Não se esperava que Genes – o então rapper do Montijo – pudesse ser tão encantador na sua agressão, tão cerimonial na sua sexualidade e tão transparente (no seu já conhecido histrionismo) fora das barreiras do hip hop, barreiras essas construídas pelo mesmo.
De facto, pouco ou nada esperava-se de Luís D’alva Teixeira, que por esta altura do campeonato já deixara de ser um artista adolescente. Após um hiatus de quase 3 anos sem editar novos trabalhos desde o seu LP de estreia “Pessoas“, editado em 2017 quando tinha apenas 19 anos, Genes isola-se durante vários meses em busca de um som que fosse apenas seu… “Queria deixar para trás o Hip Hop. Não tinha a vida para contá-la em raps… Não vendi 10 gramas de marijuana nem assaltei o café do bairro… Entrei num momento de total perda de identidade. Estive para desistir da música várias vezes, mudar-me para a Grécia e começar de novo lá. Cheguei a comprar um bilhete de ida sem volta…”
Interessado por Beck, Velvet Underground e Beach Boys, Genes apenas pensava para si mesmo: Como soar bem sem parecer uma cópia nos dias que correm?
Bastou apenas um single, um single – “Conde D’alva” – e do nada, Genes tornava-se de novo no wonderkid que a Vice antecipara anos antes…
Após tudo isso, regressa de Londres para Lisboa continuando assolado em ideias, mas sem poder para materializá-las: “Estava completamente pronto para gravar um disco. Sentia mesmo que esse momento e estado de espírito que sentia nessa altura iam fazer de mim um artista satisfeito na hora de cantar e de gravar as canções“. Após as medidas estritas do Covid, esses planos foram por água abaixo.
Em cima de tudo isso, Genes sofria de depressão e admite inclusive ter estado dependente das drogas. “Era de loucos trabalhar com música quando tinha ao meu dispor droga praticamente gratuita! Canábis de vários tipos, xanax, cocaína… Chegou uma altura onde não me apetecia viver mais. Liguei para todos os meus amigos no telefone e disse-lhes que ia-me atirar da Ponte 25 de Abril. Talvez estivesse a querer chamar à atenção, ou talvez algo em mim já não sentia nada e a dor de repente tornar-se-ia mais leve…”, confessa.
Após esse momento reflito, Genes regressa para casa dos pais na tentativa de tentar reencontrar-se de novo. De uma paixão pela música perdida por desagradáveis encontros com a noite e amigos menos recomendáveis para uma vida pacata no Montijo… O campo, a liberdade da natureza que rodeia o seu humilde apartamento na Rua Professor Rui Luís Gomes no Bairro do Esteval… Entre viagens madrugadoras para Lisboa, reviu-se muitas vezes entre a solidão e o medo… “Pedi ao Sambado para ficar nos estúdios da Maternidade. Acampava lá uma ou duas noites seguidas, o Alek Rein abria-me as portas… Eram zero as boas ideias que saiam de lá para cá.”
A meio de 2021, Genes decidira com muito esforço mudar-se de volta para Benfica onde alugara um atelier de som. De volta à frustração de não poder exprimir-se no seu máximo expoente, volta a ter outra recaída… “Estava entre a espada e a parede… Não podia voltar para casa porque não tinha como ir para casa! Sentia que não tinha um sítio para onde ir porque não pertencia em lado nenhum… Dormi no chão do estúdio muitas vezes, já para não mencionar as noites que passava num sofá minúsculo que servia também de aconchego para as aranhas e para os bichinhos que apareciam do lado de lá para me fazer companhia. Quando estive na miséria pela primeira vez senti-me obrigado a escrever pelo menos um tema que refletisse bem esse estado de desconforto puro… “Durmir no Sofá“, por exemplo, é uma canção sobre a inveja de não estar a dormir na minha cama de casal. Isso aproximou-me mais da humildade e mais ainda de Deus”.
Por fim, em Novembro de 2021, Genes decide colocar um ponto final no consumo das drogas. Saiu de vez de Lisboa para ficar no Montijo a trabalhar nas restantes canções que precisava. Tirou um pequeno curso de adultos curado por Steve Savage e lecionado nos programas da Universidade de Oxford, e aí torna-se amigo de Al Carlson (Engenheiro de Som – Lady Gaga, Geneva Jacuzzi, Weyes Blood) que começava a comparar as suas demos à pop lo-fi / psicadélica de muitos dos artistas com quem havia trabalhado… “Estava preocupadíssimo com a questão de misturar as minhas próprias canções… Se não tinha um contrato discográfico, ao menos queria um som que ia com os padrões de qualidade que eu busco para tornar-me num artista mais competitivo, não é… O Al disse-me que os meus efeitos vocais e nos instrumentos já eram bons e que eu cantava bem… Isso deu-me uma confiança anormal para mostrar as minhas novas demos a mais artistas que admirava. Tão anormal confiança que cheguei a mandá-la para a Lena D’Água”.
Alguns meses depois, Genes pede ouvido crítico a duas lendas. Luís Severo torna-se num colaborador improvável: “Sempre que eu e o Luís nos cruzamos, tínhamos sempre conversas interessantes. Aproveitei o facto do Sambado querer obviamente passar mais tempo com a família para questionar-me ao Severo sobre as minhas decisões a nível de arranjo e de mistura. Ele estava sempre me dando boas dicas. Às tantas pedi-lhe um trecho vocal que acabou por ficar numa dos temas, “Basileia“; E a Lena D’Água: “As pessoas não têm noção quando falam da Lena. Ela é só espectacular. Acho que não estaria a cantar em português se não fosse por causa dela… Se bem que ela diz-me sempre o mesmo, “Luís, eu não percebo nada das tuas canções. Aumenta o volume das vozes, miúdo!”
Gravado entre Janeiro de 2018 a Julho de 2020, “Genes” é o regresso de Genes aos discos. Genes traz de volta a voga dos 70’s / 80’s para ressuscitar o psicadelismo pop e o rock melódico e harmonioso, apoderando-se das guitarras elétricas em quase todos os temas e dando-lhes vida através de pedais moduladores, coros motown e harmonias doces e honestas em emoção e em espírito… “O Tyler The Creator português” oferece-nos canções para todos os moods, num disco divertido de se ouvir e resplandecente em puro talento raro. Com certeza um dos discos mais curiosos do ano.
“Genes” tem edição agendada para 9 de janeiro de 2023
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