segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

10 discos essenciais: Milton Nascimento

 


"Se Deus cantasse, teria a voz de Milton Nascimento". Essa frase foi dita por Elis Regina (1945-1982), considerada a maior cantora do Brasil em todos os tempos, ao se referir ao amigo Milton Nascimento. Cantor e compositor nascido no Rio de Janeiro, Milton foi criado em Minas Gerais, e encarnou como poucos artistas a alma e a essência da cultura mineira. Milton se tornou uma espécie de farol da música de Minas Gerais desde o momento em que foi a figura central do chamando Clube da Esquina, movimento musical mineiro que ganhou projeção na década de 1970 e influenciou a música brasileira, assim como a bossa-nova e o tropicalismo.

Milton Silva Nascimento nasceu 26de outubro de 1942, na cidade do Rio de Janeiro. Filho de uma empregada doméstica, seu pai abandonou a ambos. Quando teve os primeiros problemas de tuberculose, a empregada doméstica e o seu filho foram acolhidos pela família dos patrões. A mãe de Milton faleceu quando ele tinha pouco mais de dois anos de idade, e foi levado para morar com a avó materna, em Juiz de Fora, interior do estado de Minas Gerais. Contudo, a filha da patroa da falecida mãe de Milton, a jovem Lília Silva, se afeiçoou ao menino desde que ele nasceu, passando a cuidar dele após a morte da mãe. Recém-casada, Lília e seu marido, o professor de matemática Josino Campos, propuseram à avó de Milton em adotá-lo. A avó aceitou a proposta, desde que o casal não retirasse o sobrenome da mãe biológica e que ela pudesse ver o neto de vez em quando. O garoto Milton foi morar com os pais adotivos em Três Pontas, interior de Minas Gerais.

O envolvimento de Milton com a música começa ainda na infância, quando por volta dos oito anos, ganhou uma gaita e uma sanfona de quatro baixos. Aos treze anos, ganhou o primeiro violão. Nessa mesma época, Milton conhece Wagner Tiso, com quem forma juntamente com outros amigos o conjunto Luar de Prata. Em 1960, Milton forma com os irmãos Wagner, Wesley e Wanderley Tiso, o conjunto W’s Boys, que fazia apresentações em bailes de Três Corações. Milton adotou o nome artístico Wilton, trocando o “M” pelo “W” para combinar com a primeira letra dos nomes de seus colegas de banda. O sucesso do conjunto fez com que Milton e Wagner fossem convidados a integrar uma banda de baile em Belo Horizonte, o Conjunto Holiday, com o qual gravaram o compacto (single) “Barulho de Trem”.

Em 1963, morando na pensão do Edifício Levy, em Belo Horizonte, Milton conhece a família Borges, proprietária da pensão. E dessa família, torna-se amigo dos irmãos Márcio e Lô Borges. Três anos depois, Milton participa do Festival do Berimbau de Ouro, em São Paulo, com a canção “Cidade Negra”, de Baden Powell (1937-2000) e Lula Freire. Foi nessa época que Milton conheceu a cantora Elis Regina, que gravou uma canção sua, “Canção do Sal”.

Em 1967, Milton torna-se conhecido nacionalmente após conquistar o 2° lugar na 2ª edição do Festival Internacional da Canção, com a canção “Travessia”, composta por ele e Fernando Brant (1946-2015), e ser premiado como melhor intérprete. No mesmo ano, Milton Nascimento lança o seu primeiro álbum, que leva o seu nome (mas que também é chamado de Travessia, por trazer a canção que o tornou famoso no festival), e foi gravado acompanhado pelo grupo Tamba Trio. No ano seguinte, grava nos Estados Unidos o seu segundo álbum, intitulado Courage, produzido por Eumir Deodato e traz a participação especial do americano Herbie Hancock.

A década de 1970 é marcada pela consagração de Milton Nascimento como um dos artistas mais importantes da música popular brasileira, e com reconhecimento da crítica especializada internacional. Com o álbum Clube da Esquina (1972), dividido com Lô Borges, Milton acende o estopim do movimento musical que leva o mesmo nome do álbum, que revela uma geração talentosa de artistas da música mineira e que se tornaria bastante influente na MPB. No decorrer da década de 1970, Milton lança alguns dos mais importantes álbuns da sua carreira como Minas (1975), Geraes (1976) e Clube da Esquina 2(1978).

Em 1980, Milton entra para as paradas de rádio com a comovente “Canção da América”. Mas Milton causa comoção nacional com “Coração de Estudante”, canção inédita presente no álbum Milton Nascimento/Ao Vivo (1983), que se tornou hino da campanha das Diretas Já, em 1984, movimento que reivindicava eleições diretas para presidente do Brasil, e tema dos funerais de Tancredo Neves (1910-1985), primeiro presidente civil do Brasil após vinte anos de ditadura militar, eleito indiretamente no Congresso Nacional, em janeiro de 1985, e que faleceu em abril do mesmo ano.

Lançado em 1993, Ângelus marca a estreia de Milton Nascimento na gravadora Warner, e traz uma série de convidados ilustres como James Taylor, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Jon Anderson (ex-vocalista do Yes), Peter Gabriel entre outros. O cantor recebe em 1998, o prêmio Grammy de “Melhor Álbum de World Music”, pelo álbum Nascimento. Representou não apenas uma premiação ao seu trabalho, mas também um momento de superação, após descobrir-se diabético e superar problemas de anorexia crônica, chegando a pesar 50 quilos.

Milton é contemplado com um prêmio Grammy Latino em 2000, na categoria “Melhor Disco Pop Contemporâneo Brasileiro” pelo álbum Crooner (1999). Com Gilberto Gil, lança em 2001 o álbum Gil e Milton, e pouco depois, os dois partem para uma turnê que passa pelas principais cidades brasileiras, além de uma etapa internacional, que incluiu Europa e América Latina.

Em 2002, Milton lança o álbum Pietá, que traz participação especial de Maria Rita, filha de Elis Regina, que estava em início de carreira e que no ano seguinte, lançou o seu primeiro álbum que se tornou um grande sucesso. No mesmo ano, Milton lança o seu próprio selo fonográfico, Nascimento.

O ano de 2022 é marcado pelas comemorações dos 80 anos de idade de Milton Nascimento, e 60 anos de carreira. Para tanto, Milton parte para a sua turnê de despedida dos palcos, intitulada Última Sessão de Música, que incluiu alguns países europeus e as principais cidades brasileiras.

Abaixo, confira dez álbuns para compreender a carreira de Milton Nascimento.


Milton Nascimento (Codil, 1967). O primeiro e autointitulado álbum de estúdio de Milton Nascimento é também chamado de Travessia por causa da presença da famosa canção de mesmo nome, composta por Milton em parceria com Fernando Brant. “Travessia”, a canção, deu a Milton o 2° lugar no Festival Internacional da Canção, em 1967, mesmo ano em que o disco foi lançado. Gravado por Milton em companhia do conjunto Tamba Trio, o álbum contém ainda outras canções que se tornaram marcantes na carreira do cantor como “Morro Velho” e “Três Pontas”, esta última, uma homenagem à cidade onde Milton viveu a sua infância.



Milton (Odeon, 1970). Para este seu quarto álbum de estúdio, Milton Nascimento contou com o acompanhamento da banda de rock progressivo Som Imaginário, formada por jovens músicos talentosos que se tornariam famosos mais tarde: Wagner Tiso (piano, órgão e vocais), Zé Rodrix (órgão, flautas, ocarina percussão e vocais), Tavito (guitarra base, violão, sino e vocais), Frederyko (guitarra solo, apitos de caça e vocais), Luiz Alves (baixo) e Robertinho Silva (bateria). Milton, o álbum, possui uma musicalidade diversificada, em que o artista transita entre o rock, o jazz, bossa-nova e MPB, e dá uma ideia que seria o próximo álbum do cantor, Clube da Esquina. “Para Lennon e McCartney” e “O Homem da Sucursal”, são duas das faixas do álbum que se tornaram conhecidas. O álbum ainda traz a canção “Clube da Esquina”, que embora o título seja famoso, é pouco conhecida do grande público, e trata-se da canção anterior à canção “Clube da Esquina N°2”, que é a mais conhecida.


Clube da Esquina (Odeon, 1972), Milton Nascimento e Lô Borges. Milton Nascimento já era um artista famoso quando convidou o jovem Lô Borges, então com cerca de 19 anos, para dividir com ele o álbum duplo Clube da Esquina. Milton havia gravado anteriormente canções de Lô como “Para Lennon e McCartney”, “Alunar” e “Clube da Esquina” (esta, uma parceria de Milton, Lô e Márcio Borges), as três do álbum Milton (1970). Para a gravação do álbum duplo, Milton e Lô cercaram-se de companheiros da cena musical de Minas Gerais como Beto Guedes, Wagner Tiso, Toninho Horta entre outros. Com uma musicalidade que mescla referências de Beatles (safra 1969), folk rock, rock progressivo com a música do interior de Minas Gerais, tudo emoldurando uma riqueza poética nas letras, Clube da Esquina foi muito além de apenas um álbum duplo brilhante: batizou com seu nome um movimento musical que se tornou um dos mais importantes da música popular brasileira. Dentre as suas 21 faixas, algumas se tornaram clássicos da música brasileira como “O Trem Azul”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “Paisagem da Janela” e “Nada Será Como Antes”.


Milagre dos Peixes (EMI-Odeon, 1973). Este é considerado o álbum mais experimental da discografia de Milton Nascimento, e isso, de uma certa forma, aconteceu de maneira um tanto quanto involuntária. Por causa do teor político das letras das canções, os censores da ditadura militar vetaram quase todas as letras das músicas do disco. A gravadora EMI chegou a propor a Milton a gravar um outro álbum, mas o cantor recusou a ideia e quis gravar as músicas sem as letras, apenas instrumentais. A partir dessa época, Milton passou a ser patrulhado pela ditadura militar. Surpreendentemente, o álbum Milagre dos Peixes teve uma vendagem razoável, acima do esperado, apesar das circunstâncias em que foi gravado. Com apoio da banda Som Imaginário, Milton lançou em 1974 o álbum Milagre dos Peixes/Ao Vivo, álbum duplo gravado ao vivo no Teatro Municipal de São Paulo.


Minas (EMI-Odeon, 1975). O título do sétimo álbum de Milton Nascimento não é apenas uma referência ao estado onde o cantor se criou. É na verdade a junção das sílabas “Mi” (de Milton) e “Nas” (de Nascimento), uma sugestão bem curiosa que partiu de um menino chamado Rúbio. Minas contém canções que se tornaram clássicos do repertório de Milton Nascimento como “Fé cega, Faca Amolada”, “Paula e Bebeto” (uma parceria de Milton e Caetano Veloso) e a nostálgica “Saudades dos Aviões da Panair”. A faixa “Leila (Venha Ser Feliz), é uma homenagem de Milton a Leila Diniz, atriz brasileira que morreu num desastre aéreo em junho de 1972, aos 27 anos, em Nova Délhi, na Índia.


Geraes (EMI-Odeon, 1975). Geraes é uma espécie de complemento do álbum anterior, Minas, e que completa o nome do estado em Milton Nascimento viveu a sua infância e adolescência. O álbum apresenta Milton conectado com a musicalidade latino-americana, através das faixas “Volver A Los 7”, canção em que o cantor faz dueto com a cantora argentina Mercedes Sosa (1935-2009), e em “Caldera”, Promessas do Sol” e “Minas Gerais”, em que traz a participação especial dos chilenos do Grupo Agua. Outros destaques do álbum são “O Que Será (A Flor da Pele), dueto de Milton com Chico Buarque, e que entrou na trilha sonora do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, e baseado no livro homônimo do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001); e a animada “Circo Marimbondo”, que traz como convidada a cantora Clementina de Jesus (1901-1987).

Clube da Esquina 2 (EMI-Odeon, 1978). Seis anos após o álbum Clube da Esquina, Milton lança o Clube da Esquina 2, que assim como o primeiro, foi lançado em formato álbum duplo. Composto por 23 faixas, Clube da Esquina 2 traz Milton Nascimento acompanhado por um grande número de convidados, dentre os quais Elis Regina, Gonzaguinha (1945-1991), Boca Livre, Chico Buarque, Azimuth entre outros. O álbum traz também convidados mineiros como Lô Borges, Beto Guedes e Flávio Venturini. O álbum não possui a mesma imponência de Clube da Esquina, mas traz bons momentos como “Nascente”, “O Que Foi Feito Deverá” (com participação de Elis Regina, Gonzaguinha e Lô Borges) , “Casamiento de Negros”, “Canción Por La Unidad de Latino America” (dueto de Milton com Chico Buarque) e “Reis e Rainhas do Maracatu” (Milton acompanhado da banda Azymuth). Mas o ponto alto do álbum é sem sombra de dúvidas a antológica “Maria, Maria”, um dos maiores sucessos da carreira de Milton Nascimento.


Sentinela (Ariola, 1980). O álbum Sentinela marca a estreia de Milton Nascimento na gravadora alemã Ariola, que estava instalando uma filial no Brasil em 1980. A companhia havia contratado algumas das principais estrelas da MPB, como Alceu Valença, Kleiton & Kledir, Ney Matogrosso, Toquinho & Vinícius, MPB-4 entre outros. Milton Nascimento foi uma das estrelas da MPB contratada pela companhia alemã, após mais de dez anos na gravadora EMI. Sentinela contém um dos maiores sucessos da carreira de Milton, “Canção da América”, que conta com a participação especial do grupo Boca Livre, fazendo os vocais de apoio. Outros bons momentos do discos são “Sueño Com Serpientes”, dueto de Milton com a cantora Mercedes Sosa, e a faixa-título, que conta com a participação magistral de Nana Caymmi e do coro de monges beneditinos.


Milton Nascimento / Ao Vivo (Ariola, 1983). Gravado ao vivo no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em novembro de 1983, este álbum contém não apenas os grandes sucessos da carreira de Milton, mas também duas canções até então inéditas e que se tornaram emblemáticas num momento em que a ditadura militar estava chegando ao fim no Brasil. Tratam-se das canções “Coração de Estudante” e “Menestrel das Alagoas”. “Coração Estudante” virou hino do movimento Diretas Já, em 1984, que reivindicou o direito ao voto direto para presidente da República, e foi também o tema do funeral de Tancredo Neves, eleito no Congresso Nacional, presidente da República, em janeiro de 1985, o primeiro presidente civil após o fim da ditadura militar, mas que faleceu em abril do mesmo ano, gerando comoção nacional. “Menestrel das Alagoas” foi uma homenagem a Teotônio Vilela (1917-1983), um dos políticos mais atuantes no processo de redemocratização do Brasil a partir do final dos anos 1970.


Ângelus (Warner, 1993). Em algumas entrevistas, Milton Nascimento confessou que o seu álbum favorito da sua discografia é Ângelus. Curiosamente, o álbum começou a ser gravado em Esmeraldas, uma pequena cidade próxima a Belo Horizonte, em Minas Gerais, e foi concluído em Nova York, nos Estados Unidos. Para alguns, Ângelus seria uma espécie de Clube da Esquina 3, devido ao fato de Milton ter gravado o disco de forma coletiva, cercado por convidados ilustres, assim como fez em Clube da Esquina (1972) e Clube da Esquina 2(1978). Ângelus traz convidados famosos como Jon Anderson, Pat Metheny, Herbie Hancock, James Taylor, Wayne Shorter, Flávio Venturini, James Taylor, Peter Gabriel, Naná Vasconcelos (1944-2016) e outros tantos convidados. No álbum, Milton faz algumas releituras interessantes de canções de outros artistas, destacando “Hello Goodbye” (dos Beatles), com arranjos e uma interpretação completamente diferentes e pessoais, e “Only A Dream In Rio”, gravada originalmente por James Taylor nos anos 1980, e que em Ângelus, o cantor faz uma participação especial com Milton.



"Nada Será Como Antes" (ao vivo, 1976)


"Nuvem Cigana"


"Canção da América"


"Coração de Estudante"

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