Os Sonic Youth afastam-se deliberadamente do mainstream, num belo disco que recupera algum do experimentalismo dos seus primeiros tempos
A história de Experimental Jet Set, Trash and No Star começa a escrever-se muito antes, nos abrasivos e livres anos 80 e na sequência de discos gravados para a editora Geffen, iniciada com Goo, de 1990. Se Goo foi esse arranque e o abrir de portas comercial, o seguinte Dirty, de 1992, devia ter sido a consagração, à boleia da explosão dos Nirvana, que trouxeram os sons alternativos para o mainstream. Não é que Dirty – mais produzido e eventualmente o disco mais “comercial” dos Sonic Youth até então – tenha vendido mal, sobretudo para os padrões da banda, mas ao pé dos Nirvana e outros fenómenos do grunge, esse sucesso soube a pouco.
Para o disco seguinte, a banda seguiu a muito alternativa estratégia de desistir de sequer tentar. O mundo da alta finança do rock e da MTV gostava dos Sonic Youth para ganhar alguma credibilidade de rua, mas nunca os aceitaria totalmente. Eles eram simplesmente demasiado esquisitos, demasiado diferentes, demasiado “artistas”.
Para Experimental Jet Set, Trash and No Star a banda tinha ideias definidas: gravar rapidamente, a maior parte ao vivo e com o mínimo ou nada de overdubs, e não pensar demasiado. O espírito lo-fi estava de volta, procurando captar mais a espontaneidade e gravando as músicas assim que a mínima estrutura estava definida, em vez de passar dias a trabalhar numa ponte ou num som de bateria.
Tal era o desejo de seguir num rumo diferente – Lee Ranaldo não assina nenhuma música, alegadamente por estar chateado com a forma “polida” como algumas composições suas dos dois discos anteriores haviam sido gravadas – que não deixa de ser estranho que tenham continuado a parceria com o produtor Butch Vig. Este era acusado pela comunidade indie de ter limpo o som dos Sonic Youth em Dirty, tal como alegadamente havia feito com os Nirvana em Nevermind. Mas Vig tinha, apesar de tudo, mais do que uma forma de trabalhar, e tinha ainda credibilidade alternativa.
Para as gravações voltaram ao estúdio Sear Sound, em Nova Iorque, onde tinham gravado Sister, de 1987. A banda chegou a dizer que, para poupar custos, tinham gravado por cima das masters de Sister, mas tudo leva a crer que isso foi apenas uma provocação indie.
Em 1994, o mundo havia sido tomado de assalto pelo rock alternativo, com os Sonic Youth apontados como os pioneiros do género. Mas, logo a seguir a Dirty, a banda trocou as digressões com os Nirvana por uma significativa descida de divisão, mas uma subida no seu muito próprio campeonato alternativo: foram para a estrada com os Pavement, os Royal Trux e os Sebadoh. Mas em 1994 havia também um certo clima de fim de festa. Basta dizer que Experimental Jet Set, Trash and No Star chega às lojas um mês depois de Kurt Cobain se ter suicidado.
Na verdade, este disco reflecte um pouco esse ambiente de fim de ciclo, de ressaca, de busca de alguma reclusão depois das luzes da ribalta. Não é um álbum tão experimental nem abrasivo como alguns dos primeiros dos Sonic Youth; e não é tão trabalhado nem tem “singles” tão afinados nem tão fortes como Dirty ou Goo. É, no fundo, uma paragem que serve para fazer alguma síntese desses dois mundos, que sempre foram a essência da banda.
Logo no arranque, a primeira surpresa, a acústica (!) “Winner’s Blues”, só Thurston Moore na viola e na voz. Saltemos directamente para “Sweet Shine”, a última canção, que tem uma faixa escondida que é apenas ruído e a repetição de uma voz metálica de um anúncio sonoro numa estação de serviço no Japão. Entre a placidez sofrida de uma e a weirdness da outra, há todo um mundo.
Há a óptima “Bull in the Heather“, single de avanço que está impregnado de desconforto; o noise-rock puro e duro de “Starfield Rock”; a balada algo demente de “Skink”, como uma canção de embalar escrita por um psicopata; o proto-grunge de “Screaming Skull”; o charme negro de “Self-obsessed and Sexxee”; a arrastada “Bone”, que avança embalada pela voz de Kim Gordon até ser atropelada por uma locomotiva de ruído, regressando depois à serenidade; a apunkalhada “Androgynous Mind”; o experimentalismo da desconstruída “Quest for the Cup”; o rock n roll directo de “Waist”; a estranha e onírica “Doctor’s orders”; “Tokyo Eye”, a faixa que talvez mais explora a dinâmica quiet/loud tão em voga, sem perder a personalidade da banda; e o punk-rock sem merdas de “In the Mind of the Bourgeois Reader”.
Como referido, o disco fecha com “Sweet Shine” que, antes do final de ruído, nos dá uma bonita, ainda que sempre inquietante, melodia. É uma música calma e narcotizada, que acaba como se fosse saindo de mansinho, porta fora. É a despedida perfeita com o tom que marca este álbum.
Se Dirty era uma tarde ensolarada num subúrbio cool alternativo, Experimental Jet Set, Trash and No Star é um anoitecer na cidade (não há lugar para as manhãs no mundo do indie).
Mesmo com esta manobra anti-comercial, a embalagem vinha de trás, e não deixa de ser irónico que este tenha sido o disco dos Sonic Youth que melhor posição atingiu, até então, nas tabelas de vendas (só superado, muito mais tarde, pelo último trabalho da banda, o magnífico The Eternal). Não houve sequer uma digressão de promoção: dois meses depois, Kim Gordon dava à luz Coco, a sua filha com Thurston Moore.
Quem só conhecesse os Sonic Youth de Goo ou de Dirty e fosse à procura da energia rock crua dos Nirvana ou da divertida slackness dos Pavement, certamente terá ficado desiludido. Estes são uns Sonic Youth inquietantes, ainda excitantes e vitais, mas mais negros e abraçando a melancolia e a sua costumeira estranheza em partes iguais.
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