sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Du Blonde – Homecoming (2021)


 

Numa altura em que não podemos contar com quase nada, em que tudo é provisório e indefinido, os planos furam-se com extrema facilidade e as previsões falham a cada variante, há quem contrarie (e muito bem) a dependência no destino.

Não obstante de uma crítica ser sempre um monólogo temperamental, e das qualidades evocadas poderem não existir para o próximo, se um disco é merecedor de uma dissecação minimamente pormenorizada, onde há fumo há fogo…

E no caso de Beth Jeans Houghton é caso para dizermos que há lava incandescente! No seu terceiro trabalho sob o cognome psychedelic-pop “Du Blonde”, Beth Jeans emancipa-se em todos os quadrantes. Apesar dos inúmeros sinais prévios que esta multi talentosa artista já havia dado, ao realizar e animar videoclipes para vários artistas, incluindo Red Hot Chili Peppers, Ezra Furman ou os LUMP de Laura Marling, Beth não se aburguesou. Antes pelo contrário, pressentiu que a sua intrepidez criativa não teria que se esgotar em parcerias visuais.

E porque não ser ela a convidar artistas para majorar as suas próprias criações? Chegara a hora de Du Blonde ensimesmar-se e fazer um dedo do meio à indústria da música e da arte em geral. Homecoming surge na carreira de Beth como uma extensão do seu trabalho pessoal de cura e reabilitação psiquicas, após um período difícil em que a artista se viu mergulhada num grave problema de ansiedade. Este álbum representa um verdadeiro manifesto DIY, pejado de independência criativa e uma incrível determinação artística desta “miuda” inglesa de 32 anos. Escrito, produzido e realizado em nome próprio, para mim, vulgo consumidor de música e péssimo músico amador, só esse feito chega para perder, pelo menos, 5 minutos a folhear rapidamente o manifesto de Du Blonde. Foi o que fiz e em nada me arrependo. Que surpresa deliciosa… Divertimento garantido, apesar das canções deixarem transparecer a contenda que teve que travar consigo mesma. E não serão essas as lutas que mais nos consomem, por não termos em quem culpar os desvarios emocionais da nossa res cogitans?

Homecoming traz-nos de facto de volta à casa de partida. Aquela onde, pelo menos para mim, quase tudo realmente começou. Estavamos em Boston, no ano de 1986, data em que o quarteto americano irrompeu na história da música. Se antes já havia ficado pasmado com outras bandas, foi com Pixies que a minha maturidade musical se consolidou. Foi com Surfer Rosa que completei a edificação da minha consciência musical. Daí para diante a música deixou de ser um acessório para passar a ser também a minha vida. É por demais evidente neste trabalho, o tributo que Du Blonde presta ao legado da banda de Boston- dúvidas houvessem bastar-nos-ía ouvir “Medicated” para ficarmos plenamente esclarecidos. Assim que o disco começa a tocar e as músicas vão-se seguindo, Pixies e Breeders voltam-nos à memória a cada virar de acorde, umas atrás das outras. Está lá tudo! Mas, e é este mas que me faz escrever sobre este álbum, também lá estão as letras e composições de Du Blonde, e a sua voz despida de travestismos pessoais (ainda que formidavelmente distorcida em “Smoking Me Out”).

Uma pequena grande homenagem em versão comprimido, para curar saudades de ser adolescente inconsequente e não ter vergonha de querer ser ansiosamente feliz!
Quer-me parecer que não vou ser o único a usar este remédio nos próximos tempos…


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