Em 2009, Samuel Úria editava o seu primeiro álbum por uma grande editora. Agora, vários anos mais tarde, Nem lhe tocava continua a ser um dos álbuns nacionais que vale a pena ouvir.
Muitos de nós temos um disco, filme ou livro que recorremos quando precisamos de conforto. Nem lhe tocava do Samuel Úria é um desses álbuns. Editado em 2009, é um dos discos que mais ouvi e que, não obstante, ainda não se esgotou. É para ouvir de uma ponta a outra sem ter a tentação de saltar canções. Uma certa ansiedade em chegar à canção certa faz-me fazer isso com vários discos, mas com este todas as canções são “a canção certa”.
É o segundo álbum a solo do Samuel Úria, o primeiro pela Valentim de Carvalho. Com um grande sentimento de cooperativismo, sentido em quase todos os discos com a marca FlorCaveira, este é um disco profissional feito entre amigos. Muitos dos membros deste movimento da música portuguesa têm o seu lugar no disco, quer seja a cantar (B Fachada e Jorge Cruz na canção “O Diabo”, por exemplo), quer seja a tocar algum instrumento ou até mesmo na produção feita por Tiago Guillul, ele membro co-fundador da FlorCaveira.
Apesar de sempre ter tido um talento exímio para as letras, os versos neste álbum são menos codificados, e mais fáceis de entender. Embora evite dissecar demasiado as letras pois fico sempre com a sensação de que estou numa aula de Português A e não a “aproveitar” as canções. Com uma enorme tendência para trocadilhos com a língua portuguesa que, mais do que um jogo de palavras, mostram que são uma arte dominada apenas por alguns.
Das canções do disco as que apresentam uma maior longevidade são “Não arrastes o meu caixão” e “Teimoso”, quase sempre tocadas ao vivo. Em relação às outras, é uma tarefa injusta e árdua escolher mais alguma para destaque, mas se apenas pudesse escolher mais duas seriam “Império” e “Ao Tom Dela”. A primeira, em que quase conseguimos visualizar uma nesga da vida eterna e a segunda em que a crueza das palavras e a nudez de instrumentos ampliam a exasperação cantada.
Nem lhe tocava, pode até não ser o melhor álbum da carreira do Samuel, mas é de longe o meu preferido. É o retrato do autor naquela época, em que põe pela primeira vez o pé no panorama musical e, apesar dos álbuns seguintes mostrarem uma maior maturidade quer técnica, musical e lírica, foi com este álbum que eu percebi que existem poucos músicos-compositores como o Samuel Úria, e que ele merece um lugar de destaque na história da música portuguesa.
Sem comentários:
Enviar um comentário