
Se um extraterrestre chegasse hoje até nós e lhe quiséssemos explicar quem é Beck, a forma mais eficiente seria dar-lhe a ouvir The Information. O disco no qual o músico abre ainda mais o seu mundo, e consegue ir a todos os estilos sem nunca atirar um tiro ao lado.
Na discografia oficial de Beck, The Information surge entre Guero (2005) e Modern Guilt (2008), mas a história é um pouco mais complicada do que isso. Na verdade, o disco começou por ser uma tentativa de reacção a Sea Change, de 2002, com o seu tom mais melancólico.
As gravações arrancaram em 2003, com o produtor Neil Godrich a bordo. No caso de Beck, a escolha de produtores nunca foi um acaso, ajudando a definir o tom do disco, num artista com voz estabelecida mas que tem uma extraordinária variedade de estilos na sua caixa de ferramentas. Godrich havia sido seu comparsa já em dois discos, no mencionado Sea Change mas antes disso também em Mutations (1998). Mas o jogo seria, agora, muito diferente.
Depois de um impulso inicial, as gravações emperraram, e Beck e Godrich passavam meses sem se encontrar e trabalhar em The Information. Talvez por isso o músico foi avançando noutras direcções e noutros projectos. De tal forma que este disco acabou ultrapassado por outro, Guero, produzido pelos Dust Brothers.
O próprio Beck manifestou algum pesar sobre a feitura de The Information, lembrando que o disco acabou por sofrer com tanto pára-arranca. Na verdade, segundo o autor, “foi gravado três vezes”, até se encontrar o ponto de equilíbrio desejado. Algo que não foi fácil, uma vez que este é não é um daqueles discos simples, de canções estruturadas. É um caldeirão criativo onde cabe praticamente tudo o que Beck tinha feito até então.
Ao contrário de outras aventuras, a complexidade aqui não vem do corta e cola de inúmeros samples. Godrich apostou sobretudo em carregar as músicas de detalhes musicais, trabalhando os ambientes a fundo. A complexidade está na profundidade com que cada tema nos é apresentado, o esforço meticuloso de pequenos e grandes pormenores de produção.
De acordo com Beck, Godrich queria que ele fizesse um disco de hip-hop. E há muito disso em The Information, mas sempre no contexto da canção. É um disco carregado de groove, cortesia de um baixo insinuante e quase sempre colocado muito à frente. O músico chamou este estilo de “hip-hop introspectivo”, o que ilustra bem parte do disco, mas não tudo.
Há ecos daquele country esquizóide que só Beck sabe fazer, também, um espírito do velho Oeste mais pressentido do que explícito. Mas o grande destaque é a influência que o americano foi buscar a Serge Gainsbourg, de quem sempre foi um grande fã. Isso vê-se no baixo sensual e na utilização de instrumentos de cordas, cujo efeito dramático o francês sempre explorou a fundo (há até um sample de “Requiem pour un con”, em “Landslide”, que certamente não é coincidência).
Musicalmente, é um álbum variadíssimo, talvez o mais variado da sua carreira até então. Pop, hip-hop, country, estranheza e melodia convivem pacificamente nesta rodela, uma demonstração cabal da capacidade de Beck em mover-se em inúmeros tabuleiros simultaneamente.
Apesar de tudo, e de alguns momentos de euforia, fica-nos uma sensação de cansaço, não criativo mas emocional, como subtexto desta grande colecção de canções.
Para terminar, uma palavra sobre o conceito. The Information chegou ao mundo com uma capa branca, quadriculada, e uma série de autocolantes que o ouvinte podia usar e compor a sua própria capa. Uma ideia genial que, estranhamente, não voltou a ser copiada. Houve ainda várias novas edições, com remisturas e temas novos, com Beck a assumir que queria ver um álbum em permanente actualização, como um corpo vivo (muitos anos antes de Kanye West levar o conceito ao extremo, em The Life of Pablo). Algumas edições traziam ainda um dvd com vídeos caseiros e hilariantes, um por cada música deste disco (acessível no link para youtube que trazemos abaixo).
Aquando da sua edição, e surgindo logo de seguida a Guero, The Information acabou por passar relativamente despercebido. O que é, na nossa opinião, uma injustiça. É uma extraordinária montra das capacidades criativas de Beck, uma fusão de géneros que nunca desce para o medíocre, e que consegue o feito de juntar espírito de exploração a música realmente acessível.
Um disco incontornável para qualquer fã de Beck; uma surpresa necessariamente agradável para quem nunca o explorou a fundo.