domingo, 9 de outubro de 2022

Spiritualized®- Everything Was Beautiful (2022)


 

Os Spiritualized® estão de volta! Saudemos aquele que nos traz inquietação e felicidade! Saudemos Jason Pierce! Saudemos o que encontramos em Everything Was Beautiful!

A razão de um início tão exclamativo é fácil de explicar: ter à mão mais um pedaço de vida sonora de J Spaceman é, para nós, sempre qualquer coisa de indizível. Convém começar por referir que o nosso apreço por este projeto de uma só cabeça é muito grande, assim como elástico. Desde o seu início (Lazer Guided Melodies, 1992) que seguimos Jason Pierce e o seu particular space rock. Vibrámos sempre com cada novo disco, como vibramos agora com o seu mais recente longa duração. E aquilo que mais nos apetece dizer, agora que estas linhas começam a ganhar corpo, é que estamos na presença de um fortíssimo candidato a disco do ano. Aliás, se quisermos ser honestos, embora não saibamos o que nos pode trazer de surpreendente este ano de 2022, Everything Was Beautiful tem já lugar marcado no estrito lote das nossas escolhas medalhadas. Há coisas que não enganam, e os Spiritualized® nunca nos deixam ficar mal. Everything Was Beautiful deve ser ouvido atentamente. E talvez seja também interessante perceber, faixa a faixa, aquilo que pensamos sobre ele. Vamos a isso?

O disco foi gravado em onze estúdios diferentes e albergou mais de trinta músicos na sua elaboração. A grandeza do projeto parece transparecer destes números, algo que não espanta quando se trata do perfeccionista Jason Pierce. É, no seu todo, mas nem sempre em todas as suas partes, um álbum bastante autorreferencial, começando logo pela capa e pela imagem que traz, fazendo de imediato com que nos lembremos de Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space. Para mais, quando iniciamos a escuta do disco, o LP de 1997 entra de novo no nosso espírito, uma vez que a voz e o ambiente iniciais são idênticos ao começo do histórico álbum. Aquela tímida voz feminina que refere o título é-nos, de certa forma, bem familiar, embora não seja a mesma. Assim entramos em “Always Together With You”, canção de amor e devoção por um destinatário merecedor de tudo o que estiver ao alcance (poético, tantas vezes) da voz que suspira e se ouve durante todo o tema. É intenso, brilhante, com uma leveza deleitosa e quase ingénua. É um tema que poderia, na sua formatação de looping, durar uma vida inteira. Não nos desagradaria que assim fosse, diga-se. E, logo desde os acordes iniciais, flutuamos… Jason Pierce canta, naquela sua voz quase sumida, versos tão bonitos como “If you want a shooting star, I would be a shooting star for you / If you want another world, I would be another world for you/ If you want a universe, I would be a universe for you”. Esse “you” é (pode ser) cada um dos nossos “lonely hearts”. Lindo!

“Best Thing You Never Had (The D Song)”, a segunda canção do álbum, é totalmente diferente da anterior, marcada pela vertigem kraut, um rock poderoso e insidioso. Apetece cantar de copo na mão, e a plenos pulmões, os versos do refrão: “Gonna be a long ride down / The best thing you never had”. Mas tudo muda de novo com “Let It Bleed (For Iggy)”, espécie de canção Dr Jekyll and Mr Hyde por intervalar serenidade com fúria em doses idênticas. Parece ser uma canção-catarse sobre a incapacidade em encontrar o tom certo para os sentimentos mais profundos que Jason Pierce expõe nas suas composições. Ter Iggy Pop como referência desde a mais tenra idade e roubar este tema ao genial “Open Up And Bleed” é uma bela homenagem ao enorme líder dos The Stooges. É fácil instalar-se o caos no meio da frágil ordem sonora (enfim, já lá iremos com mais pormenor) em vários temas dos Spiritualized®, e este parece ser o primeiro indício da quebra dessa ténue barreira em Everything Was Beautiful. Mas continuemos. “Crazy”, a canção mais curta de todo o álbum, vem envolta numa espécie de valsa, uma bonita slow country song com a parceria vocal de Nikki Lane. Segue-se “The Mainline Song / The Lockdown Song” e com ela(s) volta o kraut em looping, voltam os trilhos repetitivos num longo período instrumental. Um tema maravilhoso, épico! E, já próximos do fim, a particularíssima “The A Song (Laid In Your Arms)”, um tema que começa com a força e garra de tantos outros, mas que derrapa para um fantástico caos (sim, chegou a hora há pouco anunciada) a lembrar a No Wave dos DNA, à qual podemos juntar todo e qualquer cataclismo estridente que possamos imaginar. É isso que encontramos no penúltimo segmento de Everything Was Beautiful. Por fim, os quase dez minutos de “I’m Coming Home Again” trazem alguma serenidade ao disco, mas mantém-se no tema um forte rasto de inquietação. É um momento pantanoso, circular, que parece em constante ruminação. Talvez seja o tema mais evocativo e catártico, mais pessoal, aquele que melhor revela a cabeça de quem o criou, sempre perdida e encontrada, em ebulição permanente, num limbo entre a morte e a salvação precariamente assumida.

Everything Was Beautiful será um pouco de tudo o que dissemos, mas é bem mais do que o que aqui vos deixámos. É Spiritualized®, e nessa palavra cabe quase tudo, cabendo sobretudo o universo distorcido de uma mente que teima em se reerguer trazendo consigo as raízes da sua lenta destruição.

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