Um disco que poderia (quase) ser um best of! Quando assim é, estamos seguramente na presença de um trabalho de exceção. Coisa de Acender pertence a esse lote. Para mais, comemora este ano uma bonita idade, por isso voltámos a ele, e em boa hora.
Estávamos no ano de 1992 quando Coisa de Acender veio a lume. Não se tratava, na verdade, de apenas mais um disco de Djavan, o décimo, neste caso. Coisa de Acender trazia algumas particularidades consigo, desde logo por ser um disco de várias parcerias, algo difícil de encontrar em toda a discografia do alagoano. No entanto, e mais do que o facto dessa partilha autoral, o álbum é um primor de bom gosto, elegância e estilo. Das nove canções que dele fazem parte, há oito (já para não dizer que todas estão ao mesmo nível) que poderiam ser considerados clássicos. Na verdade, há quatro que o são, verdadeiramente. Mas já lá chegaremos. Deixemos esses destaques para outros parágrafos. Importa, para já e sobretudo, recordar que Coisa de Acender faz trinta anos e está tão fresco agora como no momento em que veio ao mundo. A excelência dos temas e da produção, também ela partilhada entre o músico brasileiro e Ronnie Foster, são determinantes para o sucesso do disco. Ronnie Foster, aliás, músico e produtor de culto (gravou para a Blue Note, assim como trabalhou com Grant Green, George Benson e Stevie Wonder, por exemplo), já havia produzido outro disco essencial na carreira de Djavan, o histórico Luz (1982). Coisa de Acender é um trabalho de grande inspiração, sobre isso não restarão quaisquer duvidas, nem mesmo para aqueles que continuam a olhar com alguma desconfiança para Djavan, vá lá saber-se a razão.
O disco abre com “A Rota do Indivíduo (Ferrugem)”, tema com letra de Orlando Morais, e desde logo se percebe estarmos em presença de uma canção fabulosa. É o início de uma série de quatro clássicos, uma vez que de seguida surgem – vejam só – “Boa Noite”, “Se…” e “Linha do Equador”. Impossível haver melhor sequência, sem dúvida. O primeiro destes três ases é gingona e cheia de charme, soul tropical de excelência. “Se…” é um clássico que fala por si, algo misterioso (“Mais fácil aprender japonês em braille”) e presença obrigatória em qualquer show do artista. E, para finalizar este melódico ataque inicial, “Linha do Equador”, feita em parceria com Caetano Veloso – coisa que há muito se desejava que acontecesse – vem repleta de referências modernistas e tropicalistas, e é, provavelmente, o mais belo tema de todo o álbum. “Violeiros”, a música menos interessante de todo o conjunto de Coisa de Acender, é importante, mesmo assim, uma vez que recoloca o álbum na esfera nordestina do vocabulário musical de Djavan, funcionando como uma espécie de canção-âncora, lembrando as suas origens e alguns dos seus primeiros discos, como Djavan (1978), Alumbramento (1980) ou Seduzir (1981), de que nestas páginas já demos conta. “Andaluz”, tema que traz Flávia Virgínia, sua filha, como parceira e a ela entrega a parte cantada em francês, é serena e muito bonita, tipicamente djavaneana. “C’est Jolie / Comme la poésie de Rimbaud”. “Outono” é uma balada ao estilo inconfundível do músico de Alagoas e “Alívio”, a penúltima das canções do álbum, vai um pouco na mesma linha, e enceta nova parceria, desta vez com o talentoso baixista Arthur Maia. “Baile” encerra o disco e volta a crescer alguma pulsão, algum ritmo, e na sua letra escutamos o verso que dá título ao disco. Se é verdade que a segunda metade de Coisa de Acender está um pouco abaixo da primeira, todo o trabalho merece os elogios festivos de quem completa três décadas de existência.
É sempre importante ouvir Djavan. Nele há em permanência algum alumbramento capaz de nos seduzir, de nos revelar a luz que em tantos músicos vai, por vezes, faltando, mas que em Djavan não se esgota nunca, e por isso o nosso bom alagoano está sempre pronto a acender em nós.
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