domingo, 18 de dezembro de 2022

POEMAS CANTADOS DE SERGIO GODINHO

Paula

Sérgio Godinho

 

Paula, vem cá, os teus olhos verdes

Guarda-os na viola com quem vou partir

Rugas a mais te percorrem quando

Pões a memória no que está pra vir

Sentas-te e à volta as laranjas abrem

Portas que dão para a tua boca

E a vida é minha e a tristeza é tua

cantas comigo e a canção sai rouca


Trazes em ti mais do que te dei

Trazes em ti mais do que te dei

Paula até já

Paula até já


Paula, vem cá, os teus olhos verdes

Guarda-os na viola com quem vou partir

Rugas a mais te percorrem quando

Pões a memória no que está pra vir


Vais à janela, estou em baixo a olhar

Ergues a mão por cima do rosto

Fazes de conta que não és daqui

Ficas no corpo com o meu fogo posto


Trazes em ti mais do que te dei

Trazes em ti mais do que te dei

Paula até já

Paula até já


Pequenos Delírios Domésticos

Sérgio Godinho

 

Lá em casa, minha amiga

(deixe que lhe diga)

ele abre a boca, eu dá-me o sono

só gostava que nos visse

aquilo é uma molenguice

aquilo anda muito morno

eu bem tento pôrao lume

mas depois, como é costume

vai-se o fogo e vai-se o gaz

volta-se ao mesmo marasmo


Eu bem ponho lingerie, oh oui

dou-me ares de Mata-Hari, vê-de

faço pratos e petiscos

noz-moscada, corro riscos

faço riscos na parede

a prisão é na cozinha

e a capela no chuveiro

e na cama há um canteiro

onde as flores não têm luz nem cor


Se eu lhe contar um segredo

(a medo...)

fico mais desabafada

no outro dia ouvi a chave

a rodar lá pelas nove

e fingi-me desmaiada

vê-me uma reles beijoca

se isso é que é o boca-a-boca

não vou querer que mais ninguém me salve


É certo que me distraio, saio

como p´ra longe do mundo

subo à torre, toco o sino

e num belo submarino

vou até bater no fundo

depois venho respirar, o ar

que me coube nesta vida

volto ao ponto de partida

são quase horas de ele querer jantar


Ai, amiga, se eu chegasse (ah, se...)

ao momento da verdade

dizia-lhe assim à bruta:

"Mata-ratos e cicuta

tomarás em quantidade"

a hora do telejornal

era o momento ideal

tanta guerra e tanta fome

e o meu crimezinho incólume


Deixava-o morto e sentado, de lado

com as mãos ainda ocupadas

numa o controlo remoto

e na outra o totoloto

em ambos as unhas cravadas

ia comprar espumante, ante

a surpresa do merceeiro

que malicioso e matreiro

perguntaria: "a quem vai brindar?"


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