The Museum of Imaginary Animals é um disco em vias de extinção. Já não se fazem discos assim, nem há muitas bandas como os Pram. Temos de cuidar de quem exige cuidados. Temos de amar este disco e esta banda.
Poucos são aqueles que os conhecem e ainda menos os que os amam. Na verdade, o que nos parece é que eles não se importam nada com isso. Os Pram estão claramente num mundo à parte, e explorar esse tão particular universo é algo que pode dar um prazer imenso, assim queiramos escutar e entender as sombras e os pequenos brilhos da sua música. O melhor é não perdermos grande tempo e passarmos às apresentações, ainda que sumárias.
Os Pram vieram ao mundo em 1988, em Birmingham, e foram quatro os seus membros fundadores, sendo que o destaque maior terá de recair sobre Rosie Cuckston, vocalista e teclista da banda, e que nela permaneceu até 2008. A música do grupo é uma estranha, sinistra e deliciosa mistura. Alguns dos seus ingredientes aproximam-se do kraut, embora com uma pitada de exótica e jazz. Uma espécie de música das mais indistintas profundezas humanas.
Mas avancemos (“já que temos / a valsa começada”), referindo que a dificuldade inicial em escolher um disco da banda sobre o qual escrever foi notória. Existem muitos e bons, mas por qualquer subjetiva razão acabámos por eleger The Museum of Imaginary Animals. Há já algum tempo que não o colocávamos a rodar, e bastaram alguns segundos para menearmos a cabeça afirmativamente. Sim, a decisão estava tomada. Alguns dos preteridos aparecerão por aqui, pelo Altamont, mais cedo ou mais tarde. É que nós não gostamos de injustiças, e levamos isto tudo muito a sério.
O álbum abre com “The Owl Service”, e tudo à nossa volta parece ter-se tornado diferente. Há um imaginário que se agiganta aos poucos, meio torto, disforme, freak, como se tudo ao redor fosse parte de um qualquer filme série b a preto e branco feito por um moderno Ed Wood. O canto de Rosie Cuckston (estranho, inseguro, a meio caminho da desafinação) faz-se notar por cima de uma instrumentação esdrúxula que, mesmo assim, prende quem a escuta de forma atenta. O universo sonoro dos Pram não falha. Ouça-se “Bewitched”, por exemplo, para entendermos bem as idiossincrasias deste conjunto de músicos sempre dispostos a criar canções impecavelmente deselegantes. Depois, ao longo de todo o álbum, há ambientes cheios de mistérios, fumacentos, que por vezes parecem desenhados com a intenção de causar uma qualquer forma de inquietação primária e juvenil, lembrando narrativas que amedrontam e que são contadas em tardes de frio e nuvens às criancinhas mais imaginativas, de olhos bem arregalados e mentes viajantes. “Mother of Pearl” e “The Mermaids Hotel” servem bem como exemplos do que dizemos. As letras, muitas vezes, tornam ainda mais oníricos estes sons (“And the girl from sunshine land / Now lives in the rain”). “Cat’s Cradle” segue a mesma onda.
A música dos Pram parece, muitas vezes, saída de pequenas caixinhas de música de Lilliput, ou de qualquer outras terra encantada. No fundo, o que queremos dizer é que são pequenas canções que se tornam gigantes, se é que nos fazemos entender. Em “Narwhal”, “A History of Ice” e ainda em “Picture Box” (todas instrumentais), os Pram revelam o seu conhecido gosto por um certo kraut denso, intrigante, feitos de ambientes fantasmagóricos. Estas três faixas vivem à margem de todas as outras, como se fossem interlúdios mais ou menos longos. Talvez assim, pela beleza que comportam, possamos saborear melhor toda a obra, uma vez que, de alguma maneira, intervalizam (olhem que bonito e preciso neologismo!) o que antes e depois delas vai acontecendo.
The Museum of Imaginary Animals não deve ser ouvido aos poucos (agora uma faixa, amanhã outra), mas por inteiro e mais do que uma vez. Só assim a sua estranha e intensa química sonora começará a atuar, borbulhando, aos poucos, até se tornar parceira de bons momentos. Um bálsamo que nos entrelaça de forma veemente.
Não se assuste com os Pram e com este The Museum of Imaginary Animals. Nem com a capa, tampouco. Deixe que a sua sensibilidade trémula (a do disco) se funda com a sua, mesmo que à partida não se julgue capaz de se render a essa improvável união.
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