O disco de estreia de Jorge Ben, Samba Esquema Novo, é inspirado pelo samba e pela bossa nova, mas a sua síntese é tão fresca e original que abre um novo sulco na música popular brasileira.
Jorge Ben tinha dezanove anos quando assoma Chega de Saudade, de João Gilberto. Inspirado pelo seu mestre, começa a cantar temas originais no Beco das Garrafas – mítico reduto da bossa nova. O seu talento depressa extravasa as paredes do esconso clube: em 1963 sai cá para fora o single “Mas que Nada”, um enorme sucesso de vendas. Pouco tempo depois, o longa duração Samba Esquema Novo está nas lojas, provando que Jorge Ben não é homem de uma música só.
Se João Gilberto levara o samba das favelas para os bairros finos, Jorge Ben faz o movimento contrário, resgatando-o de volta para o morro. O ritmo do samba, discreto na bossa nova, é agora amplificado pelo seu estilo sincopado de tocar violão. Ben havia tocado pandeiro em rodas de samba, e agora a sua mão direita aborda o violão com um balanço igualmente percussivo, quase furioso, em ruptura com a contenção do mestre João.
Já a voz é mais bossanovista, um pouco rouca mas doce, delicada mas despretensiosa. Ben brinca com o sotaque carioca, cantando “vochê” em vez de “você”, um truque para imprimir mais candura burlesca às suas histórias de amor. Porém, quando canta em falsete no final das canções, a guarda baixa e uma tristeza funda emerge das profundezas dos séculos.
As letras rompem a quarta parede, no sentido de se debruçarem sobre o próprio samba, talvez uma metáfora do pulsar da vida no morro, dançante mas dura, sensual mas sofrida. Se mais tarde seria mais vocal na afirmação do orgulho negro, a riqueza da cultura afro-brasileira já passa por aqui, com referências a deuses nagôs e ritmos maracatu.
As suas bonitas melodias, e divertidas histórias, são envoltas num embrulho de samba jazz, cortesia da banda Meirelles e os Copa 5. Os sopros, piano e contrabaixo são mais jazzísticos; a bateria é mais sambista, parceira do violão de Ben no frenesim rítmico.
O samba aparece em todo o lado: no título do disco, nas letras das canções, no samba jazz dos Copa 5. E, no entanto, há aqui uma originalidade – nas melodias, no canto, no ritmo do violão – que em muito transcende o formato tradicional do samba. Da mesma forma, se a influência da bossa nova é incontestável, Samba Esquema Novo não cabe no smoking engomadíssimo de João Gilberto. É um álbum cheio de deliciosas contradições: despretensioso na superfície, profundo na espiritualidade negra do morro; doce e cómico na entoação, quase raivoso no gingar do violão; branco nas harmonias, africaníssimo no groove. Um disco que não é samba, nem bossa nova. É Jorge Ben…
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