Quase a fazer um quarto de século, Samba Pra Burro é um álbum que merece ser escutado com a mesma atenção que lhe foi dada em 1998. Continua a ser um disco importante, experimental e muito à frente do tempo em que surgiu.
Otto apareceu, primeiramente, como membro integrante das iniciais formações da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A, sobretudo como percussionista. Depois, deixados para trás esses projetos, decidiu projetar-se em nome próprio. Decorria o ano de 1998, e um fantástico disco surgiu no Brasil como uma autêntica bomba nova (se por acaso leu “boa nova” em vez da expressão redigida em itálico, não emende a leitura, por ser também essa a ideia que gostaríamos que sentisse), e Otto estava, assim, lançado como nome de artista. O disco deu pelo título de Samba Pra Burro. Foi com Samba Pra Burro, portanto, que tudo começou, e nele a eletrónica estava em todos os poros de todos os minutos desse trabalho, como estão os batuques dos terreiros, as sínteses do mangue beat, drum n’ bass, e o samba eternamente brasileiro. Disco e título são perfeitos exemplos da genialidade do músico pernambucano. Samba Pra Burro quer dizer o quê? Muito e bom samba (lembrando a expressão popular que evoca quantidade e excelência de alguma coisa), ou samba para aqueles que, como o próprio músico, não sabem ou não podem fazer samba à maneira antiga e tradicional? Talvez seja mais prudente optarmos pela junção de ambas as ideias.
Samba Pra Burro está, na nossa opinião, destinado a ser um clássico, mas também um disco de rutura, uma obra fora dos trilhos. Canções como “Bob”, “Low”, “TV a Cabo / O Que Dá Lá É Lama”, “Distraída Pra Morte, “Café Preto”, “Ciranda de Maluco”, ou “Celular de Naná” são geniais, embora possam ser difíceis para ouvidos sem a devida dose de burrice auditiva. “Bob”, o tema de abertura, tem um swing cativante, e por isso é bem capaz de ficar nas nossas cabeças durante horas, se o pusermos a tocar. Basta ouvir o verso “Ela é do tempo do Bob, lá do Pina de Copacabana” e a companhia é garantida durante largo tempo. A voz de Bebel Gilberto, lá pelo meio, ajuda a dar um belo empurrão, como é fácil perceber. No entanto, é com “TV A Cabo / O Que Dá Lá É Lama” (com Andrea Marquee) que o álbum atinge, na nossa opinião, o seu maior esplendor. É uma mistura perfeita entre os mundos que Otto habitava na altura. Há samba, mangue beat, electrónica e drum n’ bass de primeiríssima qualidade. Não há, em todos os temas de Samba Pra Burro, momento mais gingão. Uma autêntica maravilha que incorpora, digamos assim, duas canções em perfeita união e sintonia. No entanto, outra das mais interessantes características do disco é a complexidade rítmica de temas como “Renault / Peugeot” (a lembrar os caóticos The Prodigy) e “Re / Pe”, esta última tão experimental quanto inusitada. O álbum, na verdade, dispara em muitas direções sonoras, mas não há balas perdidas, embora uma ou outra possa demorar um pouco mais de tempo a encontrar o seu alvo.
O sucesso, se assim podemos dizer, de Samba Pra Burro foi tão interessante, que em 2000 surgiu o duplo álbum Changez Tout: Samba Pra Burro Dissecado, um disco de remisturas, sem novas composições autorais. No entanto, isso não fez desse lançamento um trabalho despiciendo. Artistas como Max de Castro, André Abujamra, DJ Patife, Rica Amabis, entre outros, deram corpo a Changez Tout (agora título de disco, mas também de uma das faixas de Samba Pra Burro, que ganha aqui verdadeiramente um novo sentido, em virtude de este ser um disco de misturas). Não é para ser ouvido todos os dias, mas há momentos muito bons, de enorme inspiração.
Samba Pra Burro foi o primeiro álbum a solo da carreira de Otto, que promete novo lançamento discográfico ainda este ano. É grande a expectativa para ver o que aí vem. Pra trás, outros belos álbuns foram feitos, nomeadamente Condom Black (2001), Sem Gravidade (2003) e Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009), ou ainda o genial MTV Apresenta Otto (ao Vivo), de 2005. Mas não misturemos as águas em que hoje escolhemos navegar. Ouçamos Otto em toda a sua maravilhosa excentricidade! Ouçamos Samba pra não sermos Burros!
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