domingo, 29 de maio de 2022

Poemas Cantados de Chico Buarque

 

A Bela e a Fera

Chico Buarque


Ouve a declaração, oh bela

De um sonhador titã

Um que dá nó em paralela

E almoça rolimã

O homem mais forte do planeta

Tórax de Superman

Tórax de Superman

E coração de poeta


Não brilharia a estrela, oh bela

Sem noite por detrás

Tua beleza de gazela

Sob o meu corpo é mais

Uma centelha num graveto

Queima canaviais

Queima canaviais

Quase que eu fiz um soneto


Mais que na lua ou no cometa

Ou na constelação

O sangue impresso na gazeta

Tem mais inspiração

No bucho do analfabeto

Letras de macarrão

Letras de macarrão

Fazem poema concreto


Oh bela, gera a primavera

Aciona o teu condão

Oh bela, faz da besta fera

Um príncipe cristão

Recebe o teu poeta, oh bela

Abre teu coração

Abre teu coração

Ou eu arrombo a janela



A Cidade Dos Artistas

Chico Buarque

Na cidade

Ser artista

É posar sorridente

É ver se de repente

Sai numa revista

É esperar que o orelhão

Complete a ligação

Confirmando a excursão

Que te leva ao Japão

Com o teu pianista

E antes que

O sol desponte

Contemplando

O horizonte

Conceder entrevistas

Aos outros artistas

Debaixo da ponte


Na cidade

Ser artista

É subir na cadeira

Engolindo a peixeira

É empolgar o turista

É beber formicida

É cuspir labareda

É olhar a praça lotando

E o chapéu estufando

De tanta moeda

É cair de joelhos

É dar graças ao céu

Lá se foi o turista

O dinheiro, a peixeira

A cadeira e o chapéu


Ser artista

Na cidade

É comer um fiapo

É vestir um farrapo

É ficar à vontade

É vagar pela noite

É ser um vaga-lume

É catar uma guimba

É tomar uma pinga

É pintar um tapume

É não ser quase nada

É não ter documento

Até que o rapa te pega

Te dobra, te amassa

E te joga lá dentro


A Foto da Capa

Chico Buarque

 

O retrato do artista quando moço

Não é promissora, cândida pintura

É a figura do larápio rastaqüera

Numa foto que não era para capa

Uma pose para câmera tão dura

Cujo foco toda lírica solapa


Era rala a luz naquele calabouço

Do talento a clarabóia se tampara

E o poeta que ele sempre se soubera

Claramente não mirava algum futuro

Via o tira da sinistra que rosnara

E o fotógrafo frontal batendo a chapa


É uma foto que não era para capa

Era a mera contracara, a face obscura

O retrato da paúra quando o cara

Se prepara para dar a cara a tapa




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