quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

King Crimson – Red (1974)


 

Deus criou o mundo em sete dias; King Crimson destruiu-o em sete discos.

Red, o sétimo álbum de estúdio dos King Crimson, é bem capaz de fazer chorar os descuidados. Bruford na percussão, Wetton no baixo e voz, Fripp no manuseio das guitarras: está magicada a fórmula que de química tem-na toda. Deveria ter-se avisado de que exercem trabalho vão os desorientados que partiram em busca de banda equiparável. Apesar das constantes mutações que o grupo foi sofrendo com a entrada e saída de membros, Robert Fripp, o seu fiel e modesto fundador, não deixou que a corda passasse de bamba e foi preservando a existência da banda. Ainda assim, Red marca o desfecho de um período intimamente negro para o grupo. Veja-se: com o disco já gravado e a duas semanas de sair, Fripp colocou a King Crimson, musicalmente encardido pela passagem do tempo, aquilo que julgava ser um fim definitivo. Mal sabia o mago do quão imprecisa era a sua profecia. Sete anos mais tarde – algarismo curioso -, estavam de volta.

A primeira track partilha o título com o disco e é puramente instrumental. Perdoem-me os que se mostram indiferentes aos encantos da teoria musical, mas isto tem de ser dito: a melodia central deste tema assenta sobre aquilo que no período medieval se julgava ser o intervalo musical do diabo – o trítono. Literalmente, sim. É o som mais sujo, sinistro e teoricamente imperfeito que a combinação de duas notas pode exercer. Havia King Crimson de ter cavalgado pelas trevas da Idade Média e teria posto fim ao feudalismo bem mais cedo. É isto que a banda faz melhor: forja um belo e ousado brasão que é imune à dissonância. A partir daqui, tudo pode ser feito.

“Fallen Angel” está lá para sossegar, pelo menos em parte. É um pedido de desculpa por qualquer transtorno que o primeiro tema possa ter causado. Atenção: de pungente ainda há bastante, é só um penso rápido. Digamos que é meio balada, meio murro no estômago; metade King, metade Crimson. “Lifetimes spent on the streets of a city make us the people we are”: como é bonito. As mudanças de tempo com que Bruford nos vai aliciando ao longo do disco, sempre de mãos dadas com o toque do baixo, têm tanto de abrupto como de complexo. Parece que a banda está destinada a ir ao encontro do inesperado rítmico e, em silêncio, olhá-lo eternamente nos olhos.

Os primeiros minutos de “Starless” transportam-nos para um mundo seguramente incerto, que não é ilha nem é deserto. Não é nuvem nem é solo, não é Dionísio nem Apolo; quanto muito, é submundo a levitar à superfície. A melodia é relativamente simples, aliás, como quase sempre, ainda assim, deveria ser pecado subestimar o seu engenho. Uns minutos de boa – correção: da melhor – poluição experimental depois, abre-se finalmente a porta que dá entrada ao fecho do disco. A ânsia é já tanta, que o conselho é que se apertem os cintos. A linha inicial é retomada em tons de aflição, guiada por camadas e camadas de saxofone, mellotron e guitarras que sabem a Hércules. “Starless” é só por si uma obra de arte, uma ode à agonia, a fase final de um apocalipse de 40 minutos.


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