A obra literária que inspirou a faixa-título do EP cita em seu prólogo a iminente chegada do progresso a um pequeno povoado, representado por um tipo de vento, que traz o cheiro de morte e destruição. Essa “Hojarasca” era profetizada pelos moradores da pacata cidade, que viam na chegada de forasteiros um alerta de que em pouco tempo, aquele povoado também seria vítima desse “progresso” que sugaria suas riquezas, arruinaria suas terras e seus modos de vida.
Ao ler a obra, o multi-instrumentista Yuri Villar percebeu que esse tipo de vento começava a soprar sobre o Brasil, que passava por fortes turbulências políticas e sociais durante o ano de 2013. Então, Yuri compôs a música “La Hojarasca” inspirado nesse momento.
À medida que os anos passaram, a situação do país foi piorando, até que esse “progresso” infelizmente chegou – com a retirada de direitos, recorde de desmatamento da Amazônia, encobrimento da corrupção e a explosão da pandemia em 2020. Yuri então decidiu reunir quatro peças jazzísticas compostas durante esses anos, que expressam bem essa terrível fase na vida dos brasileiros.
A forte intensidade é uma marca na obra do compositor e saxofonista, e ela transborda durante os 23 minutos do EP. Gravadas em quarteto e calcadas no jazz moderno, as músicas trazem temas pungentes e longos improvisos que expressam a raiva e o sentimento de inconformismo com a situação vigente. Abatido pelos duros golpes políticos e impossibilitado de sair às ruas, Yuri fez da arte sua trincheira de guerra.
Para colocar seus planos em ação, chamou músicos de destaque em seus instrumentos: João Bittencourt ao piano, Lourenço Vasconcellos na bateria e Adalberto Miranda no baixo elétrico. Também teve as participações especiais do guitarrista uruguaio Leo Amuedo (Ivan Lins, Chris Botti) e do violinista Ayran Nicodemo.
Faixa-a-faixa:
Na Banguela
O EP abre com “Na banguela”, tema inspirado pela incerteza que o Brasil passava. Assim como um carro “na banguela”, descendo uma sinuosa serra, o país ia descendo a ladeira. Apesar de seu aparente lirismo melódico, a música utiliza diversos tempos e ritmos quebrados que simulam esse descontrole, e tem no solo de piano de João Bittencourt, a expressão nítida da inquietude do momento.
Lockdown
A segunda música é o rock fusion “Lockdown”, referência aos quase dois anos de confinamento. A composição traz uma energia contida a ponto de explodir. E explode certamente no solo de Leonardo Amuedo, renomado guitarrista convidado especialmente para essa faixa. É um tema que remete às influências mais épicas do rock e que carrega divisões rítmicas bem incomuns em sua estrutura.
O Tempo e o Vento
Em “O Tempo e o Vento”, terceira faixa do EP, Yuri descansa um pouco, mas sem perder a intensidade. Tendo a flauta como solista, essa música, que também é inspirada na literatura, joga com a ideia de que só mesmo o tempo para curar nossos males, e que o verdadeiro sentido da vida é o caminho, a busca.
La Horajasca
A faixa-título é um tema curto, porém intenso. Composto especialmente para seu grupo de sopros Inventos, ele tinha como mote inicial o improviso livre de todos os instrumentistas ao mesmo tempo. Porém, nessa versão em quarteto, Yuri toma as rédeas da improvisação, e mostra sua destreza técnica no instrumento, e um tom raivoso em seu som. A bateria de Lourenço Vasconcellos traz o jazz rock que a faixa merece e o baixo sólido, porém criativo, de Adalberto Miranda cria um tapete perfeito para as investidas de Yuri.
Sobre o artista:
Yuri Villar é saxofonista, compositor e arranjador. Formou-se em sax pela UFRJ e integrou a Itiberê Orquestra Família de 2003 a 2010. É militante da música instrumental autoral, atuando junto dos grupos Bondesom e Relógio de Dalí. É também produtor musical e arranjador de diversos discos (Noca da Portela, Zé Katimba, Luiza Sales, Bondesom, etc. ) e de trilhas sonoras, como é o caso do premiado filme “Sudoeste” (Eduardo Nunes, 2011). Foi sideman de inúmeros artistas como Geraldo Azevedo e Tereza Cristina e já gravou com Mario Adnet, Roberta Sá, UFRJazz Ensamble, Daniel Gonzaga, entre outros.
Em 2019, lançou seu primeiro disco solo “Futuro Agora”, uma retrospectiva de sua vivência musical inspirada pelo nascimento de seu primeiro filho, Matias. Em 2020, lançou três singles autorais, o projetos audiovisual “Onde mora o som”, duos com grandes músicos registrados em plano sequência por Marcelo Fedrá, e #Stents, intervenções videomusicais em posts do Instagram de outros músicos.
Em 2021, lançou duas canções: “Passageiro”, em parceria com Jade Prata, e “Todo Céu”, ao lado de Pedro Mann. Também gravou dois EPs autorais instrumentais, um com banda completa, e outro em que toca piano em duo com mulheres instrumentistas. O primeiro deles é “La Horajasca”; o segundo será lançado ainda este ano.
Em 2022, lançou as faixas autorais “Samba Maltês”, em homenagem a Carlos Malta e com participação do próprio músico e do Pandeiro Repique Duo; e “Baiãozinho”, celebrando o mês de junho com a violinista Carol Panesi.
Agora, Yuri Villar solidifica essa nova fase com o primeiro EP projetado para este ano. “La Horajasca” já está disponível nas plataformas
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