terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Pedro de Tróia – Tinha de Ser Assim (2021)

Em Tinha de Ser Assim apagou-se a chama eufórica da festa na areia. O timoneiro Pedro de Tróia agora está crescido.

Há muitos anos que acompanhamos Pedro de Tróia, desde os tempos em que liderava uma trupe de homens-do-mar, tocando guitarra numa raquete de ténis antiga e cantando “bailamos no teu microondas”.

Isso foi há mais de 10 anos, agora está a começar a desbravar o seu território em nome próprio. Este já é o segundo disco em dois anos mas ainda está só a começar, porque ele é um perfeccionista quase maníaco na busca da canção perfeita. E com este disco dá mais um passo nessa quimera, mas não vai pelo caminho mais óbvio.

Se no disco anterior, Depois Logo se Vê, ainda estava a meio caminho entre Capitães da Areia e outra coisa, agora abandonou quase por completo o tom de euforia celebratória saltitante.

Tinha de Ser Assim soa a fim de festa. O ambiente para onde somos atirados é o de umas 4 horas da manhã, depois do baile, quando ainda há alguns balões cheios mas mais confetis no chão, já temos o colarinho desabotoado, a voz rouca e a cabeça meio zonza.

Mas, tematicamente, não é um disco sobre fim nem sobre fim de festa. A única coisa que aqui notamos cessar é a mocidade. Estamos a envelhecer (não vale a pena vir com eufemismos tipo crescer ou amadurecer) mas isso é bom. Não é preciso fazer dramas nem ficar agarrado ao passado nem fazer birra para o tempo andar pra trás. É o que é! Ou, como se baptiza o disco, Tinha de Ser Assim. Sem ser panfletário nem populista nem saudosista, sem se lamentar desolado com o que foi não volta a ser, Pedro de Tróia faz um excelente disco adulto. Claro que ainda mantém um lado pueril, mas é cultivado de maneira honesta e até enternece.

Tróia está maduro na escrita e na composição, sabendo que não precisa de ser veloz pra ser eficaz. Só duas das oito canções recuperam mais ou menos os ritmos de outrora, a maioria das músicas é lenta, lânguida, impactante e envolvente, como uma energia de polvo que nos suga para dentro das canções, agarra e puxa devagar, mas com firmeza sem largar.

Esses tentáculos são, na maioria, uma armada de teclados. Ao contrário dos discos anteriores, aqui há muito poucas guitarras, o protagonismo é todo de órgãos e sintetizadores e programações, umas mais graves, outros a fazer as melodias, mas tudo num som cheio de teclas.

Logo na primeira canção, “Namorada”, há ecos de Vangelis, na banda sonora de Chariots Of Fire, camadas em cima de camadas de teclados densos que nos fazem submergir logo no disco, ficamos amarrados e só saímos ao fim de 30 minutos.

Muito deste mérito pertence a Tiago Brito, que nos Capitães da Areia era guitarrista extraordinaire/director musical,  e que assina agora a produção deste disco. A amizade e cumplicidade entre os dois é determinante para Tiago extrair todo o sumo das composições de Pedro.

Outro dos envolvidos neste trabalho é Rui Reininho, que faz dueto em “Carrossel” e é um exercício interessantíssimo ver Pedro de Tróia a escrever uma letra para ser cantada por Reininho: mago da aliteração e dos jogos de palavras que dão nós no cérebro. Claro que P. de Tróia não está nesse patamar lírico (como aliás ninguém está), mas é giro vê-lo tentar. E é impagável ouvir Rui Reininho vociferar “sou um porco imundo”. Enquanto isso, a música por baixo é toda baixo e teclas, a lembrar Future Islands. Mas esta é das poucas com este ritmo mais expansivo. A anterior, “Dor no Ombro”, e a canção seguinte, “Ballet”, retomam o tom mais introspecto. “Passarinho” soa quase a Caribe, “Mãe” começa com uns teclados ondulantes que chamam à memória António Variações, para no refrão saltar numa evocação dançante à Madchester.

Para fechar o disco, “Não Te Vou Deixar Para Trás”, uma canção arrebatadora de encerramento. Quase sempre só voz, nua, quase cântico de igreja, em cima de um lençol fino de teclado minimal, canção linda, gélida mas com teclas quentes. Tem tom de despedida mas é para partir em paz, sem mágoa e com um sorriso nos olhos. Porque apenas se deixou para trás uma coisa tão simples como o tempo de ontem.


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