Clássico absoluto (Aqualung Álbum de Jethro Tull 1971)

 

Resenha

Aqualung

Álbum de Jethro Tull

1971

CD/LP

Em 1971, em sua relativamente curta carreira até então, o Jethro Tull conseguiu definir sua sonoridade ao unir uma grande aptidão para a melodia, com belas passagens acústicas já mostradas em Stand Up e uma sofisticação e ousadia instrumental que seriam marcas registradas do nascente rock progressivo, como na atmosfera sombria de Benefit. O resultado dessa combinação de elementos seria conhecido em Aqualung, seu quarto álbum de estúdio. O trabalho taxado de conceitual pelos críticos à época de seu lançamento, não é visto dessa maneira por Ian Anderson, que concebeu os sucessores Thick as a Brick e A Passion Play como uma proposta totalmente conceitual para contrapor os críticos que enxergavam essa natureza em Aqualung. 
Com a formação estabilizada com Clive Bunker na bateria, Martin Barre na guitarra, John Evan no piano, Jefrey Hammond no baixo, Ian Anderson concebeu Aqualung com dois lados bem distintos. O primeiro apresenta uma série de personagens marcantes como o mendigo ao mesmo tempo lascivo e patético que dá título ao álbum e que traz um dos riffs mais marcantes de toda história do rock, composto com maestria por Martin Barre. Há ainda a prostituta “Maria Vesga”, da pesadíssima canção Cross Eyed Mary, que vende seu corpo aos ricaços, mas também gosta de se oferecer aos velhos e perdedores por pura diversão. 

Mother Goose brinca com o surrealismo e mistura um turbilhão de frases sem sentido citando a figura originária dos contos de fadas e canções de ninar. O segundo lado pode ser tratado como conceitual, mesmo que essa definição não seja aceita por Ian Anderson. As canções dissecam com certa amargura e rancor o contraste entre a religião organizada e a espiritualidade individual, principalmente em My God e Hymn 43. A contundente letra de My God já inicia dizendo que a religião trancou Deus em uma gaiola dourada para satisfazer aos interesses mesquinhos dos homens, que o fizeram ressuscitar do túmulo para curvar-se a sua religião, uma clara e impiedosa referência à igreja anglicana. Ainda em My God, há menções irônicas ao crucifixo como um mero objeto de plástico que prendeu Deus para que você possa levá-lo para onde for, um contraponto ao Deus que está dentro de cada um. 
Na canção Hymn 43, a letra já começa cortante com os versos “Pai nosso que estais no céu, sorria sobre seu filho, que está ocupado com seus jogos de dinheiro, suas mulheres e sua arma, Oh Jesus, salve-me!”. A leveza de Slipstream reflete sobre a vida após a morte e de que nada adianta uma existência vazia, repleta de bens materiais, se com a morte tudo fica para trás.

Locomotive Breath cita nossa vida como uma jornada sem pausa, usando a imagem de uma locomotiva sem freios, cuja manivela foi roubada por Charles Darwin e portanto não há como desacelerar. 

O álbum encerra sem concessões com Wind Up, nela Anderson revive memórias de sua juventude em que era obrigado a ir à igreja aos domingos com a bíblia debaixo do braço, sendo que no resto dos dias os fiéis esqueciam-se de Deus. Os versos finais encerram ainda mais implacáveis citando “Você entendeu tudo errado, Deus não é do tipo que você precisa dar corda aos domingos”. 

Para finalizar não há como falar de Aqualung sem citar sua incrível e marcante capa. Segundo consta, sua esposa à época chamada Jennie Anderson, também creditada como co-autora da letra de Aqualung, era estudante de fotografia e é dela a foto de um mendigo que se tornou base para a pintura do artista americano Burton Silverman. Ian Anderson também nega, mas há bastante semelhança entre a fisionomia do líder do Tull com a pintura da capa. Uma última curiosidade deve ser citada: segundo Terry Ellis, manager do grupo, a palavra “aqualung” refere-se ao chiado da tosse de que sofre o mendigo da canção.