quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Bill Callahan & Bonnie Prince Billy – Blind Date Party (2021)


 

Os dois William que mais amamos dão-nos um excelente disco de pandemia, feito de versões e com uma multidão de colaboradores da grande família que é a Drag City Records

Em 2020, com o mundo fechado em casa e na paranóia associada, Bill Callahan e Bonnie Prince Billy (Wil Oldham) começaram com um exercício curioso, para manter a sanidade e encontrar forma de continuar a fazer música de forma colaborativa: escolheram uma série de canções de outros artistas, convidaram um grupo muito alargado de músicos seus conhecidos, e entretiveram-se a construir novas versões dessas músicas, remotamente.

Primeiro, os dois seleccionaram os temas que queriam gravar; depois convidaram os músicos a dar a sua interpretação sobre uma base preparada pelos dois, com total liberdade; e no fim acrescentaram uns toques e as suas vozes ao que lhes chegava por via digital. A ironia e a poesia está, em parte aí: no meio do maior isolamento que conhecemos nas nossas vidas, construir um trabalho realmente colaborativo, sem estarem cara a cara.

O trabalho começou a ser divulgado ao mundo em Outubro de 2020, com “Blackness of the night”, de Yusuf Islam (Cat Stevens), sem grande explicação. Outras se foram seguindo ao longo dos meses (todos com direito ao seu próprio videoclip, que pode ver mais abaixo) até que, mesmo nos últimos dias de 2021, este conjunto de 19 canções conheceu edição física, sob o nome Blind Date Party.

A escolha das músicas e autores não pareceu seguir qualquer critério a não ser agradarem aos dois músicos. Temos Cat Stevens, Iggy Pop, Lou Reed, Leonard Cohen, John Prine ou Billie Eilish. E, claro, uma canção de cada um: “Our anniversary” dos Smog (o próprio Callahan antes de assumir o seu próprio nome), e “Arise, Therefore”, de Palace Music, um dos alter-egos de Oldham.

Se os autores são tão variados, isso não é menos verdade nos músicos convidados a colaborar, integrantes – actuais ou passados – da Drag City, a editora de ambos os cantores e que se afirmou ao longo dos anos como uma das mais fiáveis instituições da música alternativa americana. Encontramos nomes óbvios como Ty Segall ou Cory Hanson, mas também Sir Richard Bishop ou a iraniana-americana Azita.

Com tanta variedade, é normal que a coesão de Blind Date Party não seja à prova de bala. No entanto, mesmo sem o desejarem, há temas que Callahan e Oldham sempre cantaram, e que também os atraem enquanto ouvintes e melómanos. Está aqui, em muitos temas, a condição humana, o sofrimento, a redenção, a busca de uma qualquer verdade. Para algo tão conceptualmente disperso, Blind Date Party até funciona muito bem como um corpo único de trabalho.

Se as vozes de ambos (sobretudo Callahan, que está a cantar melhor que nunca) não precisam de apresentação e bastariam para elevar qualquer disco para muito perto do estatuto de obrigatório, o resultado final não contradiz essa percepção prévia. Dos 19 temas, o menos conseguido é também o mais rebuscado: “Wish you were gay”, de Billie Eilish, é uma espécie de synth-pop de plástico que não só não acrescenta nada como funciona como um corpo estranho no disco.

Mas se esse é um tiro ao lado, há muitos que acertam no alvo. Não só acertam, rebentam com ele com absoluto brilhantismo. Entre muitos, destacamos três.

Primeiro, com o infalível Matt Sweeney, a inacreditável “OD’d in Denver”, de Hank Williams Jr (filho do grande autor do country americano a quem Leonard Cohen guardava todo um piso na “Tower of Song”), uma história de dor e perda de um músico que se desgraçou por causa da cocaína e de uma mulher (que podem, na verdade, representar ambas a mesma coisa). Depois, “Deacon Blues”, que pega na quase jazzística música dos Steely Dan e a torna numa balada empoeirada de uma qualquer estrada americana, a transpirar beleza por todos os poros; por último, a inevitável homenagem aos Silver Jews, marco incontornável da vida da Drag City, com “The Wild Kindness”, com a ajuda de Cassie Berman, baixista dos Jews e viúva de David Berman, de quem temos tantas saudades.

Blind Date Party é um disco longo, cheio de boas surpresas e de grandes momentos, que passa num instante e que apetece ouvir muitas vezes. A pandemia foi e é terrível, e não foi isto. Isto foi a forma como Callahan e Oldham escolheram encará-la, deixando este bonito objecto para a posteridade. Uma bela companhia em tempos incertos, e um disco obrigatório para qualquer fã destes dois grandes músicos.


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