiras, como “Toughest Street in Town” e “Get Out of Here”, até momentos de fina delicadeza, elevada ao máximo em “Sarah”, suave canção escrita a respeito da então recém-nascida filha de Phil Lynott (“Sarah” ainda traz a harmônica de Huey Lewis, que ficaria famoso nos anos 80 com a banda Huey Lewis and the News). No meio disso tudo, ainda havia espaço para as percussivas “Do Anyting You Want To” e “S&M”, além das sempre bem vindas características pop do Lizzy, dosadas com sapiência na magistral “Waiting For a Alibi”, que mesmo assim é conduzida pelas guitarras de Gorham e Moore, despejando licks e solos que emprestam um dinamismo invejável à música. “With Love” une texturas de guitarra e violão de maneira agradabilíssima e ainda traz a presença do amigo Jimmy Bain (Rainbow, Dio) no baixo. Apesar do alto nível geral, o maior destaque do álbum é sua épica faixa-título, um compêndio de canções tradicionais irlandesas arranjadas por Lynott e Moore, imprimindo um exótico toque celta ao hard rock do Thin Lizzy, além de destacar o absurdo talento de Gary para construir solos de alto nível. É sintomático que, no track list, logo após “Sarah”, homenagem à sua filha, Phil admita, através da letra de “Got to Give It Up”, que precisava largar os vícios que estavam consumindo sua vida. Infelizmente, o baixista e vocalista ainda lutaria muito contra esses demônios, que acabariam afetando negativamente a música produzida posteriormente pelo Lizzy.

Chinatown [1980]

Cansado dos excessos cometidos durante a turnê para Black Rose, Gary Moore deixou o grupo e foi substituído por Snowy White (Pink Floyd). Além disso, o jovem tecladista Darren Wharton juntou-se extra-oficialmente ao Thin Lizzy, transformado então em um quinteto. Muitos creditam à entrada de White, um guitarrista dono de uma pegada mais bluesy, não muito chegado a sonoridades mais pesadas, o fato de Chinatown ser um tanto inferior a seus predecessores, mas a verdade é que diversos detalhes contribuíram para isso, incluindo a produção mais “magra” e o próprio desinteresse de Phil Lynott, que lançou por sua conta, no mesmo ano, o disco Solo in Soho. Além disso, seu vício em drogas pesadas, assim como o de Scott Gorham, atingia níveis cada vez mais perigosos. Mesmo assim, Chinatown é recheado de momentos tipicamente Lizzy, como as belas dobras de guitarra em “We Will Be Strong”. O lado mais pesado do grupo aparece na boa faixa-título, em “Killer on the Loose” e no destaque “Genocide (The Killing of the Buffalo)”, mas acaba atenuado pela produção, executada pelo grupo ao lado de Kit Woolven. “Having a Good Time” é uma divertida canção de letra despretensionsa, na qual Phil inclusive introduz seus guitarristas pelo nome antes de seus solos. As sempre presentes ambições pop de Phil manifestam-se através da agradabilíssima “Sweetheart” e na balada “Didn’t I”, enquanto o hard suingado dá as caras em “Hey You” e “Sugar Blues”, dona de uma letra que é mais uma clara referência aos vícios de Lynott, dessa vez a heroína. É necessário destacar a capa de Chinatown, um dos diversos e belíssimos trabalhos feitos pelo ilustrador Jim Fitzpatrick para o grupo, junção que uniu imagem e música como em poucas outras bandas de rock.

Thin Lizzy com Snowy White, segundo da esq. para a dir.

Renegade [1981]

Tido por muitos críticos e fãs como o álbum mais fraco da carreira do Thin Lizzy, Renegade pode não fazer jus aos discos lançados na segunda metade dos anos 70, mas não fica devendo a Chinatown em termos de qualidade. Na verdade, a abertura com a praticamente heavy metal “Angel of Death”, coescrita pelo agora oficializado Darren Wharton, eleva as esperanças, mas elas são frustradas pela faixa-título, que alterna bons momentos com outros mais capengas. “The Pressure Will Blow” traz um bom trabalho de Scott e Snowy, mas os vocais de Phil soam sem a mesma audácia de poucos anos atrás. Contudo, isso não quer dizer que o álbum decepcione: o rock suingado de “Leave This Town” empolga, e “Hollywood (Down on Your Luck)” tinha tudo para se tornar um clássico da então crescente NWOBHM, mas acabou tendo suas qualidades um tanto atenuadas pela produção lustrosa em excesso. “Fats” homenageia o cantor e pianista norte-americano de rhythm ‘n’ blues Fats Domino, também um dos precursores do rock ‘n’ roll, e expressa sua influência através de um instrumental malandro e cheio de balanço. O disco encerra-se em alta com “It’s Getting Dangerous”, boa canção, mas que merecia ser melhor trabalhada. Você pode ler uma resenha mais detalhada de Renegade nesse link.

Thunder and Lightning [1983]

O último lançamento de estúdio do Thin Lizzy conseguiu demonstrar um gás renovado, muito disso devido à entrada do talentoso guitarrista John Sykes no lugar de Snowy White, uma jovem promessa proveniente de uma das melhores bandas reveladas pela NWOBHM, o Tygers of Pan Tang. Darren Wharton também se faz presente com mais personalidade, algo bem claro desde a introdução ao teclado para a faixa-título, que abre o álbum, logo acompanhada do ataque selvagem às guitarras de Sykes e Gorham, de uma maneira que o Lizzy não fazia tão bem desde Black Rose. Apesar de ter sido produzido por Chris Tsangarides, o mesmo profissional que cuidou do polido Renegade, dessa vez o álbum soa mais agressivo, perigoso como a banda sempre deveria ser. Mesmo sendo um disco menos variado que outros destaques de outrora, o investimento no lado mais direto e roqueiro é muito bem vindo, pois gerou diversas ótimas faixas, como “This Is the One”, “Heart Attack”, e, mais especialmente, a excelente “Cold Sweat”, movida a riffs de guitarra, colocando o Thin Lizzy para concorrer com os grupos que despontaram durante o ápice da NWOBHM. Outra boa contribuição de Darren Wharton é “The Sun Goes Down”, permeada por texturas geradas por seus teclados, e muito provavelmente a mais atípica canção do álbum. “The Holy War” traz um bom desempenho dos guitarristas e a marca registrada de Sykes, enquanto “Bad Habits” lembra o Thin Lizzy setentista, criador de músicas que injetavam uma forte dose de melodia através de sua dupla de guitarristas. Outra boa faixa é “Baby Please Don’t Go”, ajudando a tornar Thunder and Lightning ainda mais empolgante.

A última formação: Brian Downey, John Sykes, Phil Lynott, Scott Gorham e Darren Wharton

A derradeira turnê do Thin Lizzy resultaria no registro duplo ao vivo Life Live (1983), congregando, entre seu track list, algumas faixas reunindo os guitarristas que já haviam passado pelo grupo (exceto Snowy White), extraídas de uma jam ocorrida em um show no Hammersmith Odeon, em Londres. Certamente não se trata de um registro de qualidade tão elevada quanto Live and Dangerous (1978), mas acabou servindo como uma despedida não apenas do Lizzy, mas de Phil Lynott, que viria a falecer em 4 de janeiro de 1986, em decorrência dos anos de abuso que debilitaram em excesso sua saúde. Phil pode ter abandonado esse mundo há 26 anos, mas o legado musical, o carisma e a sagacidade desse verdadeiro fora-da-lei do rock ainda serão lembrados durante muito tempo. Outras versões do Thin Lizzy já deram as caras desde os anos 90, incluindo antigos membros e mais uma série de músicos talentosos, mas não é segredo para ninguém que, apesar de toda a qualidade demonstrada nessas empreitadas, o verdadeiro Thin Lizzy deixou de existir em 1983. The boys won’t be back in town anymore

Destaque

Eric Clapton - Jesus Coming (2001)

  CD 1  1. Introduction (2:16)  2. Layla (7:17)  3. Bell Bottom Blues (6:49)  4. Key To The Highway (9:45)  5. Massachusetts Jam (9:00)  6. ...