sábado, 1 de outubro de 2022

Gilberto Gil – Expresso 2222 (1972)


 

Há que comemorar o álbum Expresso 2222 . Ele faz 50 anos e o seu autor, Gilberto Gil, conta já com mais trinta. Dois números de peso que cimentam um disco, uma carreira e um músico de exceção.

Andamos sempre atentos a estas coisas de datas comemorativas, sobretudo quando números bem redondos se afiguram perante nós. É o caso de Expresso 2222, disco saído em julho de 1972, e um dos melhores álbuns de Gilberto Gil de toda a sua extensa discografia. Será melhor e mais justo afinarmos a ideia, referindo ser, esse disco,  dos trabalhos mais importantes da fase (ainda algo) embrionária da carreira do músico baiano, “aquele preto” de quem nós gostamos tanto, parafraseando a conhecida expressão de Dona Canô, mãe do amigo Caetano Veloso, que ficou eterna nos anais da música popular brasileira. É o quinto longa duração de Gilberto Gil, e o primeiro após o regresso de Londres, onde se encontrava exilado com o “mano Caetano” havia algum tempo. O seu título, curiosamente, remete para um tempo mais antigo, e nomeia o comboio que o músico apanhou quando saiu da sua terra natal rumo a São Salvador da Bahia. Funciona, portanto, como metáfora de uma múltipla viagem, tanto no tempo como no espaço, mas também como regresso a um som mais regional, embora envolto ainda no embrulho tropicalista que Gil ajudou a criar. Na capa, ao contrário do que muita gente pensa, está a imagem de seu filho Pedro Gil (1970-1990), nascido na capital inglesa e fotografado com apenas dois anos pela lente de Edson Santos. Feito este breve resumo, vamos às canções que fazem de Expresso 2222 um dos álbuns mais cultuados da história imensa da música do nosso país irmão.

“Pipoca Moderna” promove a abertura do álbum. É meramente instrumental, espécie de vinheta mais larga que dá o tom nordestino que irá pontuando todos os trinta e quatro minutos e poucos segundos que o álbum contém. Esse mesmo tema viria a ter uma versão definitiva, digamos assim, em Jóia, álbum que Caetano Veloso publicou em 1975, já com versos cantáveis. Aliás, a canção é de autoria do próprio baiano de Santo Amaro da Purificação e de Sebastiano Biano. Na versão de Gil, a mítica Banda de Pífaros de Caruaru é quem toca nessa faixa. Depois dessa entrada sonora, vem “Back in Bahia”, rock bem conhecido e tema dezenas de vezes tocado e regravado por uma pequena multidão de músicos brasileiros até aos dias de hoje. Essa canção começou a surgir na cabeça de Gil em casa de Dona Canô, numa noite de festa em Santo Amaro, e foi concluída no dia seguinte, já em casa de Sandra Gadelha, em Salvador, com quem vivia na altura. É uma das suas canções mais conhecidas e evoca o período de regresso à pátria brasileira, embora repleta de referências aos anos de exílio passados em Londres. “O Canto da Ema”, a canção seguinte e a mais longa de todo o álbum, é um remake eletrizado do tema que Jackson do Pandeiro tornou célebre e funciona, seguramente, como homenagem a um dos ídolos do baiano. E por falarmos em temas célebres, o quarto é “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e Almira Castilho, em versão samba-rock que se tornou imortal a partir de Expresso 2222. Magnífica, sem dúvida! “Ele e Eu” encerra o primeiro lado do álbum. É uma canção curiosa sobre as almas gémeas de Gil e Caetano, seu grande parceiro de vida.

A segunda metade de Expresso 2222 abre com “Sai do Sereno”, e uma baiana entra em ação, a doce bárbara Gal Costa, convidada por Gil para com ele cantar essa conhecida faixa de Onildo Almeida. É um forró-rock danado de gostoso, em que as vozes de Gil e Gal combinam perfeitamente com a guitarra de Lanny Gordin e com a bateria de Tutty Moreno, feras enormes que muito favorecem o disco de Gilberto Gil. “Expresso 2222” é a antepenúltipla faixa do LP, a que lhe dá o nome, e tornou-se um clássico instantâneo, também ela gravada e regravada por um imenso batalhão de gente. Gil deixou para fim de festa dois temas reflexivos. “O Sonho Acabou” é uma faixa muito interessante, sobretudo porque evoca o final de um tempo tendo como base um acontecimento concreto, o festival de Glastonbury. Muitos dos brasileiros que viviam em Inglaterra no período em que Gil e Caetano se encontravam lá exilados (Sandra e Dedé Gadelha, Cláudio Prado, António Peticov, Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Paloma Rocha, entre outros) estiveram com os dois músicos no conhecido festival inglês e assistiram, no dia do encerramento, à desmontagem do recinto, ao crescente abandono do recinto. Isso marcou Gilberto Gil. O músico transformou essas imagens em metáfora de um tempo que se extinguia ali, naquele instante, o tempo da paz e do amor. Finalmente, “Oriente” para encerrar o álbum. É um tema que também ficou bastante conhecido, e uma letra repleta de múltiplas autorreferências, muito mística, quase pré-anunciadora dos futuros trabalhos de estúdio de Gilberto Gil. É o tema perfeito para o fim de Expresso 2222.

E assim, após cinquenta anos de existência, Expresso 2222 presta-se a novas e frutíferas audições, como grande clássico que é. Há que ouvir Gilberto Gil, há que ouvir este maravilhoso álbum, que vai sempre crescendo e revelando novas particularidades cada vez que pousamos os ouvidos nele. Por ser tempo de festa (meio século é uma data importante), faça um favor a si próprio e vá ouvir Expresso 2222. Ele já circula há tanto tempo, que é criminoso não apanhar boleia.


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