quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Sonic Youth – Dirty (1992)

 

Dirty é o disco no qual os Sonic Youth se iam vender e à custa do qual ficariam ricos. Nenhuma das coisas aconteceu.

Em 1992, o mundo estava aparentemente no ponto para celebrar os Sonic Youth como a grande instituição do indie-rock americano. A banda andava numa digressão conjunta com os Nirvana, uma banda que tinham claramente influenciado, e Nevermind, editado poucos meses antes, explodia que nem bombas de napalm um pouco por todo o lado. A isto acrescente-se o relativo sucesso de Goo, de 1990, o primeiro disco dos Sonic Youth editado pela major Geffen, e que indicava um caminho mais rock n roll e menos experimental dos que os registos pelos quais a banda nova-iorquina era mais conhecida.

Com os Nirvana a abrirem os ouvidos do mundo para sons mais agressivos e alternativos, e Cobain a revelar publicamente o seu respeito e amor pelos Sonic Youth, este era o momento para a explosão de uma banda que andava há mais de dez anos a partir pedras no circuito independente. A última peça foi a escolha do produtor: Butch Vig, o homem na mesa de mistura de Nevermind.

Estes factores acabam todos por marcar Dirty, de 1992, e sobretudo por marcar as expectativas sobre ele e a herança que acabou por lhe ficar ligada. Este era, afinal, o disco no qual os Sonic Youth iam finalmente deixar-se de parvoíces noise, abdicar da sua personalidade, e abraçar um caminho comercial que lhes custaria a reputação tão duramente construída mas que os encheria de dinheiro até ao cabelo.

Na verdade, o mito urbano era esse, mas não foi isso que aconteceu.

Sim, é verdade que Dirty é um disco mais produzido que os anteriores. Vig foi mexendo aqui e ali, tentando trazer um pouco mais de estrutura ao caos dos Sonic Youth, e colocando algum verniz para dar um ar mais glossy a este do que os discos anteriores tinham. Mas é um álbum ainda assim muito menos “produzido” do que colossos da época, como os Use your Illusion dos Guns n Roses, o álbum preto dos Metallica ou até que Nevermind.

Há um momento curioso que ilustra esta dinâmica. Estão a gravar e Vig nota que a Fender de Thurston Moore parece estar com alguma má ligação, fazendo um zumbido permanente e inesperado. Nesse momento, o produtor manda parar tudo e chama a atenção do guitarrista, dizendo-lhe: “Esse zumbido não faz parte do som”, ao que Moore simplesmente responde…”mas faz”.

Mais do que uma mudança radical de som, o que temos aqui é uma arte plástica ainda muito alternativa, mas exibida na galeria maus trendy da cidade, com boa iluminação e um catering bastante aceitável.

Ouvindo Dirty tantos anos depois, nada aqui é datado. Continua um potente, complexo, absorvente e apaixonante trabalho, um conjunto de canções que se deixam descobrir sem abdicar da personalidade dos seus criadores. A diferença não está na ausência de ruído. Aqui, o ruído é aplicado com total mestria, não como exercício inconsequente e artsy mas como forma de cortar a doçura e a “normalidade pop” de algumas melodias. Em quase todas as canções, a melodia está lá bem presente para ser apreciada, e o noise surge a meio ou no final das músicas, dando aquela aura de estranheza tão característica, como atirar um punhado de terra para dentro do frasco do luminoso mel. Este é, na verdade, o grande segredo dos Sonic Youth: melodia e estranheza sónica em partes iguais. Sem qualquer uma das partes, os Sonic Youth seriam imensamente menos satisfatórios.

Ouça-se, por exemplo, o tema de abertura e primeiro single, o fantástico “100%“. Arranca com uma injecção de feedback que faz uma cama de ruído eléctrico durante toda a música, enquanto a melodia e o baixo cool vão conduzindo as operações. E que dizer do vídeo, dirigido pelo então desconhecido Spike Jonze, que teve alta rotação na MTV de então e ajudou a cimentar Kim Gordon como a tipa mais estilosa do rock? Excelente.

Este é também o primeiro disco em que os Sonic Youth se aventuram, nas letras, por temas mais concretos e se libertam das abstracções do passado. “100%” e “JC” têm como tema o assassinato do roadie e amigo Joe Cole, um crime ainda não resolvido. “Swimsuit Issue”, pela voz de Gordon, fala abertamente sobre o assédio sexual, enquanto “Youth Against Fascism” é talvez a canção mais directamente política que a banda alguma vez gravou.

Mas o forte desta malta nunca foi o conteúdo lírico, mas sim as canções. E aqui há grandes canções para dar e vender. “100%”, a coolness fantasmagórica e negra de “Shoot”, a falsa balada “Wish Fulfilment” ou “Sugar Kane”, provavelmente o mais perto que os Sonic Youth estiveram de fazer um verdadeiro single, com direito a um solo de guitarra (quase) límpido e direitinho.

Dirty não foi o fim da credibilidade dos Sonic Youth nem trouxe a fama ou a bonança financeira que a editora esperava e a banda não rejeitaria, mas com a qual não estava claramente obcecada. E fica para a história como um dos poucos discos dos Sonic Youth capaz de ombrear com os clássicos dos anos 80 e, certamente, tem um lugar entre os melhores álbuns do rock alternativo dos anos 90.


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