O mais recente álbum de Courtney Barnett serve de abraço aos amigos, de aconchego aos corações partidos e de sossego às almas inquietas.
No confinamento entre quatro paredes e no silêncio do desassossego dos tempos pandémicos, virámo-nos para dentro, ficando indefinidamente ensimesmados. Foi no seu apartamento, nos últimos dois anos, que Courtney Barnett escreveu as dez músicas de Things Take Time, Take Time. O seu mais recente álbum, lançado a 12 de novembro de 2021 e co-produzido por Stella Mozgawa, baterista dos Warpaint, serve de abraço aos amigos, de aconchego aos corações partidos e de sossego às almas inquietas.
Ficamos a conhecer o monólogo interior de Barnett e vemos o mundo com os seus olhos, pela moldura da janela do seu quarto. Tudo está errado e tudo é posto em causa, mas a vida nunca foi tão rotineira, como nos canta em “Rae Street”, porque o camião do lixo continua a passar todos os dias à mesma hora e os meninos continuam a usar os passeios para aprenderem a andar de bicicleta pela mão dos pais. Da mesma forma, nada mudou na forma como as pessoas só se importam com o seu próprio umbigo e pouco mais. A única diferença é que neste cenário distópico temos medo de que nos toquem, não desviamos o olhar do chão, fazemos promessas de todas as tarefas que queremos aproveitar para concretizar. No fundo, estamos todos só a tentar manter-nos à tona e ninguém sabe muito bem o que sentir – por isso, ou parece que se sente tudo ao mesmo tempo, ou parece que não se sente nada.
Às vezes é como se o mundo acontecesse perante nós, a correr, obrigando-nos a manter o passo apressado ou tudo passaria por nós sem conseguirmos dar conta do recado. Outras, as horas não passam, não existem, por mais que imploremos que volte a ser dia. Perante este convite à confusão, a guitarra bonita de “Here’s the Thing” acompanha a contemplação dos sentimentos como quem contempla a luz do sol que entra pela janela matreira, desenhando sombras nas paredes, o que já faz o dia ser diferente do anterior.
“Turning Green”, onde os sintetizadores e as percussões de Mozgawa ganham protagonismo, interrompe o piano e a guitarra de melodias suaves comuns a todas as canções, porque neste álbum também há espaço para o desconcerto.
A obrigação a ficarmos fechados em casa abre espaço às meditações que nos fazem ter pena de nós próprios. Falamos sozinhos, sentamo-nos no chão, ouvimos as vozes amigas pelo telefone. Queremos saber dos outros, mas não tanto quanto queremos saber de nós próprios. Barnett valida-nos esta necessidade de introspeção, mostrando-nos que essa é a melhor terapia para tempos estranhos, longe do mundo. Em “Take It Day by Day”, Courtney toma conta dos amigos e faz um tutorial de como viver um dia de cada vez e, em “If I Don’t Hear from You Tonight”, recebemos uma dose de inteligência emocional, para variar, uma vez que, fechados em casa, deixam de fazer sentido as intrigas e as complicações. As letras e as músicas são simples porque é disso que precisamos às vezes: de simplificar. As estrelas no céu não são nada comparadas com a dimensão das emoções humanas e daquilo que nos fazem sentir. Ficamos pequeninos com a grandeza das coisas insignificantes que nos consomem e nos fazem passar dias sem sair (mentalmente) da cama. Por isso, Courtney canta “And we’ll scream / Self-righteously / We did our best, but what does that really mean?” em “Write a List of Things to Look Forward To”.
O álbum tem uma sonoridade muito caseira porque fala das banalidades da vida e das conversas de café, porque era só isso que tínhamos em quarentena e foi a isso que nos agarrámos. Things Take Time, Take Time é simples, mas não precisava de ser mais nada – é Barnett fechada em casa, como éramos todos nós. Os dias eram mesmo todos iguais. Musicalmente, o álbum não é surpreendente porque não é esse o objetivo; estas músicas são as suas letras e foram a terapia de Barnett, apologista do não fazer nada ocasional e do prestar atenção ao nada à nossa volta. A própria admitiu a necessidade de alguma calmia sonora, quiçá para conseguir mais facilmente confrontar o que tinha entalado na garganta. Things Take Time, Take Time é íntimo, um convite aos confins das suas emoções, relações e descobertas que foi fazendo pelo caminho. Barnett nunca foi pretensiosa e assim continuou, mostrando a beleza do comum, mas desta vez sobre um comum comum ao mundo inteiro.
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