domingo, 2 de outubro de 2022

Caetano Veloso – Outras Palavras (1981)


 

Outras Palavras foi o primeiro Disco de Ouro da carreira de Caetano Veloso, e percebe-se facilmente a razão: é um tremendo álbum, repleto de clássicos e de amor em forma de sons e palavras, de outras palavras, entenda-se.

O LP saiu em 1981, mas eu só o comprei três anos depois, em 1984, no início de fevereiro. Tinha dezasseis anos e praticamente só ouvia música popular brasileira. Ou, dizendo melhor, ouvia Caetano Veloso em quantidades astronómicas, depois Milton, depois Gil e pouco mais. Tinha já muitos álbuns do deus de Santo Amaro da Purificação, e se tivesse de perspetivar a vida apenas (e digo o mesmo até hoje) com uma mão cheia deles, seriam Cores, Nomes (o título deste tem vírgula entre as expressões), TransaCinema TranscendentalBicho e Outras Palavras. A escolha para o Especial MPB recaiu em Outras Palavras, como poderia ter recaído em qualquer outro dos mencionados, só que sobre os restantes já havia escrito nestas mesmas páginas. Estava, aliás, convencido que também já teria feito o mesmo sobre este disco de 81, e foi com surpresa que percebi a falha. Bem a tempo. Que bom! Mas puxemos o filme um pouco atrás, recuemos algumas décadas e façamos de conta que estamos em fevereiro de 84. Pode ser?

Eu era um rapaz que estudava Humanidades no secundário, a música era uma paixão de sempre, e o gosto arrebatador por Caetano Veloso surgiu por via de uma colega de liceu que me passou essa tremenda carga viral. Essa e outras, na verdade. Nunca poderei agradecer-lhe o suficiente por isso (obrigado, Xaninha, mais uma vez!). Curiosamente, Outras Palavras, se não me falha a memória, é o disco que ela mais gosta do mano Caetano, e talvez por isso, e por tantas outras coisas, também me afeiçoei a ele de forma particular. Essas outras coisas serão, seguramente, o facto de ser um álbum repleto de enormes canções. Não há, diga-se, uma única que seja menos boa, mesmo tendo em conta as pequeníssimas “Blues” e “Verdura”, quase interlúdios no meio do lote de treze canções. É toda uma safra de puro génio!

Outras Palavras é um disco muito feminino. Um álbum onde estão presentes (nas letras e também no imaginário de quem passa a ouvi-lo) muitas mulheres. É uma obra de veras gatas, um autêntico caldeirão de sons e ritmos charmosos e onde A Outra Banda da Terra talvez se encontre na sua melhor forma de sempre, ela que havia surgido em Muito (Dentro da Estrela Azulada) como a nova banda de Caetano Veloso. Ouvi tantas vezes este disco (e todos os outros, claro), que ainda hoje não hesito nas letras, quando o ouço, sempre disposto a cantarolá-lo. Mais um disco para a vida, portanto, entre tantos outros.

Em Outras Palavras podemos encontrar, como já referi, canções incríveis, com partes de letras incríveis (olhem só: “Parafins, gatins, alphaluz, sexonhei la guerrapaz / Ouraxé, palávoras driz, oké cris, expacial / Projeitinho, imanso, ciumortevida, vivavid / Lambetelho, frúturo, orgasmaravalha-me Logun / Homenina nel paraís de felicidadania:/Outras palavras, outras palavras”), tudo em cerca de quarenta minutos de duração. É muita beleza concentrada!

Canções como “Outras Palavras”, “Vera Gata” (a letra é sobre Vera Zimmermann, que Caetano apelidou de beleza pura, assim que a viu, e que curiosamente também é título de uma enorme canção de Cinema Transcendental, álbum de 1979), “Sim/Não”, “Rapte-me Camaleoa”, “Tem que Ser Você” e “Quero Um Baby Seu” são absolutamente solares, feitas de energia, movimento e boa onda. Ouvi-as há dias, numa praia algarvia, e até o dia ficou mais quente. Contrastam, todas elas, e de forma perfeita com as mais recatadas e lunares “Gema”, “Lua e Estrela”, “Nu Com a Minha Música”, “Dans Mon Île” e “Blues”. Sobram, feitas as contas,  “Verdura”, sobre um poema de Paulo Leminski” e “Jeito de Corpo”, derradeira canção do álbum e que o fecha da melhor maneira possível, onde o “projeto Brasil” de Caetano contempla tanta coisa e tanta gente como Gilberto Gil e Os Trapalhões Renato Aragão, Mussum, Dedé e Zacarias. Numa espécie de autorretrato, Caetano diz-se, nessa final canção, ser “…celacanto do mar / Adolescendo solar” e que tudo não passa de “…um jeito de corpo / Não precisa ninguém me acompanhar”.

No entanto, e no meu caso em particular, eu acompanho-o desde a minha mais jovem adolescência. Escrever sobre Caetano e ouvir a sua imensa obra, que é o que faço há décadas, deixa-me sempre com vontade de dizer que não há nem nunca houve maior génio na música popular brasileira, e que Caetano é deus e que continua a ser igual a si próprio e a ditar caminhos e tudo o mais. Gostaria muito de dizer todas estas coisas utilizando outras palavras, mas só o sei dizer nestas e por isso é melhor acabar este sofrível texto, todo ele feito num fôlego, de rajada, e pedir a todos que ouçam o disco. Uma primeira vez, se for o caso, e muitas outras em repeat, que talvez seja a melhor maneira de ficar de bem com a vida e com aquilo que ela (e ele) nos dá.


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