Nova pop, fado tropical, rock de garagem, folk-rock, hip hop épico ou a eletrónica com consciência social. Eis dez conselhos do melhor que se fez neste ano.
Dispõem-se em baixo dez dos grandes discos feitos ao longo deste ano e que tornaram este 2022 um pouco mais especial. Como se quer, as propostas são para vários gostos, como quem aconselha a um amigo: "ouve isto".
A seleção de dez discos em baixo não é necessariamente a dos dez melhores. E a ordem dos discos não obedece a uma sequência classificativa.
Rosalía - "Motomami"
A espanhola Rosalía é a grande estrela pop da atualidade. Não precisa de dar um passo atrás para dar dois passos à frente. Basta saber usufruir da herança do flamenco e lançá-lo para a pista de velocidade futurista das eletrónicas arrojadas e da pop. Em 16 temas breves, a catalã de alma andaluza faz de "Motomami" uma expedição sinuosa e surpreendente, entre a intimidade dramática e a exuberância da festa. Não só Rosalía não acusou o peso do disco antecessor de 2018, "El Mal Querer", como superou-o, como grandemente mostrou entre nós no espetáculo em novembro na Altice Arena, em Lisboa. Sempre acima da parafernália de eletrónica e da megalomania rosada da pop, está a alma de Rosalía.
Angel Olsen - "Big Time"
Diz-se que a dor, desde que digerida e amadurecida, é inspiradora para os compositores. No caso de Angel Olsen, a dor da perda dos pais e a coragem em assumir a sua vida pessoal e a sua sexualidade formaram um ciclo de tempestades que teve a bonança numa brutal dezena de canções em "Big Time", que apanha a folk-rocker entrelaçada na country e na ternura confessional. Apesar de já ter obras de peso na sua discografia para concorrer em grandeza, "Big Time" é o seu disco mais bonito de todos.
Ana Moura - "Casa Guilhermina"
Há dez anos, Ana Moura lançou "Desfado". O des do título não é um prefixo de negação do fado, é des de descoberta. Para Ana Moura, ser fadista não é uma restrição de género, porque é ela que abre o fado a outras músicas. Em "Casa Guilhermina", esse fado tropicalizou-se, com sons africanos e o incentivo do braço de eletrónica de Pedro Mafama, através do produtor Pedro da Linha (e não só). Ana Moura abanou estruturas funcionais e musicais, e levou o seu canto de fadista aos quatro cantos, com a guitarra portuguesa e Ângelo Freire na embarcação. Mas a viagem não é só no espaço, é tambem no tempo. Se Ana Moura une Europa, África e América como um super-continente, o passado e o futuro também se fundem para um tempo melhor. O risco da transgressão compensou: "Casa Guilhermina" é um álbum desconcertante.
Black Country, New Road - "Ants from Up There"
A poucos dias deste álbum ser lançado, o vocalista e principal compositor Isaac Wood saiu da banda. Mas os danos (positivos) do seu contributo autoral são irreversíveis, neste segundo londa-duração da banda inglesa. Tomaram os Arcade Fire da fase debutante de "Funeral" como uma referência, mas os BL,NR têm uma maior contenção musical e uma maior introspeção. Cada canção de "Ants from Up There" é uma imensa viagem emocional e sonora, onde o rock se ornamenta, se infiltra de jazz e se desprende de formatos convencionais. Isaac Wood já deixa saudades aos fãs de BL,NR.
The Weeknd - "Dawn FM"
Em "Dawn FM", o artista de r&b The Weeknd está no pico de uma pirâmide, que é a sua Torre de Babel. Tesfaye pode repetir os assuntos que sempre gostou de tratar: a cidade, a noite, o sexo, a deriva, a luxúria, o questionamento da sua vida de celebridade e as drogas. Mas encaminha-os para um limiar, entre a noite e a manhã, de forma ainda mais monumental que no disco antecessor "After Hours". Abel Tesfaye encontra uma direcção artística e uma visão conceitual: "Dawn FM" é uma rádio às cinco da manhã, transmissora dos maiores tormentos de alma àquela hora. Dessa Torre de Babel, ou, no caso, de Abel, The Weekend toca no céu em piloto automático, num disco que nunca pára na ligação entre as faixas. Essas ligações ao éter são mais de fade in do que de fade out, tal como a claridade que se anuncia no céu. The Weeknd tem uma antena para o mundo com que, através dela, toca no céu. É uma rádio fora de horas, fora de si, fora-de-série.
Kendrick Lamar - "Mr. Morale & the Big Steppers"
Entre marido e mulher, Kendrick Lamar mete a colherada (e que colherada). Num dos muitos becos do monumental quinto álbum do rapper, na faixa 'We Cry Together', há uma discussão conjugal entre marido (Kendrick Lamar) e mulher (a atriz Taylour Paige), ou uma forma realista de encenar uma tensão entre o par amoroso, quase em modo de rap e em jeito de crónica sobre a América. É também numa faixa destas, onde Kendrick Lamar é um crítico para com a misoginia (recriando-se como um misógino), que se vê a grandeza daquele que é a maior figura do hip hop do século XXI.
Golden Slumbers - "I Love You, Crystal"
De um ninho de conforto doméstico cantado em baixo volume, esvoaçam dez canções com vontade de sonhar. Assim é "I Love You, Crystal", o álbum deste ano das irmãs Falcão (Catarina e Margarida), deixado a maturar durante quatro anos, até nos cair nas mãos com uma simplicidade enriquecida por subtis detalhes. É um dos discos mais aconchegantes de indie pop de 2022.
Charlotte Adigéry & Bolis Pupul - "Topical Dancer"
Fala-se do hip hop com consciência social. Mas há também eletrónica com consciência social, como o caso da dupla belga Charlotte Adigéry & Bolis Pupul, na sua primeira junção de esforços. Oriundos da ilha atlântica sob administração francesa de Martinique, ambos convocam tantos ritmos para dançar, como palavras que nos põem a pensar sobre racismo e misoginia. "Topical Dancer" é uma festa enfaixada de mensagens políticas. "Are you polite or political?", pergunta-se no tema 'Esperanto'.
Big Joanie - "Back Home"
É deste trio pós-punk de feminismo negro um dos álbuns rock mais surpreendentes do ano. Este é um exemplo em que o resultado é maior que a soma das partes. A voz poderosa de Stephanie Phillips, a intensidade da expressão da banda, uma bem-vinda estranheza e umas fintas aos padrões com o auxílio dos sintetizadores (a alargar a modesta instrumentação punk) colocam "Back Home" no altar musical de 2022. Pixies, The Wire ou X-Ray Spex são afinidades que se adivinham, ouvindo este disco.
The Smile - "A Light for Attracting Attention"
Os grandes génios criativos dos Radiohead, o vocalista Thom Yorke e o guitarrista e teclista Johny Greenwood, juntaram-se para este novo projeto, e chamaram o baterista da banda de jazz Sons of Kemet, Tom Skinner. Como trio, formaram um laboratório de rock eletrónico, destemido na aventura experimental e com pontaria para a canção. A Light for Attracting Attention é o grande álbum que os Radiohead não fazem há vinte anos.
Dispõem-se em baixo dez dos grandes discos feitos ao longo deste ano e que tornaram este 2022 um pouco mais especial. Como se quer, as propostas são para vários gostos, como quem aconselha a um amigo: "ouve isto".
A seleção de dez discos em baixo não é necessariamente a dos dez melhores. E a ordem dos discos não obedece a uma sequência classificativa.
Rosalía - "Motomami"
A espanhola Rosalía é a grande estrela pop da atualidade. Não precisa de dar um passo atrás para dar dois passos à frente. Basta saber usufruir da herança do flamenco e lançá-lo para a pista de velocidade futurista das eletrónicas arrojadas e da pop. Em 16 temas breves, a catalã de alma andaluza faz de "Motomami" uma expedição sinuosa e surpreendente, entre a intimidade dramática e a exuberância da festa. Não só Rosalía não acusou o peso do disco antecessor de 2018, "El Mal Querer", como superou-o, como grandemente mostrou entre nós no espetáculo em novembro na Altice Arena, em Lisboa. Sempre acima da parafernália de eletrónica e da megalomania rosada da pop, está a alma de Rosalía.
Angel Olsen - "Big Time"
Diz-se que a dor, desde que digerida e amadurecida, é inspiradora para os compositores. No caso de Angel Olsen, a dor da perda dos pais e a coragem em assumir a sua vida pessoal e a sua sexualidade formaram um ciclo de tempestades que teve a bonança numa brutal dezena de canções em "Big Time", que apanha a folk-rocker entrelaçada na country e na ternura confessional. Apesar de já ter obras de peso na sua discografia para concorrer em grandeza, "Big Time" é o seu disco mais bonito de todos.
Ana Moura - "Casa Guilhermina"
Há dez anos, Ana Moura lançou "Desfado". O des do título não é um prefixo de negação do fado, é des de descoberta. Para Ana Moura, ser fadista não é uma restrição de género, porque é ela que abre o fado a outras músicas. Em "Casa Guilhermina", esse fado tropicalizou-se, com sons africanos e o incentivo do braço de eletrónica de Pedro Mafama, através do produtor Pedro da Linha (e não só). Ana Moura abanou estruturas funcionais e musicais, e levou o seu canto de fadista aos quatro cantos, com a guitarra portuguesa e Ângelo Freire na embarcação. Mas a viagem não é só no espaço, é tambem no tempo. Se Ana Moura une Europa, África e América como um super-continente, o passado e o futuro também se fundem para um tempo melhor. O risco da transgressão compensou: "Casa Guilhermina" é um álbum desconcertante.
Black Country, New Road - "Ants from Up There"
A poucos dias deste álbum ser lançado, o vocalista e principal compositor Isaac Wood saiu da banda. Mas os danos (positivos) do seu contributo autoral são irreversíveis, neste segundo londa-duração da banda inglesa. Tomaram os Arcade Fire da fase debutante de "Funeral" como uma referência, mas os BL,NR têm uma maior contenção musical e uma maior introspeção. Cada canção de "Ants from Up There" é uma imensa viagem emocional e sonora, onde o rock se ornamenta, se infiltra de jazz e se desprende de formatos convencionais. Isaac Wood já deixa saudades aos fãs de BL,NR.
The Weeknd - "Dawn FM"
Em "Dawn FM", o artista de r&b The Weeknd está no pico de uma pirâmide, que é a sua Torre de Babel. Tesfaye pode repetir os assuntos que sempre gostou de tratar: a cidade, a noite, o sexo, a deriva, a luxúria, o questionamento da sua vida de celebridade e as drogas. Mas encaminha-os para um limiar, entre a noite e a manhã, de forma ainda mais monumental que no disco antecessor "After Hours". Abel Tesfaye encontra uma direcção artística e uma visão conceitual: "Dawn FM" é uma rádio às cinco da manhã, transmissora dos maiores tormentos de alma àquela hora. Dessa Torre de Babel, ou, no caso, de Abel, The Weekend toca no céu em piloto automático, num disco que nunca pára na ligação entre as faixas. Essas ligações ao éter são mais de fade in do que de fade out, tal como a claridade que se anuncia no céu. The Weeknd tem uma antena para o mundo com que, através dela, toca no céu. É uma rádio fora de horas, fora de si, fora-de-série.
Kendrick Lamar - "Mr. Morale & the Big Steppers"
Entre marido e mulher, Kendrick Lamar mete a colherada (e que colherada). Num dos muitos becos do monumental quinto álbum do rapper, na faixa 'We Cry Together', há uma discussão conjugal entre marido (Kendrick Lamar) e mulher (a atriz Taylour Paige), ou uma forma realista de encenar uma tensão entre o par amoroso, quase em modo de rap e em jeito de crónica sobre a América. É também numa faixa destas, onde Kendrick Lamar é um crítico para com a misoginia (recriando-se como um misógino), que se vê a grandeza daquele que é a maior figura do hip hop do século XXI.
Golden Slumbers - "I Love You, Crystal"
De um ninho de conforto doméstico cantado em baixo volume, esvoaçam dez canções com vontade de sonhar. Assim é "I Love You, Crystal", o álbum deste ano das irmãs Falcão (Catarina e Margarida), deixado a maturar durante quatro anos, até nos cair nas mãos com uma simplicidade enriquecida por subtis detalhes. É um dos discos mais aconchegantes de indie pop de 2022.
Charlotte Adigéry & Bolis Pupul - "Topical Dancer"
Fala-se do hip hop com consciência social. Mas há também eletrónica com consciência social, como o caso da dupla belga Charlotte Adigéry & Bolis Pupul, na sua primeira junção de esforços. Oriundos da ilha atlântica sob administração francesa de Martinique, ambos convocam tantos ritmos para dançar, como palavras que nos põem a pensar sobre racismo e misoginia. "Topical Dancer" é uma festa enfaixada de mensagens políticas. "Are you polite or political?", pergunta-se no tema 'Esperanto'.
Big Joanie - "Back Home"
É deste trio pós-punk de feminismo negro um dos álbuns rock mais surpreendentes do ano. Este é um exemplo em que o resultado é maior que a soma das partes. A voz poderosa de Stephanie Phillips, a intensidade da expressão da banda, uma bem-vinda estranheza e umas fintas aos padrões com o auxílio dos sintetizadores (a alargar a modesta instrumentação punk) colocam "Back Home" no altar musical de 2022. Pixies, The Wire ou X-Ray Spex são afinidades que se adivinham, ouvindo este disco.
The Smile - "A Light for Attracting Attention"
Os grandes génios criativos dos Radiohead, o vocalista Thom Yorke e o guitarrista e teclista Johny Greenwood, juntaram-se para este novo projeto, e chamaram o baterista da banda de jazz Sons of Kemet, Tom Skinner. Como trio, formaram um laboratório de rock eletrónico, destemido na aventura experimental e com pontaria para a canção. A Light for Attracting Attention é o grande álbum que os Radiohead não fazem há vinte anos.
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