O segundo dos Boards of Canada, Geogaddi, pode não ser tão canónico como o disco de estreia – um marco na música electrónica ambiental – mas não lhe fica em nada atrás: nostálgico, poético e assombroso. Uma viagem à infância que pode não acabar bem…
Quando pensamos em música electrónica vem-nos à cabeça sons futuristas e robóticos, orgulhosamente artificiais, pensados para o desregramento de uma pista de dança. Ora a electrónica dos Boards of Canada – dois irmãos escoceses, o nome é só para despistar – é em tudo oposta às convenções do género. Na peugada do Brian Eno e dos Aphex Twin – os Boards of Canada não inventaram a roda -, a sua música é lenta e contemplativa, mais dirigida à cabeça e ao coração do que às ancas e aos pés. Estamos, pois, em território da chamada Inteligent Dance Music (nome bem… como dizer… estúpido?) ou, se preferirem – nós preferimos! -, da música electrónica ambiental (rótulo, apesar de tudo, menos pomposo). Dominada por samples, é preciso dizer: cortando e colando fragmentos apanhados no lixo, transformando-os em ouro.
Mas os Boards of Canada vão mais longe, trocando o futurismo pela nostalgia. No seu aclamado álbum de estreia, Music Has the Right to Children, já estava presente esta evocação da infância longínqua. Ora o segundo disco, Geogaddi, continua este trilho saudosista. Com uma diferença: a viagem no tempo é agora mais sombria e inquietante. As gravações de vozes de crianças são quase sempre perturbadoras: distorcidas, torturadas, fantasmagóricas. “Libertem-nos deste eterno limbo”, parecem-nos implorar, e nós sem saber como salvá-las. As crianças que fomos aparecem já não como milagre mas como arrepiante assombração.
Ao alterar a nossa consciência do tempo, como num sonho ou numa trip, Geogaddi é música psicadélica. Mas em vez da reciclarem, pela milionésima vez, os lugares comuns do psicadelismo original – as cítaras, as guitarras gravadas de trás para a frente, os céus de marmelada… -, inventam novos sabores psicotrópicos: os sintetizadores analógicos que parecem escangalhados, as fitas magnéticas deterioradas pelo tempo, os samples de documentários antigos (do tempo em que a TV era ainda paternal e pedagógica).
Se Geogaddi nos transporta para os domingos de manhã dos anos 80 – quando tínhamos de levar com a seca da TV Rural antes dos bonecos – não é com ternura saudosa que lá voltamos mas sim com uma inominável angústia. Há portas que deviam ter permanecido fechadas. E agora os fantasmas do passado não nos querem largar…
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