A casa do portento “Proud Mary” dá aos Creedence Clearwater Revival o primeiro grande sucesso de uma carreira que já durava há dez anos.
Os Creedence Clearwater Revival (CCR) entram em 1969 a cumprir um marco importante: passavam dez anos desde que a banda se havia formado e pareciam estar finalmente perto do definitivo vai ou racha. Menos de um ano antes, a edição do álbum de estreia homónimo fizera finalmente o mercado prestar atenção a estes tipos estranhos, vindos de São Francisco mas cantando sobre o sul mítico e vestindo-se mais como camionistas do que como hippies.
John Fogerty, a alma da banda, estava bem consciente de que este era o tempo para dar tudo. Haviam passado por muito, trabalhado muito, para poder fazer o mundo pelo menos ouvir o que andavam a fazer. Com este à escuta, cabia agora à banda dizer as coisas certas.
Ainda assim, Fogerty e os rapazes não perderam muito tempo a pensar num plano para atacar este segundo disco. O vocalista tinha canções para dar e vender e atravessava um período extremamente fértil, com novo material a sair-lhe da guitarra quase todos os dias. Passaram três meses a ensaiar e, quando entraram em estúdio, tinham tudo despachado em duas semanas.
Os dois sentimentos dominantes em Fogerty, nesta altura, eram de confiança e de determinação. Confiança porque o disco anterior – ainda que não tivesse sido um colosso de vendas – tinha sido uma validação do que andavam há dez anos a fazer; e, sobretudo, porque ele tinha um trunfo na manga, em formato canção, que prometia levar os CCR ao nível seguinte. Mas já lá vamos.
A determinação vinha desse sentimento de que, naquele momento, não havia margem para desleixos. A oportunidade tinha de ser agarrada e o líder da banda estava disposto a fazer tudo sozinho para garantir que o resultado final era o que tinha na cabeça. “Toda a gente queria cantar, escrever, fazer os seus próprios arranjos, seja o que for. Isto depois de dez anos de luta. Agora estávamos debaixo dos focos. Os 15 minutos de fama de que falava Andy Warhol”, recordou Fogerty em declarações à Uncut. Traduzindo: o cantor não ia deixar a democracia interna na banda interferir com o seu caminho para o sucesso.
E o tempo veio a dar-lhe razão, com Bayou Country a cimentar os CCR como estrelas de primeira linha do rock americano do final dos anos 60. Mais, este disco inaugura uma sequência de êxitos que fizeram dos CCR, por um breve período de tempo, as maiores estrelas desse firmamento.
O disco de apenas 37 minutos e sete canções arranca com “Born on the Bayou”, que estabelece o tom, tanto em termos musicais como de ambiente. Fogerty, um tipo que nunca estivera no sul, vivia obcecado com os territórios do Mississippi, desde as histórias de Huckleberry Finn aos músicos de blues como Lightnin’ Hopkins. E foi esse o ambiente emocional escolhido para afirmar os CCR, que na verdade viviam todos no subúrbio de São Francisco, El Cerrito.
“Bootleg” é uma espécie de embrião musical do que viria a ser “Green River”, um dos temas fortes do disco seguinte mas que aqui não se afirma particularmente. Segue-se “Graveyard Train”, um blues lento, arrastado, suado, impregnado de calor e de harmónica sulista.
Segue-se o standard “Good Golly, Miss Molly”, alvo de inúmeras versões, e que na visão dos CCR é uma injecção de vitamina rock ‘n roll animada pelo subtil mas determinante trabalho da guitarra solo de Fogerty. É também um bom exemplo da excentricidade da banda, que curiosamente residia na sua ausência de excentricidade. Num momento em que andava tudo em ácidos e a cantar sobre o espaço ou os direitos civis, Fogerty revertia para a sua homenagem aos clássicos do rock ‘n roll dos primeiros tempos. Enquanto toda gente em São Francisco andava de camisas de seda cor de rosa, os CCR continuavam de ganga e flanela.
“Penthouse Pauper” é um excelente blues, um dos factores – juntamente com o rock ‘n roll – que fizeram destes quatro tipos um portento que até hoje não foi esquecido. E a guitarra de Fogerty, neste tema, mostra que ele pode não ser um virtuoso como Eric Clapton, mas que dá tudo na expressividade de cada nota.
Mas tudo o que vem antes pode ser muito bom e muito bonito, que empalidece perante a música seguinte, o tal trunfo que Fogerty trazia na manga e que lhe dava confiança de que o mundo ia gostar do que estava prestes a ouvir. Falamos do clássico “Proud Mary”, que desde então já foi alvo de mais de 100 covers de artistas que vão de Elvis a Ike & Tina Turner. O que nasceu como uma canção sobre uma criada que trabalhava para uma família rica evoluiu para a história de um barco a vapor no Mississippi, sempre em frente, sempre a andar: “rolling, rolling, rolling on the river“. Fogerty sabia que estava aqui o ouro, de tal maneira que, perante a incapacidade dos restantes membros de fazerem as harmonias vocais que procurava, os mandou almoçar e ficou em estúdio, gravando todas as vozes sozinho. “Eu já fazia aquilo há muitos anos em casa, com o meu gravador. Eu conhecia bem as harmonias e os outros, francamente, não. Literalmente, a banda podia ter acabado naquele momento”, admitiu. A banda não acabou, um êxito mundial nasceu (chegou a número 2 no top de singles), mas as sementes da discórdia estavam semeadas, e ficariam muito mais visíveis pouco tempo depois.
Depois deste grande single, o disco fecha com a jam “Keep on Chooglin’”, com um toque sulista em cima do estilo de temas popularizado sobretudo pelos Grateful Dead. Longe de ser um dos clássicos dos CCR, está lá muito do seu ADN: o blues do delta, a guitarra expressiva, a quente harmónica e a simplicidade rítmica que, na verdade, funciona como um motor que nunca cessa de andar para a frente, levando-nos com ele.
Bayou Country deu aos Creedence o seu primeiro LP no top 10 das vendas norte-americanas e possibilitou a primeira digressão em Inglaterra, onde foram recebidos como heróis do rock americano.
Dez anos depois do arranque, enquanto pré-adolescentes na Califórnia, os Creedence Clearwater Revival haviam, finalmente, chegado aos grandes palcos.
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