sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Asimov – Dialects – Stenar Musik (2022)

O regresso dos Asimov é generoso, oferecendo-nos dois belos discos de uma só assentada, reunidos num CD duplo: Dialects e Stenar Musik, o último coligindo raridades dispersas.

Se Flowers contava com a ajuda dos Hidden Circus – uma segunda guitarra e um violoncelo como cores adicionais -, Dialects é um regresso dos Asimov ao power trio, com um despojamento próximo do que revelam em cima de um palco. E se o tom geral não difere muito do de Flowers – um psicadelismo negro e pesado, hipnótico e pagão -, o formato agora mais despido acentua o horror e a selvajaria tribais, qual Coronel Kurtz empalando cabeças humanas na selva do Cambodja (ou, quem sabe, na selva de betão do Cacém).  Uma viagem aos confins mais obscuros da mente humana, que vos desaconselhamos, ó almas mais sensíveis…

Como é habitual nos Asimov, as vozes estão pouco destacadas na mistura, abrindo respeitosa passagem para sua majestade a guitarra. Os riffs – cada vez mais viciantes e memoráveis – estão no centro de tudo, mamutes colossais levando tudo a eito, entorpecendo-nos com a sua repetição obsessiva (e lentidão arrastada), deleitando-nos com o seu fuzz espesso e granulado, uma distorção de tal forma corpórea que sentimos que a podemos agarrar…

Mas nem só de electricidade vivem os bárbaros Asimov. Há muita guitarra acústica em Dialects: por vezes, à Ry Cooder espreguiçando-se devagar no deserto americano (“Dialectos?”); outras vezes, dedilhando com a suavidade de uma “Gaivota” planando sobre o Tejo; outras ainda, sibilando como uma serpente encantada em Kashmir (“Tomorrow is not Today”). É também nestes jogos de contrastes – o eléctrico e o acústico, o turvo e o cristalino, o doce e o brutal – que Dialects nos encanta.

Troquemos agora o disco, é a vez de colocarmos Stenar Musik no leitor de CD. À partida, esperaríamos menos coerência deste álbum que colige quatro temas avulsos, gravados entre 2007 e 2020, ora improvisando com a segunda guitarra eléctrica de Peter Wood (“O Som da Telepatia”), ora dialogando com o violoncelo de Joana Guerra (“Head Phoenix”), ora homenageando o amigo João Capela, que partiu demasiado cedo (“Mr. Chapel in the Moonlight”). Mas uma qualquer mão invisível irmanou tudo num conjunto inesperadamente coeso, mais bluesy do que Dialects, e com valores de produção mais artesanais, com os ponteiros roçando muitas vezes o vermelho.

Beba-se de um só trago os Asimov. Em dose dupla, claro. É pinga da boa e bem rija.


 



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