terça-feira, 30 de agosto de 2022

POEMAS CANTADOS POR SÉRGIO GODINHO

Bacalhau Basta

Sérgio Godinho

 

Eu não quero que me dês

o mundo inteiro num beijo

eu não quero que me dês

latifúndios no Alentejo

Eu não quero que me dês

mais do que tens para me dar

eu não quero nem amendoas

nem anéis nem um colar

nem declarações entusiastas

vou dizê-lo alto e bom som

para quem é bacalhau basta

para quem é bacalhau basta

mas dá-me bacalhau do bom.


Foi isto que ela me disse

foi assim que ela falou

quando um dia lhe escrevi

e ela depois telefonou

quando a fiu ver à janela

a persiana corrida

tinha uma fresta e por ela

uma mão convidativa

dizia-me: sobe cá acima

subi ao sétimo céu

depois disse-lhe em surdina

depois disse-lhe em surdina

quem gosta de ti sou eu.


Depois fomos ao cinema

ver um filme de aventuras

cheio de peripécias

umas moles e outras duras

com tiros à queima-roupa

e beijos à Holywood

lá me fui chegando a ela

imitando-os como pude

torcido como um ginasta

até que disse: que se lixe

para quem é bacalhau basta

para quem é bacalhau basta

o teu amor é que é fixe.


Dei-lhe uma fotografia

e fita-cola para a colar

foi colá-la na parede

e disse: aqui vai ficar

e mesmo se um dia formos

cada um para seu lado

o teu rosto ficará

para sempre aqui marcado

e enquanto que a gente se afasta

falará do noso amor

para quem é bacalhau basta

para quem é bacalhau basta

e foi bacalhau do melhor.


A vida não vale nada

e a morte vale ainda menos

mas quando é a nossa vida

vale aquilo que fazemos

desde o dia em que se nasce

até à noite em que se morre

é com aquilo que se faz

que o caminho se percorre

e se a vida é para ser gasta

vamos gastá-la a preceito

para quem é bacalhau basta

para quem é bacalhau basta

mas que seja bacalhau bem feito.


Balada da Rita

Sérgio Godinho

 

Disseram-me um dia Rita põe-te em guarda

aviso-te, a vida é dura põe-te em guarda

cerra os dois punhos e andou põe-te em guarda

eu disse adeus à desdita

e lancei mãos à aventura

e ainda aqui está quem falou


Galguei caminhos de ferro (põe-te em guarda)

palmilhei ruas à fome (põe-te em guarda)

dormi em bancos à chuva (põe-te em guarda)

e a solidão não erre

se ao chamá-la o seu nome

me vai que nem uma luva



Andei com homens de faca (põe-te em guarda)

vivi com homens safados (põe-te em guarda)

morei com homens de briga (põe-te em guarda)

uns acabaram de maca

e outros ainda mais deitados

o coveiro que o diga



O coveiro que o diga

quantas vezes se apoiou na enxada

e o coração que o conte

quantas vezes já bateu p´ra nada



E um dia de tanto andar (põe-te em guarda)

eu vi-me exausta e exangue (põe-te em guarda)

entre um berço e um caixão (põe-te em guarda)

mas quem tratou de me amar

soube estancar o meu sangue

e soube erguer-me do chão



Veio a fama e veio a glória (põe-te em guarda)

passaram-me de ombro em ombro (põe-te em guarda)

encheram-me de flores o quarto (põe-te em guarda)

mas é sempre a mesma história

depois do primeiro assombro

logo o corpo fica farto


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