Espalhem a Notícia
Sérgio Godinho
Espalhem a notícia
Do mistério da delícia
Desse ventre
Espalhem a notícia do que é quente
E se parece
Com o que é firme e com o que é vago
Esse ventre que eu afago
Que eu bebia de um só trago
Se pudesse
Divulguem o encanto
Do ventre de que canto
Que hoje toco
A pele onde à tardinha desemboco
Tão cansado
Esse ventre vagabundo
Que foi rente e foi fecundo
Que eu bebia até ao fundo
Saciado
Eu fui ao fim do mundo
Eu vou ao fundo de mim
Vou ao fundo do mar
Vou ao fundo do mar
No corpo de uma mulher
Vou ao fundo do mar
No corpo de uma mulher bonita
A terra tremeu ontem
Não mais do que anteontem
Pressenti-o
O ventre de que falo como um rio
Transbordou
E o tremor que anunciava
Era fogo e era lava
Era a terra que abalava
No que sou
Depois de entre os escombros
Ergueram-se dois ombros
Num murmúrio
E o sol, como é costume, foi um augúrio
De bonança
Sãos e salvos, felizmente
E como o riso vem ao ventre
Assim veio de repente
Uma criança
Eu fui ao fim do mundo
Eu vou ao fundo de mim
Vou ao fundo do mar
Vou ao fundo do mar
No corpo de uma mulher
Vou ao fundo do mar
No corpo de uma mulher bonita
Falei-vos desse ventre
Quem quiser que acrescente
Da sua lavra
Que a bom entendedor meia palavra
Basta, é só
Adivinhar o que há mais
Os segredos dos locais
Que no fundo são iguais
Em todos nós
Eu fui ao fim do mundo
Eu vou ao fundo do mim
Vou ao fundo do mar
Vou ao fundo do mar
No corpo de uma mulher
Vou ao fundo do mar
No corpo de uma mulher bonita
Espectáculo
Sérgio Godinho
Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar
Quando
tu me vires no music-hall
estarei no palco
cabaça ao sol
ao sol da noite das luzes
à espera dum outro sol
e que os teus olhos os uses
como quem usa um farol
não me olhes só dessa frisa lateral
desce peça cortina e acompanha-me em cena
vamos dar à perna como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos bailar
Quando
tu me vires na televisão
estarei no écran
pés assentes no chão
a fazer publicidade
mas desta vez da verdade
mas desta vez da alegria
de duas mãos agarradas
mão a mão no dia a dia
não me olhes só desse maple estofado
desce pela antena e vem comigo ao programa
vem falar à gente como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos cantar
E quando
à minha casa fores dar
vem devagar
e apaga-me a luz
que a luz destoutra ribalta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta
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