Quando li pela primeira vez alguém comentando positivamente, acho que na época longínqua daquelas comunidades do Orkut, sobre o Manfred Mann Chapter Three achei curioso esse nome e fui atrás de informações. Nesse primeiro contato achei tudo muito confuso porque não só encontrei o Chapter Three, mas também o Earth Band, o Plains Music, o The Manfreds, etc.. Acabei desistindo de entender e me aprofundar na história como um todo e apenas foquei nos discos que tinham me indicado.
Manfred Mann é um tecladista sulafricano que é o epicentro de todos esses grupos. Obviamente poderíamos chegar à essa conclusão apenas analisando os nomes, mas as coisas não poderia ser assim tão simples já que em uma dessas bandas, o The Manfreds, é a reunião de ex-integrantes desses grupo sem o próprio Manfred Mann formada em 1991.
A história musical de Manfred começou na Inglaterra com o Mann-Hugg Blues Brother que foi o início da grande parceria musical com Mike Hugg, um baterista que também tocava outros instrumentos, além de contar com Graham Bond, saxofonista/tecladista/vocalista, considerado um dos responsáveis pelo crescimento do rhythm and blues britânico. Não vou me ater aos vários nomes dos instrumentistas que passaram por todas as formações dessas bandas ao longo do tempo para não deixar o texto maçante. Apenas vou citar os presentes no Manfred Mann Chapter Three, o foco desse texto, e os mais importantes.
Algumas mudanças de formações e então se firmaram apenas com o nome de Manfred Mann. A banda investia na onda mob do rhythm and blues com pitadas de jazz e foram tornando seu som cada vez mais pop. Fizeram relativo sucesso com alguns singles alcançando altas posições nos charts inglês e chegaram a contar com Jack Bruce no baixo durante um período. Muitos dos sucessos da carreira do grupo surgiram de regravações de diversos outros artistas como “Sha La La” do grupo feminino The Shirelles. Durante o período entre 1964 e 1968 foram ao todo seis álbuns sendo que o derradeiro Mighty Garvey é o mais indicado por quem conhece a fundo a carreira do grupo.
Em 1968 Manfred e seu parceiro Mike Hugg lançam um álbum, na verdade um trilha sonora, para o filme Up the Junction, sob o nome Manfred Mann & Mike Hugg. Esse foi apenas uma evolução natural de um trabalho que eles estavam fazendo compondo jingles. Porém essas experimentações criaram um desejo de partir para algo mais trabalhado, mais técnico, bem distante do tipo de som da banda Manfred Mann.
Nasce então o Manfred Mann Chapter Three. O “terceiro capítulo” se deve por conta das outras duas bandas anteriores: Mann-Hugg Blues Brothers e Manfred Mann. Mike Hugg deixa a bateria para se dedicar aos teclados e voz, Manfred fica com o órgão e os músicos Bernie Living (sax), Craig Collinge (bateria) e Steve York (baixo) completam o line up. Para a gravação do primeiro álbum, lançado em 1969, um naipe de metais com mais cinco músicos foi adicionado. O nome do álbum, lançado pelo selo Vertigo, aquele do swirl, foi chamado apenas por Manfred Mann Chapter Three, porém com o tempo muita gente acabou se acostumando a ser referir à ele como Volume One – devido, claro, ao segundo disco, este sim chamado Volume Two desde o início.
O som, como mencionado acima era muito mais experimental que o da banda anterior. A ideia era misturar o rock com o jazz mais ou menos da mesma forma que Miles Davis estava testando em alguns show e culminou no lançamento de seu clássico Bitches Brew. O som de Frank Zappa e seus atonalismos e bandas que estavam misturando jazz e funk como Sly and Family Stone e Blood, Sweat and Tears também foram inspirações. Outro grupo que fazia o mesmo nessa época na Inglaterra era o Colosseum .
Com um crescendo de sopros “Traveling Lady” inicia o álbum já dizendo muito como o disco todo vai ser. Por não ter guitarras, o teclados e o órgão são o cerne das músicas, as vezes se impondoas vezes timidamente, mas é o naipe de metais que aparecem como destaque quando ocorrem suas inserções. Outro bom exemplo disso é em “Snakeskin Garter”. O neozeolandês Bernie Living não perde a chance de apresentar solos com seu sax em todas as passagens que lhe dão a chance. ”Konekuf” inicia como uma big band, com todos os instrumentos fazendo o tema principal da canção até ela descambar para um solo maluco de saxofone.
Uma faixa que chama bastante atenção é “Devil Woman”. Alguns backing vocal femininos fazem a parceria com os instrumentos de sopro. A melodia principal de “Time” não vai sair da sua cabeça. Essa faixa é provavelmente inspirada pelos tempos das trilhas sonoras, outra em que algumas passagens parecem uma big band. Uma das melhores faixas, com um ótimo solo de piano, é “Mister You’re a Better Man Tha I” que foi composta por Hugg e seu irmão e já havia sido gravada pelo Yardbirds. Mas nem tudo é experimentação e improvisos. Belas canções sentimentais também fazem parte do álbum como a quase psicodélica “Sometimes” e “Where Am I Going” que é basicamente piano e voz muito bem pontuados por alguns sopros.
É certo que o jazz rock não agrada muita gente que pode o achar difícil e com muita informação. Porém é possível que a voz de Mike Hugg seja o maior empecilho para aqueles que forem ouvir o disco com cabeça fechada. Realmente ele não tem uma grande voz e ela soa em alguns momentos exageradamente anasalada. Mas é algo que você se acostuma e quando isso acontece as músicas se transformam. O Lemmy é um cantor nota um e nós todos gostamos dele.
Como citado acima o grupo gravou um segundo álbum Volume Two, em 1970. De diferente em seu line up apenas a adição de Brian John Hugg, irmão de Mike Hugg, na guitarra. O álbum é no todo um pouco inferior que o primeiro – e um pouco mais pop também – , mas talvez tenha a melhor faixa de todas, “Lady Ace”, também a mais direta e melódica. A adição da guitarra dá o ar da graça com o bonito dedilhado de “I Ain’t Laughing”, outra bela canção. A faixa mais longa dos dois álbuns, ”Happy Being Me”, tem um balanço funkeado e um refrão marcante em forma de coral, novamente acompanhado pelos metais. “Poor Sad Sue”, “It’s Good to Be Alive” e “Virginia” fecham o álbum, sendo que esta última em alto nível.
Os relançamentos em CDs trazem algumas versões de singles das mesmas faixas dos álbuns e também alguns takes diferentes, mais curtos, para algumas músicas originalmente mais longas. Destaco a bela capa do primeiro disco (a imagem principal dessa matéria) com a caricatura da dupla principal como se tivesse sido desenhada em uma lousa. Na contra capa aparecem os outros três integrantes também desenhado da mesma forma. A versão americana trazia uma capa diferente também com uma referência à um objeto escolar; um livro em forma de três. Já a capa do segundo volume é, a meu ver, medonha. As diversas cabeças de bonecas dão a impressão de ter ter havido um massacre de criancinhas. Horrível e de mau gosto!
Um terceiro álbum chegou a ser gravado, mas antes de ser lançado ele foi cancelado. No fim essas faixas acabaram sendo regravadas em um disco solo de Mike Hugg. Com o fim do terceiro capítulo de sua história, Manfred Mann partiu para o seguinte com o Manfred Mann’s Earth Band. Seguindo o estilo em alta na época o grupo partia para um rock progressivo sinfônico que, para não deixar de ser uma banda típica do estilo, chegou a fazer AOR nos anos 80. Os integrantes do Manfred Mann Chapter Three chegaram a se reunir alguns anos depois da separação para alguns shows, mas a sua volta foi impedida pelo sucesso do Manfred Mann’s Earth Band.
Sem comentários:
Enviar um comentário