terça-feira, 5 de novembro de 2024

Review: Manilla Road - Open the Gates (1985)

 


Quarto álbum da banda norte-americana Manilla Road, Open the Gates é um dos discos mais cultuados do heavy metal dos anos 1980 e possui uma legião de fãs aqui no Brasil. Sabendo disso, a Hellion Records relançou o título em CD, para alegria de quem coleciona e quer conhecer mais sobre uma banda pouco falada e sobre um dos períodos mais criativos da música pesada.

Na época, o Manilla Road havia trocado de baterista, e Open the Gates marcou a estreia do novo dono do posto, Randy Foxe, que substituiu Rick Fischer. O disco soa como uma evolução de seu predecessor, Crystal Logic (1983), e apresenta uma sonoridade mais pesada e muito mais épica do que os dois primeiros trabalhos do grupo, que tinham uma pegada mais hard rock. Essa nova abordagem se reflete nas músicas, que em sua maioria foram inspiradas nas lendas arturianas e nos mitos nórdicos, explorando um direcionamento lírico que seria comum nos anos seguintes em grande parte da cena power metal.

O álbum possui uma sonoridade bem crua, com os instrumentos, notadamente a bateria, bem na cara. É algo bem longe da sonoridade atual das bandas de metal, com menos graves e muito menos recursos do que estamos habituados a encontrar no metal moderno. Há uma certa similaridade com gigantes da NWOBHM como Iron Maiden e, principalmente, o Saxon. A proximidade entre as duas bandas é bastante evidente no período, com o Manilla Road soando quase como uma banda irmã do Saxon.

As faixas mostram um heavy metal clássico e técnico, com ideias imaginativas e bem elaboradas e com a maioria dos ingredientes que iriam fazer nascer, pouco tempo depois, o power metal. Não é errado imaginar que os músicos do Helloween, por exemplo, tenham colocado os ouvidos em Open the Gates


O trabalho de guitarra do também vocalista Mark Shelton é um destaque onipresente, com bons riffs e ótimos solos, que invariavelmente se desdobram em belas melodias. Nas faixas mais agressivas, como a abertura com “Metalstrom”, o Manilla Road chega até mesmo a se aproximar da nascente cena thrash metal da época. Há lindos momentos em Open the Gates, como a arrepiante “The Ninth Wave”, “Heavy Metal to the World” (com um clima bem Motörhead e com uma pegada super agressiva) e o encerramento com a climática e atmosférica “Witches Brew”.

A bela capa, criada pelo artista Eric Larnoy, também merece elogios.

A edição lançada no Brasil pela Hellion Records vem com o áudio remasterizado e três faixas bônus: “Touch the Sky (Early Rehearsal)”, “Witches Brew (Live 1987)” e “Weaver of the Web (Live 2011)”. 

Se você é fã de heavy metal, aqui está um CD imperdível para a sua coleção.



Review: Trouble - Psalm 9 (1984)


Junto com o debut do Saint Vitus - que saiu em fevereiro de 1984 -, Psalm 9, estreia da banda norte-americana Trouble, é considerado um dos primeiros discos de doom metal da história. O álbum, cujo título original era apenas Trouble, chegou às lojas no dia 10 de março de 1984 e, 34 anos depois, segue soando impressionante.

Tenho uma teoria sobre o doom metal. Para mim, o gênero nasceu de um único LP gravado e lançado em 1971: Master of Reality, terceiro disco do Black Sabbath. Todas as características do estilo estão nas oito faixas do LP da banda de Tony Iommi: os riffs arrastados, a melancolia, os andamentos mais lentos, as explosões sonoras, o desespero e a angústia vocal, e também a contrastante facilidade com que elementos tão sombrios e agressivos conseguem, unidos, dar vida à uma sonoridade que agrada de imediato e soa, sim, acessível.

Psalm 9 vem com oito faixas e uma música bônus, que é a versão para “Tales of Brave Ulysses”, do Cream - a gravação original está em Disraeli Gears, lançado pelo trio inglês em 1967. O disco apresentou ao mundo o quinteto formado por Eric Wagner (vocal), Bruce Franklin (guitarra), Rick Wartell (guitarra), Sean McAllister (baixo) e Jeff Olson (bateria). A influência do Black Sabbath é onipresente, e é sentida desde a construção dos riffs - sempre pesadíssimos - até a estrutura das músicas. 

Totalmente alheia ao que rolava no metal dos anos 1980, o Trouble olhou para o passado e reapresentou a sonoridade clássica do gênero para uma nova geração de ouvintes. O curioso é que a banda contrastava com o Sabbath em apenas um aspecto: as letras. Enquanto temas sombrios, magia negra e pactos com o demônio eram escritos por Geezer Butler e cantados por Ozzy Osbourne, no Trouble a história era exatamente oposta: as letras de Psalm 9, a começar pelo título, colocam Deus em primeiro plano e exploram desde o combate com seus inimigos - “The Fall of Lucifer” - até questões mais transcendentais e espirituais, como em “Revelations (Life or Death)”.

Apesar de aclamado pela crítica, Psalm 9 não alcançou sucesso entre o grande público, o que não foi surpresa alguma, já que ele trazia uma pegada totalmente oposta ao que estava rolando no metal em meados dos anos 1980. O único single do disco foi “Tales of Brave Ulysses”, que foi desconstruída pela banda e ganhou uma roupagem doom e pesada de cair o queixo.

Na história do metal, poucos discos são associados de maneira direta e de forma tão contundente com o surgimento de um estilo quanto Psalm 9. O doom metal realmente nasceu aqui, e três décadas após o seu lançamento o álbum continua incrível.

Resumindo: um disco obrigatório em qualquer coleção de metal que se preze.



Review: Lynyrd Skynyrd - Free Bird: The Movie (1996)

 

Uma das bandas mais cultuadas do rock, o Lynyrd Skynyrd tem uma história trágica. Dia 20 de outubro de 1977, apenas três dias após o lançamento do ótimo álbum Street Survivors, que vinha na esteira do duplo ao vivo One More From the Road (1976) e que consolidou o Skynyrd como um dos maiores nomes do rock norte-americano, o avião da banda caiu a caminho de um show na Universidade da Louisiana, matando o vocalista Ronnie Van Zant, o guitarrista Steve Gaines e a sua irmã, Cassie Gaines, que fazia backing vocals para o grupo, além do manager Dean Kilpatrick e os dois pilotos.

Lançado no dia 8 de agosto de 1996, quase dez anos após o acidente, Free Bird: The Movie é a trilha sonora do documentário homônimo, que conta a carreira do grupo intercalado com imagens de diversos shows (com destaque para a apresentação no Knebworth Festival de 1976, abrindo para os Rolling Stones, onde tocaram em um palco em forma de língua e roubaram o show).

Todo o áudio de Knebworth foi restaurado pelo produtor Tom Dowd, o mesmo do clássico One More From the Road, enquanto as versões de "What's Your Name" e "That Smell", gravadas no Convention Hall de Asbury Park, em New Jersey, precisaram de overdubs de baixo, levando Leon Wilkinson a refazer as suas partes em estúdio.

Contraditoriamente, o vídeo continua inédito no Brasil (na época do seu lançamento, o VHS podia ser encomendado diretamente pelo site oficial da banda), enquanto que o CD ganhou versão nacional logo após o lançamento americano, em 1996.

Falar de um show do Lynyrd Skynyrd, o maior nome do southern rock, com a banda no auge durante a turnê de um dos seus melhores álbuns, é covardia. O disco é um desfile de clássicos e abre com "Workin' For MCA", seguida de "I Ain't the One" e de um dos destaques do play, "Saturday Night Special", onde podemos sentir na pele todo o poder do paredão de guitarras formado por Gary Rossington, Allen Collins e Steve Gaines (só para constar: quando o Iron Maiden anunciou o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith ao grupo em 1999, Steve Harris declarou não lembrar de nenhuma banda que tivesse feito algo relevante com três guitarras, com exceção do Lynyrd Skynyrd. O velho 'Arry sabe das coisas ...).

Como uma máquina do tempo que nos leva de volta ao passado, "Whiskey Rock-A-Roller" e a matadora "Travelin' Man" (outro destaque em um show repleto de pontos altos) fazem você se sentir no meio da multidão.

"Travelin' Man", aliás, merece um parágrafo a parte. Uma das melhores canções do grupo, tem a sua raiz em uma linha de baixo matadora de Leon Wilkinson, com as guitarras entrando aos poucos e se interligando completamente, como se, ao invés de três guitarristas, o Lynyrd Skynyrd tivesse apenas um, com três braços tocando dezoito cordas. De arrepiar.


As versões de "What's Your Name" e "That Smell" presentes aqui, apesar dos overdubs já citados, estão comprometidas pela qualidade do áudio, o que é uma pena, porque, além de ótimas composições, possuem um valor histórico muito grande, já que são um dos últimos registros ao vivo do grupo. Mas, mesmo assim, é um prazer incrível ouvir o solo inspiradíssimo de "That Smell", onde, mais uma vez, as guitarras de Rossington, Collins e Gaines formam uma parede sonora ao mesmo tempo poderosa e belíssima.

"Gimme Three Steps", a versão para "Call Me The Breeze" de J.J. Cale e "T For Texas (Blue Yodel No. 1)" abrem caminho para um encerramento sensacional, com os dois maiores clássicos do Skynyrd: "Sweet Home Alabama" e "Free Bird".

Marca registrada do grupo, "Sweet Home Alabama" foi gravada como uma resposta a "Southern Man" de Neil Young (do álbum After the Gold Rush, de 1970), crítica feroz do artista canadense ao comportamento racista tradicional encontrado tradicionalmente no sul dos Estados Unidos, pivô de diversos conflitos raciais e local de origem de associações como a Ku Klux Klan. Essa música encerra o registro do show do grupo em Knebworth.

Já "Free Bird" foi gravada em um estádio lotado durante o evento Day on the Green, no dia 3 de julho de 1977, alusivo à independência norte-americana, e traz uma emoção palpável. Quem assistiu ao vídeo lembra do estado do público, que parecia estar em transe coletivo enquanto a banda executava a música. Esse clima também pode ser sentido no registro em CD, onde o grupo toca o seu maior hino de maneira perfeita, com destaque para o pequeno solo improvisado pelo pianista Billy Powell e, é claro, para a guitarra de Allen Collins, que durante mais de seis minutos toca alucinadamente, em um dos maiores solos da história do rock.

Fechando o disco temos uma versão de "Dixie", canção que é considerada quase um hino sulista, executada pelo artista Bruce Brown.

Quem quer entender o rock and roll e suas transformações em mais de cinquenta anos de vida precisa conhecer certas bandas, certos álbuns e certas músicas. Free Bird: The Movie mostra um dos maiores grupos dos anos 1970 no auge, com a sua melhor formação (Ronnie Van Zant no vocal, Gary Rossington, Allen Collins e Steve Gaines nas guitarras, Leon Wilkinson no baixo, Billy Powell no piano e Artymus Pyle na bateria), tocando em um de seus últimos shows. Precisa de mais algum motivo para ter este disco?




Edu Lobo - Camaleão (1978)


Produzido por Sérgio de Carvalho, sob a direção musical de Lobo, Camaleão é disco centrado nas parcerias de Lobo com o poeta Antônio Carlos de Brito (1944- 1987), o Cacaso, letrista de seis das 10 músicas. Branca Dias, Coração noturno e Descompassado são cantadas somente por Lobo. Já Lero lero, Canudos e Sanha na mandinga têm o reforço vocal do Boca Livre, grupo que então dava seus primeiros passos na cena indie do Rio de Janeiro (RJ). Nome recorrente na ficha técnica de Camaleão, o quarteto carioca também figura na regravação de O trenzinho do caipira (Heitor Villa-Lobos com letra do poeta Ferreira Gullar), faixa orquestrada com cordas arranjadas por Dori Caymmi.

Faixas do  álbum:
01. Lero-Lero
02. O Trenzinho Do Caipira (Bachianas Brasileiras Nº 2 - Tocata)
03. Coração Noturno
04. Canudos
05. Camaleão
06. Sanha Na Mandinga
07. Branca Dias
08. Bate Boca
09. Descompassado
10. Memórias De Marta Sare




Baden Powell - Tristeza on Guitar (1966)


O repertório não é de forma alguma caracterizado pela tristeza, pois o título pode fazer com que alguém acredite. Abrange um espectro sublime que vai desde uma sensação ritual até uma atmosfera exuberante de carnaval. Baden veste a peça de título, o famoso samba agridoce de Haroldo Lobo e Niltinho, em uma sucessão virtuosa de variações. Ele modela o tema Manhã Carnaval do filme Orfeu Negro em uma celebração ritualística da dor. As peças dedicadas aos deuses do Candoblé Afro-Brasileira (Canto de Xangô e Canto Ossanhai) são centrais para o  álbum. São originários do ciclo musical “Afro-sambas” concluído quatro anos antes; aqui floresceram à perfeição.

Faixas do álbum:
01. Tristeza
02. Canto De Xangô
03. Round About Midnight
04. Saravá
05. Canto De Ossanha
06. Manha De Carneval
07. Invenção Em 7 1/2
08. Das Rosas
09. Som Do Carnaval
10. O Astronauta




Amelinha - De Primeira Grandeza - As Canções de Belchior (2017)

 


A cantora cearense Amelinha gravou no estúdio Canto da Coruja, em Piracaia, interior de SP, um  álbum dedicado à obra de Belchior, seu conterrâneo e contemporâneo. A produção é de Thiago Marques Luiz, que já trabalhou em "Janelas do Brasil" (2012), o mais recente trabalho da cantora.Amelinha é acompanhada pelos músicos Caio Lopes (bateria), Fabá Jimenez (guitarra e violão), Ricardo Prado (teclado, baixo e sanfona) e Estevan Sincovitz (guitarra, violões e baixo), diretor musical do álbum.Para o repertório foram escolhidos clássicos como “Palo Seco” e "Paralelas" e também músicas menos conhecidas, como "Passeio" e "Incêndio”.

Faixas do álbum:
01. De Primeira Grandeza
02. Paralelas
03. Alucinação
04. Passeio
05. A Palo Seco
06. Mucuripe
07. Comentário a Respeito De John
08. Na Hora Do Almoço
09. Princesa Do Meu Lugar




Chicago - Live In Toronto 1969 (1992)

 


Embora possa ser difícil de acreditar agora, no final dos anos 60 e início dos anos 70 Chicago era uma espécie de fenómeno. Seu LP de estreia. b'Chicago Transit Authority', foi certificado como platina nos EUA, algo que nenhum outro artista da CBS jamais havia alcançado, embora o selo ostentasse nomes como Bob Dylan e Simon & Garfunkel. O segundo, intitulado simplesmente 'Chicago', repetiu o sucesso comercial do primeiro, e os singles de ambos venderam fortemente em ambos os lados do Atlântico.

Com o passar do tempo, a música deles suavizou e o interesse diminuiu, a aclamação da crítica se transformou em críticas e, embora Chicago tenha continuado a gravar durante os anos setenta e oitenta, eles nunca recuperaram a emoção gerada por esses primeiros lançamentos. Todos, exceto um, da formação original da banda vieram da cidade que lhes deu o nome. Seus primeiros dias passaram despercebidos nos bares e clubes sombrios do Centro-Oeste, mas uma mudança para a costa oeste em 1968 foi crucial para seu sucesso posterior.

Aqui eles se uniram a James William Guercio, que estabeleceu suas credenciais através do trabalho de produção com Blood, Sweat and Tears. Guercio não apenas garantiu as datas da banda em locais prestigiados da costa oeste, mas também negociou o contrato de gravação com a CBS. A cena política volátil do final dos anos 60 proporcionou o outro elemento-chave do seu sucesso. Durante 1968, os protestos contra o envolvimento dos Estados Unidos no Vietname estavam no seu auge e a tensão racial estava no auge.

As manifestações fora da Convenção Democrata em Chicago transformaram-se em tumultos em grande escala quando a polícia usou gás lacrimogéneo e cassetetes para dispersar a multidão. Gravações de manifestantes foram incorporadas a um dos números do LP de estreia de Chicago. e este movimento, aliado a letras informadas pela retórica revolucionária da época, completou a sua identificação tanto com a sua cidade natal como com a contracultura. A música deles tinha um toque emocionante e inovador, e foi provavelmente a tentativa mais bem-sucedida de casar os diversos elementos do jazz, do rock e do soul branco.

Seus arranjos precisos de metais misturados com longos solos de guitarra de jazz atraíram um público do final dos anos 60 em constante busca por um som mais sofisticado. Esta gravação de uma das primeiras apresentações ao vivo em um dos famosos festivais de rock de Toronto fornece evidências da habilidade e do poder da banda.

No palco, embora obviamente procurassem reproduzir os arranjos muitas vezes complexos que chegavam ao estúdio, nunca tiveram medo de se soltar e explorar as possibilidades do lado mais jazzístico de sua música. Interpretações fiéis de seus singles de sucesso '25 Or 6 To 4', 'Does Anybody Really Know What Time It Is? e 'I'm A Man' escrita por Steve Winwood contrasta com a abordagem de improvisação mais solta empregada em 'Liberation', a música que fecha o set.

As texturas mutáveis ​​deste longo instrumental são sintetizadas pela guitarra emocionante de Terry Kath - um componente-chave do som característico de Chicago e que infelizmente se perdeu para sempre com sua morte em um acidente com arma de fogo em 1978. Qualquer pessoa que goste dos primeiros trabalhos de Chicago apreciará esta oportunidade. ouça a banda apresentar essas versões incríveis de seus números mais amados. Sua mistura única de estilos musicais muito diferentes se destacou de quase todos ao seu redor - à sua maneira distinta, Chicago foi uma pequena revolução.



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