sábado, 4 de janeiro de 2025

Caifanes - "El Nervio del Volcan" (1994)

 

“Que tristes seios tem Carmela;
o silicone lhe rompeu o coração.
E agora chora como Ernesto,
que se castrou por lhe faltar o amor”
Avientame - Saul Hernandez

 “Rock Latino? Ah sim, Santana, Charly Garcia, Soda Stereo, Fito Paez, ah, tem também aquela banda mexicana” e eu fico esperando falarem Caifanes e dizem sempre “Maná”. Impressionante como desconhecemos a imensidão musical da América Latina em seu cenário roqueiro. Uma de suas bandas fundamentais e fundadoras é o caso dos Caifanes.
Banda que lançou seu primeiro disco chamado Caifanes em 1988, muito baseado na fase "Pornography" do The Cure (na temática, visual e na sonoridade, escutem “Será Por Eso”) este disco tem a cumbia mais vendida no mundo, “La Negra Tomasa”. Com seu segundo disco "El Diablito", de 1990, mostra uma banda muito mais coesa e em crescimento musical com grandes músicas como “El Negro Cósmico” e “Los Dioses Ocultos”.
Fazem mais um disco que comparando com o The Cure seria o "The Head on The Door", com vários hits, mas sem uma unidade conceitual, um fio condutor que os orientasse. “Nubes”, “Debajo de Tu Piel”, “No Dejes Que” e pelo menos outros 3 clássicos estão nesse disco. “Mas e porque tu não fala desse disco então ?”. Porque nem sempre o disco que tem mais hits é o melhor disco de uma banda.
A formação que gravou o disco:
(da esq. para a dir.)
Alejandro, Alfonso e Saul
Em seu quarto e último disco, "El Nervio del Volcan", os Caifanes cometem sua obra-prima. Curiosamente, neste disco, perdem seu tecladista e seu baixista que haviam feito parte dos 3 discos anteriores, da formação original. É um disco basicamente feito em cima do trio Saul Hernandez (compositor, guitarrista), Alfonso André (baterista) ambos mexicanos e do argentino Alejandro Marcovich (guitarrista).
Já na primeira faixa, “Afuera” com muita habilidade musical, abrem e apresentam a principal caracteristica desse disco: É um disco de guitarras. Mas não de solos intermináveis, e sim do diferente uso que uma guitarra pode ter em canções. Em seguida e um pouco mais acelerada, vêm “Miedo”, destaco nessa faixa a bateria metronômica de Alfonso André. “Aqui no es Asi” é o exemplo de uma música baseada em um solo de guitarra em looping que faz a base para a letra de Saul. Depois de 3 rocks, uma balada com violões, e percussão chamada “Ayer me Dijo un Ave”. Mais uma música e em seguida chegamos ao ápice instrumental e musical desta banda com a canção “Avientame”. Letra belíssima que vale a pena ser escutada e traduzida. Guitarra na medida certa, bateria com batida latina, mas sem aquela latinidade de turista. Logo depois vem “Animal”, com espírito de ensaio de estúdio, com direito a gritos de “vamosnos” e muita guitarra distorcida. Depois vem “Quisiera ser Alcohol” que tem uma das mais belas frases de Saul “Quisera ser álcool para evaporar-me em teu interior”. “Nunca me Cai” é uma das canções dos Caifanes que mais me emociona, talvez por ela ser simples com uma letra direta “pero no nunca me caí, nunca te arrastré, seguimos aquí”. Mais 2 músicas e termina o disco.
Porque esse disco é fundamental ? Porque mostra uma banda no seu melhor momento musical e criativo e apresenta uma síntese do que anteriormente era conhecido como “rock latino” e aponta caminhos que foram sendo acompanhados e inspiraram outros artistas muito além do segmento roqueiro. Todo mundo que lida com música na América de língua espanhola, seja artistas, produtores, radialistas os conhecem, respeitam e admiram .
Depois desse disco, gravaram um Unplugged para a MTV e quando iriam ser catapultados para o estrelato mundial, brigas por direitos pelo nome Caifanes e depois o câncer que obrigou Saul a fazer cerca de 40 cirurgias na garganta terminaram com os Caifanes. Saul recuperado funda os Jaguares com Alfonso Andre, gravam 6 discos, ganham o Grammy com o disco chamado 45 em 2009.
Em 2011, os Caifanes voltam a excursionar com sua formação original de 5 membros após cirurgia de retirada de tumor do cérebro de Marcovich e com Sabo Romo (baixista ) e Diego Herrera (tecladista) fazem com que o Festival Vive Latino e Coachella tenham seus ingressos esgotados em poucas horas. É a força do rock latino de qualidade. Vale muito a pena. Ah ia me esquecendo, Caifanes é o plural de Caifán, que segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola é: Sujeito proeminente em um bairro de uma cidade.

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FAIXAS:
1. Afuera
2. Miedo
3. Aqui no es Asi
4. Ayer me Dijo un Ave
5. Hasta que Dejes de Respirar
6. Avientame
7. El Animal
8. Quisiera ser Alcohol
9. Pero nunca me Cai
10.El Año del Dragon
11.La Llorona




Caetano Veloso - "Transa" (1972)

 

"Chamei os amigos para gravar em Londres(...) "Transa" foi  meu primeiro disco de grupo, gravado quase como um show ao vivo".
Caetano Veloso



 No embalo do meu retorno a Londres, deu vontade de falar de um dos grandes discos brasileiros de todos os tempos, intimamente ligado à capital inglesa: “Transa” de Caetano Veloso, de 1972.
Gravado no exílio do cantor na época da ditadura militar, álbum é uma fantástica mistura de sons, tendências, línguas e costumes. Tem regionalismos junto com rock’n roll, inglês com português, gíria com poesia, berimbau com guitarra... Tudo resultado de uma criatividade que estava prenhe, precisando ser expelida, manifestada. Uma vontade de ser brasileiro mesmo estando fora. E parece que é exatamente isto que Caetano consegue transmitir quando mistura as línguas e linguagens: assimilar, experimentar, sem perder suas raízes.
O início, com “You Don’t Know Me”, uma balada que vai se encorpando aos poucos, tem sua letra em inglês toda “invadida” por pedaços em português, como o trecho de “A Hora do Adeus” de Luiz Gonzaga, e ‘Saudosismo” do próprio Caetano, com a voz de Bebel Gilberto.
“Nine Out of Ten” que a segue, é espetacular em sua sonoridade toda cheia de embalo e ritmo. Caetano mesmo afirma ser esta sua melhor letra em inglês. Em inglês, sim, mas, assim como na anterior, com incursões em português, mas nesta, genialmente mais integradas na letra (“I’m Alive and VIVO, MUITO VIVO, VIVO, VIVO”). Caetano diz sobre esta música: “Tem a Nine out of Ten, a minha melhor música em inglês. É histórica. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Muito antes de John Lennon, de Mick Jagger e até de Paul McCartney. Eu e o Péricles Cavalcanti descobrimos o reggae em Portobelo Road e me encantou logo. Bob Marley e The Wailers foram a melhor coisa dos anos 70.”
Caetano utiliza-se da poesia barroca de Gregório de Mattos para compor “Triste Bahia”, a mais experimental do disco, repleta de idas e vindas sonoras, regionalismos, linguagem coloquial, versos de folclore e cantigas populares.
Em “It’s a Long Way”, uma doce e melancólica canção, minha favorita do disco aliás, volta a se utilizar muito fortemente do recurso bilíngüe, depois dos primeiros versos totalmente em inglês, passa para a língua natal novamente com linguagem coloquial, dísticos populares e jogos de roda (“os olhos da cobra verde/ hoje foi que ARREPAREI/ se ARREPARASSE a mais tempo/ não amava quem amei”)
Sobre “Mora na Filosofia”, de Monsueto Menezes, um samba lento, marcado no violão, Caetano diz: “Mora na Filosofia, que é um grande samba, uma grande letra e o Monsueto é um gênio. Me orgulho imensamente deste som que a gente tirou em grupo".
Segue “Neolithic Man”, que é a que gosto menos no disco e fecha com o ótimo e embalado rock’n roll acústico e curtinho "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)".
O álbum contou com arranjos e participações especialíssimas de amigos que estavam em Londres na época, entre eles Jards Macalé e Péricles Cavalcanti, mas que, curiosamente, por negligência no acabamento gráfico, não foram creditados no encarte original. O fato é que o próprio Caetano faz questão de lembrar estas participações e salientar que elas foram extremamente estimulantes para o trabalho em torno do álbum naquelas circunstâncias de exílio, saudades, solidão; e, ouvindo “Transa”, não é difícil notar o quanto as companhias contribuíram para a qualidade e resultado final da obra.

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FAIXAS:
  1. "You Don't Know Me" (Caetano Veloso) – 3:49
  2. "Nine Out of Ten" (Caetano Veloso) – 4:57
  3. "Triste Bahia" (Gregório de Matos Guerra, Caetano Veloso) – 9:47
  4. "It's a Long Way" (Caetano Veloso) – 6:07
  5. "Mora na Filosofia" (Monsueto Menezes, Arnaldo Passos) – 6:16
  6. "Neolithic Man" (Caetano Veloso) – 4:55
  7. "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)" (Caetano Veloso) – 1:22


Caetano Veloso - "Qualquer Coisa" (1975)

 


“Ô, guri, aonde tu vai com esse disco?”



O disco “Qualquer Coisa”, de Caetano Veloso, sempre me encantou. Tanto que me fez cometer um fora que, na minha adolescência, foi motivo de um engraçado episódio, do qual achei por bem contar como uma homenagem aos 70 anos desse grande artista de nosso tempo completos neste 7 de agosto. Ali pelos 13, 14, eu já era amante e consumidor inveterado de música. Curioso, ia atrás de coisas novas e velhas, que me empolgavam em descobrir. Era um mundo novo que se abria diante de mim. Desses, um universo dos que mais me encantava era a MPB, a música produzida no meu próprio país a qual eu já começava a suspeitar naqueles idos que dava de 10 a 0 na maioria do que se produzia no estrangeiro – o que não demorei muito a me certificar. Nessa busca voraz por conhecer as coisas, uma das práticas que mantinha era a de ir ao Centro de Porto Alegre vasculhar as lojas de discos de vinil. Como a grana da mesada não era muita, não dava pra comprar tudo que eu queria. Então, a solução era abrir os encartes, admirar as capas dos bolachões, ler as fichas técnicas e, o melhor de tudo, escutar. Pois uma das alternativas que as lojas davam era que o próprio cliente escolhesse alguns LP’s e os ouvisse em toca-discos privativos com fones de ouvido, daqueles grandes e de ótima qualidade.
 Numa dessas ocasiões, na antiga loja Pop Som, na Galeria Chaves, estava eu escutando e desvendando os discos de Caetano Veloso, arrebatado com aquela sonoridade, com aquela voz, com aquela musicalidade que me surpreendia a cada volver do prato. Um dos que escutei naquela tarde foi “Qualquer Coisa”. Desde a capa a pop art de Rogério Duarte até as músicas, tudo me encantava. Escutei faixa por faixa. Depois guardei de novo o disco no plástico interno, admirei novamente a capa e, sem ter como comprá-lo naquele momento, saí dali um tanto desolado mas ainda tomado de emoção. Já cruzando a porta de saída, ouvi uma voz feminina ralhar comigo: “Ô, guri, aonde tu vai com esse disco?” Absorto naqueles sons que ouvira, eu estava saindo da loja com o disco debaixo do braço sem perceber. A vendedora, obviamente pensou que eu fosse roubá-lo, e eu, na ingenuidade desarmada da mocidade, entreguei o volume sem me defender. Imaginem eu argumentando naquela época: “Eu não queria roubar: foi que eu fiquei encantado com a música!” Era inimaginável. Que vergonha que me deu!
 Mas antes do constrangimento eu me deliciei ouvindo o disco. Com arranjos super bem elaborados, pensados por Caetano com apoio ora do craque Perinho Albuqerque, ora do mestre João Donato, “Qualquer Coisa” me espantava naquela audição pela coesão aliada a um repertório quase improvável, que misturava  Beatles ,  Jorge Ben , composições próprias de Caê, Chico e Chabuca Granda. Tudo junto e muito bem misturado. O assombro iniciava de cara com a voz e violão de Caetano entrando direto, sem me deixar respirar, no clássico que abre e dá título ao disco: uma bossa-nova sensual meio portenha, meio nordestina, meio cubana. Literalmente, qualquer coisa! A letra, verborrágica e de sentido vago, servia para formar versos impactantes e musicalmente sonoros – tão marcantes que são sempre cantados pelo público inteiro nos shows: “Esse papo já tá qualquer coisa/  Você já tá pra lá de Marrakesh”.
 Em seguida, continuando a verborragia e a sensualidade, “Da Maior Importância”, cuja letra, cheia de anacolutos, expele tesão por todos os lados, pois narra uma tentativa desesperada de autoconvencimento de não transar com uma amiga (“Teria sido na praia/ Medo/ Vai ser um erro.”). O clima mantinha-se sexy, mas agora nos versos boêmios de Chico Buarque  na linda versão para “Samba e Amor”, com aqueles silêncios capciosos entre um verso e outro. A esta altura, eu já percebia que o lado A do LP era todo neste clima, pois as próximas eram “Madrugada e Amor” e, depois, uma das melhores do disco e de toda a obra deste baiano: “A Tua Presença Morena”. Letra moderninsta, é marcada por anáforas, que, com sua proposital repetição no início dos versos, reforçam a ideia de admiração e amplitude que Caetano devota à sua musa tropical. Nessa, ele cria versos de um lirismo impressionante como: “A tua presença coagula o jorro da noite sangrenta”, ou “A tua presença se espalha no campo derrubando as cercas.” “Drume Negrinha”, só ao piano de Donato, fechava o lado A do LP num tom leve e malicioso: “Drume Negrinha, que eu te transo uma nova caminha”.
 Aí vinha o lado B. Virei o disco. O que eu encontraria ali? Continuaria naquele clima “fogoso”? Soltei a agulha. Logo percebi que aquilo tomava outro rumo, pois abria com uma versão para “Jorge de Capadócia”, que talvez seja tão clássica quanto a de Jorge Ben. Com arranjo mais acústico que a eletrificada original, não perdia, contudo, o tom épico e ritualístico da composição, que conclama tanto com São Jorge quanto Ogum. Excelente. Em seguida, outra surpresa. Aliás, tripla surpresa: três versões para canções dos The Beatles: “Eleanor Rigby”, magnífico samba lento só ao violão e percussão, com um tempo marcado e cadenciado, além de contar com um show de vocal; “For no One”, sem dúvida a melhor delas em que Caetano, com extremo lirismo, traduz a melancólica peça de Lennon e MacCartney para uma bossa suingada que remetia novamente à sensualidade do lado A; e “Lady Madonna”, na qual faz o inverso: tira todo o gás da esfuziante original dos rapazes de Liverpool e fica quase que só com a melodia. “Qualquer Coisa” tem ainda “La Flor de la Canela” e “Nicinha”, uma curta e doce homenagem à irmã que faz Caetano voltar a Santo Amaro, onde nasceu, numa volta à origem. Final do disco, ruídos da agulha no final da faixa.
Caetano completando 70 anos
neste dia 7 de agosto
 Se na época aquela gafe na loja de discos me traumatizou – a ponto de, por anos, não contar a ninguém –, hoje o relembro com carinho e entendimento. Afinal, “Qualquer Coisa” é realmente de tirar qualquer um do chão. Álbum de conceito, é a primeira parte de um duo de discos que se completaria com “Joia”, de um ano depois. Também é a afirmação do ex-exilado artista, que, já consagrado, havia voltado ao Brasil abaixo de pedrada quando do lançamento do concretista e malcompreendido “Araçá Azul” (1972), um dos maiores fracassos de venda da história da indústria fonográfica brasileira. “Qualquer Coisa”, bem aceito por gregos e troianos, vinha assentar a posição que Caetano Veloso sempre fez jus em ocupar: o de um dos maiores gênios da música ainda vivos, um artista dono de uma obra não só descomunal como permanentemente criativa e criadora. Por isso, neste 7 de agosto, comemoro as sete décadas de mano Caetano reouvindo “Qualquer Coisa”. Mas não pensem que ouvirei qualquer coisa do “Qualquer coisa”. Não! Ouvirei o meu LP, curtindo faixa a faixa com o encarte debaixo do braço.


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FAIXAS:

1. Qualquer coisa (Caetano Veloso)
2. Da maior importância (Caetano Veloso)
3. Samba e amor (Chico Buarque)
4. Madrugada e amor (José Messias)
5. A tua presença morena (Caetano Veloso)
6. Drume Negrinha (Drume negrita) (Ernesto Grenet)
7. Jorge de Capadócia (Jorge Ben)
8. Eleanor Rigby (McCarney, Lennon)
9. For No One (McCartney, Lennon)
10. Lady Madonna (McCartney, Lennon)
11. La flor de la canela (Chabuca Granda)
12. Nicinha (Caetano Veloso)




Caetano Veloso - “Estrangeiro” (1989)



“'Estrangeiro' é um grande disco (...). Foi feito em Nova Iorque e foi produzido por Arto, que eu conhecia desde que cheguei a Nova Iorque, em 1982 ou 83, e queria muito produzir um disco meu. Arto conhecia bem minha música, porque tinha vivido muito tempo no Brasil e adora o trabalho dos tropicalistas. Ele queria que aqueles procedimentos tropicalistas fossem conhecidos e reconhecidos internacionalmente (...) O 'Estrangeiro' tem também a marca muito forte do Peter Scherer - sempre a partir das coisas que eu estava fazendo, das ideias que vinha tendo - e de muitas ideias musicais do Arto: sempre resultado das conversas que tínhamos os três.” 
Caetano Veloso


Em “O Cru e o Cozido”, Claude Lévi-Strauss sustenta que todo compositor musical é perpassado pelos mitos os quais o definem como indivíduo em uma coletividade. “O mito da mitologia”, define. Esta acepção, articulada em 1964, parece se adequar a Caetano Veloso, que chega gloriosamente às oito décadas de vida. O mesmo antropólogo francês que Caetano diz ter detestado a Baía de Guanabara na música que dá título ao disco “O Estrangeiro”, de 1989, talvez tenha este conceito de um dos cartões-postais do Rio de Janeiro e do Brasil justamente por ser alguém de fora e distanciado da mitologia a qual não pertence. Não é nem a falta de elogio, e sim o fato de que este olhar estrangeiro dá vantagens as quais Caetano não só não contrapõe - embora discorde - como entende muito bem. 

Como em qualquer mitologia, porém, nem tudo é perfeito. Pode soar pouco festivo, mas a chegada de Caetano Veloso aos 80 anos simboliza um Brasil que nunca se realizou. Menos pessimista, que seja: uma promessa de Brasil. Caetano, tanto quanto alguns de sua dourada geração – GilChicoNaraHermetoElisEduJards – mas mais do que todos eles em alguns aspectos, estetizou o Brasil assim como fizeram alguns dos ícones da nossa cultura: Villa-LobosPortinariMachado de Assis e Mário de Andrade. E o fez, em grande parte, pela discordância. Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, num movimento constante de imersão e submersão, de identificação e distanciamento. Isso faz com que ponha no mesmo pentagrama axé music e microtonalismo, pop e vanguarda, e nos ensine a não só ouvir, como pensar essas diferenças/semelhanças para chegar a um fim maior: o âmago da própria mitologia. A dissonância aprendida na bossa nova de João Gilberto aplica em tudo sem nunca, sobretudo, fugir do embate. Ele, que discutiu com universitários esnobes e alienados no FIC de 1968; que se exilou por causa da Ditadura; que sempre disse o que pensava e não admite desaforo. 

“Estrangeiro”, um dos melhores discos da extensa obra do baiano, materializa em sons, letras e forma essa utopia tropicalista quase policarpiana de ser mito e mitologia ao mesmo tempo. A começar pela capa, reprodução da maquete concebida pelo Hélio Eichbauer para a peça "O Rei da Vela", do Oswald de Andrade, montada em São Paulo pelo Zé Celso Martinez Corrêa nos anos 60, pensada por Caetano quando este estava fora do Brasil. 

A faixa de abertura, igualmente, é uma daquelas grandes composições de Caetano em letra e música, e traduz a ideia dual do álbum, em que diversos ritmos se cruzam e se hibridizam em tonalismo e atonalismo, assonância e dissonância. O reggae conversa com eletrônico, que conversa com o batuque, que conversa com world music, que conversa com a art rock e o jazz contemporâneo. Naná Vasconcelos, no esplendor da maturidade, e Carlinhos Brown, já um grande entre os grandes, são dois dos principais contribuintes da sonoridade do disco, visto que integram, através de suas percussões universais, aquilo que há de mais visceral e de mais moderno em arte musical. Sem refrão, numa verborragia típica do seu autor, “O Estrangeiro” (“Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?/ Uma arara?/ Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara” ou “À áspera luz laranja contra a quase não luz, quase não púrpura/ Do branco das areias e das espumas/ Que era tudo quanto havia então de aurora”), reflexiona o ser brasileiro se colocando numa posição quase brechtiana de distanciamento e proximidade com o objeto. Até o videoclipe, dirigido pelo próprio Caetano, é um exercício de cinema de arte, extensão do experimental “O Cinema Falado”, único filme dirigido por ele três anos antes. E convicto de sua posição, ainda arremata: “E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento/ Sigo mais sozinho caminhando contar o vento”. A música, aliás, inaugura algo que se poderia chamar de brazilian-post-jazz, o que o próprio Caetano, que atribui a Gilberto Gil a criação não reclamada do “samba-jazz-fusion”, mostra-se ainda mais modesto ao também desdenhar tamanho feito. 

Videoclipe de "O Estrangeiro", de e com Caetano Veloso 


Não à toa, “Estrangeiro” é produzido por dois músicos além-fronteiras: os Ambitious Lovers Peter Scherer e Arto Lindsay – este último o qual, assim como Caetano, faz uma permanente ponte entre o nordeste brasileiro e cosmopolitismo, visto que norte-americano de nascimento, mas criado em Pernambuco. Ligados a cena do jazz M-Base de Nova York e a nomes ultramodernos como Ryuichi Sakamoto, Laurie Anderson, John Zorn e Brian Eno, Arto e Peter edificam a melhor e mais bem acabada produção da discografia de Caetano até então, algo que o músico não só repetiria a dose (“Circuladô”, de 1991) como serviria de base para revolucionar a música brasileira do início dos anos 90 inaugurando-lhe um novo padrão produtivo, a se ver por trabalhos marcantes como “Mais” e “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão" (1992 e 1994), ambos de Marisa Monte, “The Hips of Tradition”, de Tom Zé (1992), e “Alfagamabetizado”, de Carlinhos Brown (1996).

Na sequência de “O Estrangeiro” vem o lindo pop afoxé “Rai das Cores”, que evoca as colorações sonoras tanto da canção-irmã “Trem das Cores”, composta por Caetano em 1982 para “Cores Nomes”, quanto outra ainda mais antiga: “Beira-Mar”, em parceria com Gil e gravada por este em seu primeiro disco, de 1966. A reiteração do “azul” como símbolo de beleza e pureza (“Para o fogo: azul/ Para o fumo: azul/ Para a pedra: azul/ Para tudo: azul”) dialoga com os belos versos finais da balada cantada em ritmo de bossa-nova pelo parceiro: “É por isso que é o azul/ Cor de minha devoção/ Não qualquer azul, azul/ De qualquer céu, qualquer dia/ O azul de qualquer poesia/ De samba tirado em vão/ É o azul que a gente fita/ No azul do mar da Bahia/ É a cor que lá principia/ E que habita em meu coração”. Já “Branquinha”, esta, aí sim, deixa de lado modos mais modernos para voltar à bossa-nova a qual Caetano nunca se desligou homenageando com graciosidade a então recente esposa Paula Lavigne, ainda hoje companheira e com quem ele teria dois filhos, Zeca e Tom, ambos músicos como o pai. Quão lindos, sensuais e apaixonados estes versos: “Branquinha/ Carioca de luz própria, luz/ Só minha/ Quando todos os seus rosas nus/ Todinha/ Carnação da canção que compus/ Quem conduz/ Vem, seduz”. E, mais uma vez ciente do deslocamento no mundo, ele diz: “Vou contra a via, canto contra a melodia/ Nado contra a maré”. 

Mais um grande momento de “O Estrangeiro”: “Os Outros Românticos”. Samba-reggae potente, a música discute os conceitos de modernidade e racionalidade propostos no livro “O Mundo Desde o Fim” do não apenas compositor, poeta e parceiro Antonio Cícero, mas também filósofo. Além disso, traz os teclados firmes de Peter, as guitarras abrasivas de Arto e a sonoridade dos tambores afro de Salvador, que tanto começavam a fazer sucesso àquele final de anos 80 com a Olodum e a qual o próprio Caetano se valeria bastantemente dali para adiante, como em “Haiti” (“Tropicália 2”, 1993), “Luz de Tieta” (trilha sonora de “Tieta do Agreste”, 1997), “Alexandre” (“Livro”, 1997) e “Ó Paí Ó” (trilha do filme, 2007). Afora isso, a letra, análise sociopolítica contundente com referência ao olhar “universal” do cineasta alemão Win Wenders em “Asas do Desejo” (“Anjo sobre Berlim”), é daquelas altamente poéticas de Caetano: “Eram os outros românticos, no escuro/ Cultuavam outra idade média, situada no futuro/ Não no passado/ Sendo incapazes de acompanhar/ A baba Babel de economias/ As mil teorias da economia”. Para emendar com “Os Outros...”, a ainda mais internacional “Jasper”, parceria de Caetano com seus produtores. Outro ponto alto do disco, afora a brilhante melodia de ares eletro-funk e afro-brasileiros, traz por trás do inglês do cantor belos versos como: “Tempo é tão leve como a água”.

Ainda mais autorreferente, a segunda parte do álbum começa com a tocante “Este Amor”, que se pode classificar como a “Drão” de Caetano. Assim como a clássica canção de Gil dedicada à antiga esposa quando da separação dos dois, em “Este Amor” Caê versa para Dedé Gadelha, com quem vivera quase 20 anos e tivera Moreno, outro talentoso músico, espelhando-a dentro do disco com a anterior “Branquinha”, feita para a atual mulher. Ao contrário da balada melancólica de Gil, no entanto, a de Caetano é um afoxé suavemente ritmado e um canto sereno de um homem maduro, entrando nos 50 anos, capaz de olhar para trás e enxergar sem mágoa a beleza do que se viveu. “Se alguém pudesse erguer/ O seu Gilgal em Bethania... Que anjo exterminador tem como guia o deste amor?”. 

Assim, espelhando-se mais uma vez na família de sangue e de vida, o disco prossegue com “Outro Retrato”. Se fez presentes Gal Costa, a irmã Maria Bethânia e Gil – também oitentão como ele em 2022 –, Caetano agora retraz a sua maior devoção: João Gilberto. Em ritmo caribenho, a música diz: “Minha música vem da música da poesia/ De um poeta João que não gosta de música/ Minha poesia vem da poesia da música/ De um João músico que não gosta de poesia”. Traços do arranjo de “Outro...” inspirariam canções futuras, como “Neide Candolina” e “"How Beautiful a Being Could Be", como os contracantos e a pegada pop sobre o ritmo latino. É o mesmo João que evoca, mas aqui junto de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em “Etc.”, melancólica e romântica como os primeiros sambas da parceria clássica da bossa nova. 

Caetano acompanhado de Brown e Moreno
na turnê de "Estrangeiro", em 1989
Quase fechando o álbum, a faixa que talvez tenha surpreendido até Caetano tamanha repercussão que fez: “Meia-Lua Inteira”. Primeira de autoria Brown com maior projeção popular, a música estouraria nas rádios depois de entrar na trilha de “Tieta”, uma das telenovelas de maior sucesso da Rede Globo, e roubar o protagonismo, inclusive, da canção-tema, que abria o programa. Na época, até poderia soar um tanto modístico aquele samba-reggae colorido como os que Olodum, Banda Reflexus e Luiz Caldas vinham fazendo. Mas Caetano é Caetano. Tropicalista, mais uma vez adiantava-se ao que a crítica supunha entender e fincava a bandeira das manifestações populares e urbanas. “Meia-Lua Inteira”, aliás, mesmo sendo Caetano um artista desde muito acostumado com as paradas, pode ser considerado o seu abre-alas para as grandes vendagens, o que ocorreria pelo menos mais três vezes com “Não Enche” ("Livro"), “Sozinho” (“Prenda Minha – Ao Vivo”, 1998) e "Você não me Ensinou a te Esquecer" (trilha de "Lisbela e o Prisioneiro", 2003).

Para desfechar, Caetano vai buscar, enfim, a própria mitologia. O poeta retorna ao seu âmago, à sua origem, às suas reminiscências da infância em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano, onde nasceu, com a brejeira “Genipapo Absoluto”. No livro “Sobre as Letras” (2003), Caetano diz que um dado da letra que lhe emociona é que essa canção fala de sua identificação com o pai (“Onde e quando é jenipapo absoluto?/ Meu pai, seu tanino, seu mel”). Mas declara, em seguida: “minha mãe é minha voz”. Quando canta os versos “Que hoje sim, gera sóis, dói em dós”, inclusive, ele o faz imitando a de Dona Canô. E outro tocante refrão: “Cantar é mais do que lembrar/ É mais do que ter tido aquilo então/ Mais do que viver, do que sonhar/ É ter o coração daquilo”. Ao citar a irmã Mabel em certo momento, também é possível fazer ligação com outra antiga melodia sua: “Alguém Cantando”, do disco “Bicho”, de 1977, igualmente uma faixa de encerramento e cuja voz, literalmente, não é a sua, mas da outra irmã do compositor, Nicinha.

Caetano, tão nativo quanto forasteiro, decifrou o Brasil nestas últimas oito décadas de vida e seis de carreira unindo alta e baixa cultura, provando por que, pela visão tropicalista, é possível, sim, levar o pensamento aprofundado a “quem não tem dinheiro em banco” e catequisar “as pessoas da sala de jantar”. Utopia? Pode ser, mas sua obra gigantesca e da qual “Estrangeiro” é um dos mais significativos exemplares, está aí para ser sorvida. “Todo mundo pode aprender tudo”, disse ele certa vez. Mais do que apenas misturar, a diferença de Caetano está na sua visão, uma visão para além do óbvio, para além da própria música e da poesia, visto que filosófica. Caetano, literato e intelectual, ensinou o Brasil a pensar-se. "As coisas migram e ele serve de farol"... Mito e mitologia, ajudou a fundar a nossa modernidade. Ele, que é o tropicalista mais convicto de todos, visto que dialoga com a mesma potência poética "a delícia e a desgraça" como escreveu sobre os estrangeiros americanos. O estrangeiro que canta, na verdade, é ele próprio, num país que nunca, de fato, se realizou. 

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FAIXAS:
1. “O Estrangeiro” - 6:14
2. “Rai Das Cores” - 2:37
3. “Branquinha” - 2:35
4. “Os Outros Românticos” - 4:58
5. “Jasper” (Caetano Veloso, Peter Scherer, Arto Lindsay) - 4:58
6. “Este Amor” - 3:26
7. “Outro Retrato” - 5:00
8. “Etc.” - 2:06
9. ”Meia-Lua Inteira” (Carlinhos Brown) - 3:43
10. “Genipapo Absoluto” - 3:22

Todas as composições de autoria de Caetano Veloso, exceto indicadas 


ROCK ART


 

ALBUM DE ROCK PROGRESSIVO - Ensio & Kusiset Tassut - Uuden Ajan Odottaja (2021)

 

E continuamos com o bom progressivo finlandês, agora para apresentar um projeto jovem do qual nada sei (nem entendo a arte da capa) mas cuja música é muito boa. E parece que para esses pagamentos eles gostam do som retro progressivo porque tudo que ouço é feito nesse sentido, e devemos dizer a favor deles que o que fazem, fazem... maravilhosamente! Trata-se de um trio com robe, guitarra, voz (cantam em finlandês) e tonalidades (não têm baixo) e fazem rock progressivo com toques de psicodelia e sinfonia em que se destacam boas melodias e interpretações, num álbum curto ( 37 minutos) onde não há tempo para ninguém ficar entediado. Continuando com a nossa saga da boa música finlandesa, que existe muita, aqui está mais uma amostra que fará as delícias de vários cabeçudos. Ouça e depois me conte!

Artista: Ensio & Kusiset Tassut
Álbum: Uuden ajan odottaja
Ano: 2021
Gênero: Rock progressivo / Rock psicodélico
Duração: 37:39
Referência: Discogs
Nacionalidade: Finlândia


Ensio & Kusiset Tassut é uma jovem banda finlandesa que oferece rock progressivo com sons retrô e, claro, seu toque pessoal. 

Devo dizer que não gosto muito que grupos atuais tenham um som tão vintage ou tão retrô, como você quiser chamar, mas que há exceções (e o pior, são tantas exceções que alguém pode acho que adoro retro prog!) que inevitavelmente caem na cabeça do blog não por causa do retrô, mas por causa da qualidade musical, esse é o caso, e de muitas bandas escandinavas também.

Muito intensa desde o início, a primeira música é repleta de mudanças de andamento que nos remetem aos mágicos anos 70 mas com um toque moderno e pessoal. A voz é quente e expressiva e com uma boa alternância de partes cantadas e seções instrumentais, nas quais há interessantes fraseados de violão e teclado, um álbum que envolve o ouvinte à medida que as músicas passam.




Esta banda soube recriar os ambientes musicais dos primeiros álbuns progressivos, tendo os teclados como protagonistas tanto das melodias como dos solos, uma guitarra que oferece excelentes ideias e a voz que se adapta bem às diferentes situações do álbum. Uma audição agradável e um álbum de estreia que oferece passagens intensas e ideias interessantes, mais um belo álbum finlandês no head blog recomendado para todos os amantes de sons retro prog, dando-lhe um toque pessoal e fresco.

Você pode ouvi-lo aqui no site do Bandcamp dedicado a ele:
https://etsm-aanilevyt.bandcamp.com/album/uuden-ajan-odottaja-2?from=embed




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: 01. Tähtisumuun
02. Tuulet nuolee
03. Monaco
04. Päivän sä teet
05. Muuttuvat maisemat
06. Uneton tarina
07. Tänään, eilen - Samettiaurinko 

 
Formação:
- Eeli Räsänen - bateria, percussão
- Timi Kuosmanen - voz, guitarra
- Olli Talsi - philicorda, boog, órgão
Com:
Leo Sivonen - trompete (3)




ALBUM DE ROCK PROGRESSIVO ECLÉTICO - Beardfish - Songs For Beating Hearts (2024)

 

 Beardfish, a emblemática banda sueca está de volta com um álbum, o seu regresso após nove anos. Este trabalho foi recebido com entusiasmo pela crítica e pelos fãs, enquanto os Beardfish dizem o seguinte sobre seu trabalho: "Com fortes ecos de glórias passadas, mas com uma nova vibração melancólica, 'Songs For Beating Hearts' é um testemunho resplandecente da magia que acontece quando esses 4 músicos unem forças desde a melancolia sonhadora do abridor 'Ecotone' e a intrincada opulência da expansão em 5 partes 'Out In The Open', até o folk. amigável e agridoce épico de 11 minutos 'Beating Hearts' e o prog-noir da faixa de encerramento 'Torrencial Downpour', Beardfish não apenas fez seu trabalho mais forte até agora, mas também o mais emocionalmente ressonante.

Artista:
 Beardfish
Álbum: Songs For Beating Hearts
Ano: 2024
Gênero: Rock progressivo eclético
Duração: 57:30
Referência: Discogs
Nacionalidade: Suécia


Desde o primeiro acorde, “Songs For Beating Hearts” apresenta-se como uma experiência imersiva. A abertura do álbum, com violões suaves e vocais delicados, estabelece uma atmosfera nostálgica que lembra as obras do Genesis dos anos 70. À medida que o álbum avança, exuberantes arranjos orquestrais e solos de guitarra melódicos que evocam bandas como Yes e Gentle Giant . , mas sempre com a marca inconfundível destes suecos que tanto fazem falta.

O álbum inclui uma suíte monumental intitulada "Out in the Open", que ocupa uma parte significativa do tempo total do álbum. Esta suíte está dividida em diversas partes que exploram temas de perda e esperança, refletindo experiências pessoais dessas pessoas. Tudo muito existencial, claro. Musicalmente, acho que todos nós os conhecemos, e não há grandes surpresas, exceto que eu não esperava esse álbum, e ele simplesmente saiu do forno para o gosto requintado de tanta gente teimosa que percorre esses lugares.

Ainda não ouvi a fundo, mas posso afirmar que a instrumentação é rica, há toques de folk e blues, estruturas rítmicas complexas e as mudanças de tempo são uma constante, conseguindo um equilíbrio perfeito entre técnica instrumental e emotividade, fazendo com que fazer com que cada nota conte dentro do contexto narrativo das músicas, o que é algo realmente difícil de conseguir. Mas paro de dizer bobagens e copio um comentário melhor escrito do que posso fazer...

«Songs for Beating Hearts» de Beardfish, “O tão esperado retorno dos príncipes do rock progressivo sueco moderno”
Beardfish é uma banda sueca eclética amplamente conhecida na cena atual, seus primórdios remontam a 2001, com seu maior e mais reconhecido atingiu o pico em 2007-2008 com o impressionante “Sleeping in Traffic”, dividido em dois álbuns absolutamente exóticos, que combinam na perfeição o humorístico e o sublime. A banda não parou de crescer até 2016, ano em que anunciaram sua separação e o idealizador do grupo, Rikard Sjöblom, retirou-se para o Big Big Train como guitarrista e segunda voz. O lado positivo é que seu talento incrível revitalizou a banda e a fez embarcar em uma nova etapa. Hoje em dia Rikard é vital para o BBT e o retorno de Beardfish não atrapalha sua permanência no referido grupo.
Quanto a “Songs for Beating Hearts”, temos um ressurgimento genuíno, com um sabor quase adolescente, cheio de capricho, energia transbordante e sons espetaculares, que nos lembram vividamente a magia dos grandes álbuns do Beardfish dos anos 2000, na década de 2000. da mesma forma, é reconhecido nas canções mais pessoais como “Torrencial Downpour” ou “Beating Hearts”, que torcem a fibra do nosso coração com um pesar que só vivenciar concessões, com amores e dores, angústias, arrependimentos e momentos de esperança recalcitrante.
Musicalmente temos músicas com toque western, country e americano, principalmente os singles e as músicas ocasionais. Ótimas guitarras com reverb e drive, teclados por toda parte e claro uma produção nítida que aumenta as belas harmonias nas quais essas músicas são desenvolvidas. Em todos eles encontramos melodias memoráveis, sobretudo trechos progressivos, mudanças imprevisíveis e uma beleza condensada e indispensável para uma obra que está em nossa lista de espera há quase 10 anos.
Foi mais que necessário para Rikard liberar essa energia criativa, provavelmente acumulada nesses anos com Big Big Train. Você sente a emoção em cada carta, algumas dedicadas à sua família, às que estão sempre presentes e às que infelizmente já partiram. Sua voz ganhou destaque e força, assim como seus teclados impecáveis, e ele se sente em seu ambiente preferido com uma formação que o acompanha desde seu primeiro álbum em 2003. Mais que uma banda, uma família.
“Ecotone” é uma bela música acústica cujas melodias servirão de modelo para tudo no futuro. Preste atenção nas cordas, nos refrões e nas letras introspectivas e no sentimento profundo de seguir o fluxo, de fazer o que é preciso fazer e liberar aquela necessidade criativa do fundo da nossa alma. O tema principal é introduzido em ¾ e o resto é história: o que toma conta nesta épica são sem dúvida os pianos e sintetizadores que não param de responder e roubar a conversa principal num swing absolutamente inabalável e quase jazzístico.
O elefante na sala, “Out in the Open” faz-nos pensar imediatamente naquelas canções monstruosas de 20 a 35 minutos que os suecos compõem com tanta facilidade. Os temas são introduzidos como numa sinfonia, aguardando reexposição, as partes perfeitamente equilibradas deixando espaço para o desenvolvimento das seções mais caóticas e belas.
Uma melodia unitária que nos lembra o último épico de Jon Anderson aparece na segunda seção “Oblivion”. As vozes começam a contar a história de uma vida inteira e sua inevitável transcendência para o outro mundo. Compassos irregulares e vales e cristas hipnóticos nos sacodem através de um vasto e totalmente belo mundo sonoro que aos poucos se transforma em um terceiro movimento acústico “Hopes and Dreams”. As melodias falam por si, tocadas com a graça de um violonista clássico e com uma simplicidade vocal que se potencializa pela harmonia para gerar um efeito atávico, de uma jornada espiritual.
A reprise de “Oblivion”, apresentada com uma infinidade de teclados e um baixo dançante, apresenta novamente o tema principal e é sem dúvida uma das seções mais ecléticas do álbum, deixando aparecer aquele Beardfish de “Sleeping in Traffic” o campo. Isso nos lembra, é claro, o clímax de Close to the Edge e outras incríveis obras para órgão dos anos setenta. Um final atmosférico nos espera em “Around the Bend”, uma merecida pausa após 20 minutos do mais intenso que o rock progressivo moderno tem a oferecer.
“Beating Hearts” é mais uma longa canção, onze minutos de emoções desencadeadas, as cordas como protagonistas indiscutíveis, estamos a falar de cordas curvadas, dedilhadas e percussadas, excelentes riffs de guitarra que aparecem e desaparecem, espalhados como estrelas cadentes na graciosidade do colchão de violinos. As melodias vocais também são extremamente bonitas e continuam a apresentar aquelas conotações de narrativa country que tanto caracterizam este álbum. Uma seção de pseudo-reggae corta tão docemente, um daqueles movimentos que só Beardfish, inspirado em Rush, se atreve a lançar. Claro que não espera se tornar uma seção de hard rock com a voz de Rikard levada ao extremo que sabe nos levar até o final da música em um clímax longo e exacerbado (e não estou falando apenas de falar, cheio das mais belas cordas).
“In the Autumn” foi o primeiro single que a banda lançou para este álbum e logicamente teve uma recepção mista. Influências 100% americanas e country, sons e melodias pop e a voz feminina de Amanda Örtenhag. Letras extremamente bregas e cheias de clichês, tire suas próprias conclusões.
Uma pequena reprise de “Ecotone” nos encontra diretamente com “Torrencial Downpour”, outro dos singles, mantém os sons ocidentais, é verdade, mas desta vez o faz com muito mais gosto e letras que nos lembram a importância de família e a dor de perder nossos entes queridos, Rikard escreveu para seu pai com o coração aberto. Uma bela demonstração de que com as mudanças contadas na progressão de acordes você consegue uma obra completa que sempre acerta o ponto certo, os arranjos fazem a atmosfera, e a atmosfera faz o ouvinte.
Recomendamos fortemente ouvir este álbum que revive aquele bearfish quente e analógico, com suas raízes no progressivo, folk e blues dos anos setenta, com seções de hard rock, ótimas canções pop e, claro, explosões histriônicas de Hammond, sintetizadores e compassos hipnóticos irregulares. Nada a invejar de “The Sane Day” ou “Sleeping in Traffic”, Beardfish está de volta para ficar e desejamos a esta fase contemplativa e melancólica uma vida longa para que nos traga múltiplas surpresas.

E é melhor irmos com algo do álbum! Vamos ver se você gosta...


Assim, "Songs For Beating Hearts" não apenas marca o retorno triunfante de Beardfish , mas também reafirma seu lugar no cenário do rock progressivo contemporâneo. Com uma produção criteriosa e esse conjunto de composições ricas em nuances, este álbum é um convite para desfrutar de uma experiência musical completa. eu

Uma obra que merece ser ouvida com atenção, prometendo recompensas emocionais a cada escuta, que vão aparecendo uma a uma. Sem dúvida, mais um dos grandes lançamentos de 2024.

Então, bem-vindos de volta à vida, queridos Beardfish !

Você pode ouvir no Spotify:
https://open.spotify.com/intl-es/album/1KHkvF7OeM7lzNrz9MKN0X

E aqui no Bancamp:
https://insideoutmusic.bandcamp.com/album/songs-for-beating-hearts-24-bit-hd-audio


Lista de faixas:

1. Ecotone (4:30)
2. Out in the Open (20:33)
3. Beating Hearts (11:01)
4. In the Autumn (5:58)
5. Ecotone (reprise) (0:44)
6. Torrential Downpour (8:30)
7. Ecotone - Norrsken 1982 Edition (bonus track) (6:14)

Alinhamento:
- Rikard Sjöblom / vocais, teclados
- David Zackrisson / guitarras
- Robert Hansen / baixo
- Magnus Östgren / bateria
Com:
Amanda Örtenag / vocais (4)


Destaque

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