O “álbum perdido” do ano 2000 é finalmente editado, trazendo-nos um Bowie feliz a dar novas roupagens a alguns dos seus temas de início da carreira
No dia em que David Bowie faria 75 anos, é finalmente editado Toy, o “álbum perdido” gravado em 2000 e que há muito era ansiado pelos fãs mais conhecedores.
A história começa após o triunfante concerto de Bowie em Glastonbury, no ano 2000. Sentindo-se com energia, o cantor decidiu que era altura de se atirar a uma ideia que tinha na cabeça há alguns anos: revisitar de forma totalmente nova alguns dos seus primeiros temas, dos anos 60. Agarrou na sua banda de então e marcou estúdio. Tinha o alinhamento relativamente estabelecido, que era uma mistura de temas menos conhecidos compostos a partir de 1965, alguns lados B e até uma música gravada nas sessões de Ziggy Stardust mas nunca editada.
As gravações correram bem, já que Bowie e a banda se encontravam num momento de grande vitalidade. O músico queria, de facto, que todos encarassem os temas como se tivessem acabado de ter sido escritos, e sugeriu fortemente que ninguém (nem ele) devia ir ouvir as versões originais. O resultado disto é que as canções surgem realmente com uma nova vida, e mesmo para quem conhece os temas como foram originalmente gravados há uma frescura e um ar de novidade.
Bowie ficou muito entusiasmado com o resultado das gravações e queria editar o disco, chamado Toy, imediatamente, de surpresa. Acontece que a editora tinha outros planos: tinham acabado de disponibilizar digitalmente o catálogo de Bowie, para download, e queriam focar as energias na promoção disso e não de um novo disco que, na verdade, não era de material novo. Por outro lado, a EMI/Virgin foi adiando a data de lançamento para não coincidir com outras edições grandes que tinha programadas, enquanto ao mesmo tempo vivia no meio de um tumulto financeiro que privilegiava apostas mais certas. Resultado: Bowie partiu para o disco novo que a EMI queria, mas não o fez com essa editora. Zangado com o tratamento dado a Toy, saiu para a Columbia, pela qual editaria, em 2002, Heathen.
Nos anos seguintes, Bowie nunca esqueceu Toy. Tanto assim foi que foi retirando fatias deste para lados B de novos singles e autorizando a sua inclusão em compilações. Por outro lado, em 2011, uma versão de Toy foi divulgada online (ainda que ligeiramente diferente do que é editado agora), levando a que os fãs mais conhecedores já soubessem o que lá estava.
Agora, Toy vê finalmente a luz do dia, em todo o seu esplendor (e carregadinho de extras). Em Novembro de 2021, saiu na caixa Brilliant Adventure, que reúne os seus discos de 1992 a 2001; e em Janeiro de 2022, coincidindo com o 75º aniversário de Bowie, ganha edição autónoma.
Focando-nos nos 12 temas de Toy, o que temos é um olhar de uma banda moderna sobre temas quase todos pré-“Space Oddity”, música que acabaria por dar o verdadeiro impulso ao início da carreira de Bowie, depois de alguns trabalhos pouco reconhecidos comercialmente (mas que o autor destas linhas recomenda vivamente!). O que não deixa de ser curioso é que quando ele se reinventa em 1969, já em modo “Major Tom”, renega o seu primeiro disco, impregnado de muito british vaudeville, acabando mesmo por chamar David Bowie ao seu segundo disco (exactamente o mesmo nome do primeiro que, para ele, fora uma falsa partida e era para ser esquecido). Ora, 30 anos depois, Bowie regressa a músicas desse tempo pré-sucesso, mostrando que havia feito as pazes com essa fase.
Temos muitos pontos de interesse nestes 50 minutos de música: desde a recuperação da excelente “Karma Man” à balada elegante de “Conversation Piece”, passando pela oração da inédita “Shadow Man” (a tal que vem das sessões de Ziggy Stardust, em 1971) ou pela pop de “Let me sleep beside you”, a rockalhada de “Can’t Help thinking about me” ou a viagem bowieana do único tema original surgido no meio de uma jam dessas sessões de 2000, “Toy (Your turn to drive)”.
As 12 músicas dão-nos, assim, um pouco do Bowie mod e do Bowie folk antes do mergulho no glam, mas pelos olhos do Bowie de 2000 e da sua banda, assentes no som de discos da época como Hours, de 1999, ou o seguinte Heathen, de 2002.
Se juntarmos a isto o cofre de extras, a fasquia sobe ainda mais: o segundo disto cheio de remisturas e versões diferentes e o terceiro todo em formato acústico, com novos instrumentais gravados recentemente por Earl Slick e Mark Plati, que fizeram parte da equipa original do projecto Toy (com Plati a co-produzir, com Bowie).
Não há aqui nenhuma grande revelação nem estamos perante um dos melhores discos da fabulosa carreira deste alien londrino. Mas é um disco bem feito, com uma banda claramente num momento positivo e um Bowie enérgico e divertido com o que tinha entre mãos. E, sendo uma edição póstuma, não estamos perante uma editora a rapar o tacho já vazio com obscuros out-takes ou temas rejeitados, e sim um disco pelo qual o próprio autor sempre teve grande carinho. Juntando aos extras bem cuidados e interessantes, temos aqui uma compra obrigatória para quem segue a discografia de David Bowie.
E que bem sabe, agora que ele infelizmente partiu, ouvirmos música sua que nunca havíamos escutado….
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