domingo, 2 de outubro de 2022

O Terno – Melhor do Que Parece (2016)


 

Melhor do Que Parece é uma elegante peça de apoio emocional, sem julgamentos, pronta a amparar a queda de quem se sente atirado para o mundo sem preparação.

O Terno, trio composto por Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Biel Basile, nasceu em 2009 enquanto banda de covers e tem-nos deixado acompanhar de perto a sua evolução para a vida adulta, com todas as dores de crescimento e os questionamentos sobre o mundo que isso implica. O rock de 66, álbum de estreia lançado em 2012, começou a ganhar personalidade própria no disco que se seguiu, homónimo da banda, com toques mais psicadélicos e a premissa do que viríamos a conhecer bem como a identidade O Terno. Esta chega com Melhor do Que Parece, de 2016, em jeito de auto-afirmação, acabando por se manifestar plenamente em atrás/além, o último álbum, lançado em 2019, que apresenta fortes influências do estilo pessoal de Tim Bernardes. Melhor do Que Parece é o álbum coming of age do trio, com letras e sonoridades que assentam que nem uma luva.

Teen Angst

A primeira e mais célebre experiência de um jovem adolescente é a raiva que sente por sentir que o mundo se ordenou contra si. A guitarra protagonista de “Lua Cheia” ganha relevância sobre a letra que se vai repetindo ao longo dos minutos e triunfa no fim, caso alguém ainda não tivesse dado conta da sua ira.  “O Orgulho e o Perdão” surge como um manifesto de auto-respeito, casa de sintetizadores e de um trombone que se faz ouvir, roubando todas as atenções e desviando-nos de qualquer esperança de perdão no fim.

Se esperarmos uns anos, no entanto, essa raiva vai desvanecendo até que chegamos ao patamar que nos apresenta “Vamos Assumir”, mais maduro, ainda que com resquícios da desilusão de crescer. É sobre nunca estarmos satisfeitos com o que temos, sobre vivermos sempre a pensar no futuro sem prestarmos atenção ao presente e sobre sermos reféns das nossas próprias ilusões, projetando nos outros o que queremos que eles sejam.

Dor de pensar

Não só de cabeças confusas são feitos os pré-adultos. A divertida “Culpa” é sobre o chamado overthinking. Todos conhecemos a sensação de que toda a gente em nosso redor está a questionar as nossas palavras e os nossos gestos, condenando ainda a nossa preocupação demasiada sobre o seu julgo, quando mais ninguém pensa tanto sobre nós como nós próprios. É engraçada, porque simultaneamente critica os limites da sociedade vigilante e mostra a fragilidade de quem quer estar no sítio certo. Com uma melodia bem-disposta, é abordado o pensamento constante na cabeça de alguém com pouca auto-confiança, que quer fazer tudo bem mas que ainda está a aprender como se vive segundo a sociedade, quando deveria estar a usar essa energia para se exprimir em plenos pulmões e mostrar ao mundo o que tem para oferecer.

A otimista “Melhor do Que Parece” é simplesmente complexa e é nas suas repetições ao longo dos 6 minutos que fazem a faixa que interiorizamos que “faz tempo que está tudo certo”, ainda que os nossos olhos vejam a realidade deturpada. Começa com violinos que acompanham a apatia descrita na letra, mas tem lado B, introduzido por uma guitarra que não esconde a sua presença. É quase como se, atingido o nível de exaustão de desnorte, sejam aceites as coisas como são e se parta daí para o bem-estar que quem cresce tanto procura. Dá-se festa com a entrada do saxofone barítono e assim aprendemos a lição de vida nº12 que o álbum nos promete.

(Re)conforto

Acima de tudo, o fim do mundo não está próximo e é também essa a missão deste álbum, a de confortar quem se vê em pânico. Uma harpa e violinos passam a fazer momentaneamente parte da banda para uma bonita canção de luta contra a autocomiseração, em “Nó”. Intercalados com uma pianola despreocupada, relembram-nos que tempos escuros vêm sempre com uma luz no fim e que a vida só é feita de baixos para que os altos também possam ter o seu espaço. É um elegante jogo a duas vozes, a que junta uma terceira, a voz harmoniosa de Tim Bernardes, tornando esta uma das faixas mais lindas de todo o álbum.

Um baixo sorrateiro abre “Depois Que a Dor Passar”, que é depois aquecida pelos coros e pelos violinos que nos garantem que, independentemente da situação, tudo acaba bem. Afinal, é sobre isto que é crescer, é perceber que as lágrimas e a aflição vêm com uma lupa de ampliação dos problemas e que tudo o que parece tremendo por fim se revela pequenino. Não só no conforto que confere, mas também musicalmente, esta música é muito belamente trabalhada. No entanto, o prémio de faixa mais encantadora é da fofinha “A História Mais Velha do Mundo” – e sim, fofinha é a palavra.

Os (des)amores de juventude

Claro que num álbum que ecoa a vida jovem, há mais do que espaço para declarações de amor, como é o caso de “Volta”, com a bonita voz de Tim em primeiro plano, a que se juntam, em crescendo, violinos, flautas, uma harpa e um contrabaixo. Já “Minas Gerais” é uma carta de amor ao passado, ao presente e ao futuro. Um hino da juventude, dos sentimentos bons, do sonho com um futuro em que se possa fazer apenas as coisas que sabem bem. É uma ode à beleza das montanhas de Minas Gerais, ao banco de trás de um carro cheio de amigos, ao pão com café, à magia da incerteza dos becos da madrugada, ao calor e som de um bar.

Se “Não Espero Mais” é música de comemoração de alguém que até ao momento se procurou na procura do amor verdadeiro, “Deixa Fugir” é música de festa, em jeito de celebração da liberdade e do descompromisso com tudo além do próprio, que sente quem ultrapassa um desgosto de amor e que volta a ver a vida sem desfoques.

Melhor do Que Parece é uma elegante peça de apoio emocional, sem julgamentos, pronta a amparar a queda de quem se sente atirado para o mundo sem preparação. É mais ou menos isso que acontece a todos: certo dia acordamos e percebemos que estamos por nossa conta, o que pode dar azo a grande aflição. O trio O Terno não escapou a essa fase crítica, porém crucial, do crescimento humano e compôs esta peça de doze faixas, algumas onde se descreve dito sofrimento, outras onde este é afastado ou, no mínimo, amenizado. As músicas deste álbum contam autênticas histórias, com princípio, meio e fim, character develpment e descrição detalhada do ambiente, por meio de sinestesias, jogando com a musicalidade de forma a que se sintonize com as emoções.

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