terça-feira, 18 de outubro de 2022

Nala Sinephro – Space 1.8 (2021)


 

Parece um sopro de paraíso sussurrado aos nossos ouvidos. Um espaço onde pequenos detalhes surgem a cada instante, uma imensa narrativa onírica, um caminho fértil que se percorre com imenso prazer. Com os pés na terra do sonho, mas com a cabeça no espaço real e vizinho.

Nala Sinephro é ainda uma menina. Está a dar os primeiros passos em nome próprio, mas já andou (e anda ainda) de braços dados com Nubya Garcia, Shabaka Hutchings (sim, esse mesmo, o nome por detrás de Sons of Kemet e The Comet Is Coming) e prefigura-se como alma gémea de Alice Coltrane ou de Pharoah Sanders, por exemplo. Como se vê, não está nada mal servida de nomes e de referências, nesta espécie de solidão acompanhada que é cair música. Nala Sinephro vive em Londres, mas as suas origens são outras. Em qualquer dos casos, o que importa nela é a surpreendente capacidade que tem em criar pequenos universos que nos colocam em êxtase estático, sobretudo quando de olhos fechados, ouvimos, siderados, aquilo que tem para nos contar. E são, para sermos exatos, oito estórias sonoras (a grafia é propositada pelo que nela existe de narrativa de ficção, de aventura sensorial vivida), aquelas que ouvimos em Space 1.8, álbum lançado no passado ano, e que chegou a ser escolhido pela nossa redação como um dos melhores dez discos de 2021. Quem deu corpo físico ao trabalho – há edições em vinil e em cd – foi a respeitadíssima Warp Records, casa onde também habitam nomes como Stereolab, Aphex Twin, Brian Eno, Flying Lotus ou Yves Tumor, por exemplo.

Todos os caminhos fazem-se de distâncias, e em Space 1.8 esses intervalos entre pontos fazem-se de momentos de envolvimento emocional. Tudo aqui existe à flor da pele, por isso os arrepios e os calafrios constantes. A viagem (seria inevitável o uso desta expressão) que aqui se faz, alimenta-nos os sentidos e leva-nos pela brisa dos sopros que se ouvem, transportando-nos por caminhos elegantes e belos, mesmo que por instantes (“Space 6”) haja alguma turbulência, momentos de agitação e desordem, desarrumação. Quando se viaja no espaço, é natural que assim seja, pois “É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!”, como bem lembrou Mário de Sá-Carneiro enquanto polia as suas unhas. Quanto ao restante caminho, e ele, na totalidade, comporta exatamente quarenta e quatro minutos e vinte e dois segundos, ele é essencialmente cósmico, contemplativo, feito por camadas que se abrem para que se conheçam os múltiplos segredos que por lá existem. Percebe-se a existência previamente bem traçada e definida entre todos os pontos intermédios da sublime travessia que é Space 1.8. Há sintetizadores que criam bonitas atmosferas, há melodias que se insinuam como se fossem apetecíveis cantos de sereias, há harpas que flutuam em mares de encanto que elas próprias criam. Há comunhão, acima de tudo, um acordo, uma harmonia de sons e de formas, um sacramento que se desvela em permanência.

Outro aspeto interessante em Space 1.8 é a sua linguagem económica e sem qualquer tipo (ou esboço) de espalhafato. Tudo é muito comedido e minimalista. Sereníssima, esta Nala Sinephro. Sereníssimo, todo este álbum. É grande a dificuldade em escolher algum dos oito momentos do disco, mas se nos forçarmos a isso, o primeiro (“Space 1”) e o último “”Space 8”), talvez por serem princípio e fim, receberão especial acolhimento. A beleza estonteante da faixa de abertura e a longa e mágica duração do instante derradeiro são perfeitos. Pelo meio, há um imenso universo a percorrer. Sempre com agrado, sempre com a sensação de que vamos estando em terra de magos, onde o sobrenatural pulsa a cada segundo, atraindo-nos numa crescente onda sedutora. E, como sabemos, a sedução é, e sempre será, uma tentação irresistível!

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