quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Sonic Youth – Goo (1990)


 

Goo – sexto álbum dos Sonic Youth e primeiro com o selo de uma major – é um dos grandes clássicos do indie dos anos 90. O espírito de Nevermind a bater à porta…

A aura de coolness e de integridade à volta de uma editora independente tem muitas vezes um senão: uma péssima distribuição dos discos e pagamentos miseráveis para os artistas. Justamente o que aconteceu com os Sonic Youth durante toda a década de 80, pelo que a assinatura pela major Geffen foi um passo inteiramente compreensível.

Os moralistas do indie – Steve Albini à cabeça – apedrejaram-nos de imediato na praça pública, acusando-os do mais infame dos pecados: “venderam-se ao sistema”. Que no acordo com a Geffen os Sonic Youth tenham não só garantido a total independência criativa, como até a prerrogativa de escolherem novas bandas “esquisitas” para o catálogo da editora, não comoveu os talibãs do underground. Perdoem-nos o plebeísmo mas não há cu para esta gente. Mil vezes putas do capitalismo do que padres do indie!

Goo, o primeiro disco dos Sonic Youth com o selo de uma major, foi mais escrutinado do que o costume, a polícia punk à procura da mais ínfima nódoa de sell-out nos lascivos lençóis. Acusou-se “Dirty Boots” – a incrível canção de abertura – de uma deriva “rockista”, com o seu riff gasolineiro explodindo no refrão, como se o rock’n’roll fosse uma embaraçosa doença venérea. Culpou-se “Kool Thing” – um dos clássicos maiores em todo o cancioneiro dos Sonic Youth – de se ter prostituído no prostíbulo da MTV, ignorando a sua coolness abrasiva e o subtexto feminista (imortal o diálogo de Kim Gordon com Chuck D). Censurou-se “Disappearer” por ser demasiado orelhuda, quando não há nada mais valioso na música do que uma melodia memorável e imaginativa. Não obstante o travo “apunkalhado” de “Mary-Christ” e de “My Friend Goo”, condenou-se a sua leveza espirituosa, o que só denuncia a total ausência de sentido de humor dos independentes “pidescos” que a criticam. E só não se atacou “Tunic (Song For Karen)” porque a sua comovente elegia – Kim fazendo de Karen Carpenter no além, um fantasma assombrado pelos… seus antigos fantasmas – é a modos que inatacável.

Como se tudo isso não bastasse, ignorou-se ostensivamente os inúmeros exemplos de atonalidade violenta, muito pouco consentâneos com o libelo montado de putativo “aputalhamento”. Desprezou-se, muito convenientemente, que a canção de Lee Ranaldo “Mote” passa os seus últimos minutos no mais inacessível ruído, de tal maneira que EVOL e Sister parecem easy listening por comparação. Esqueceu-se (estranhos lapsos de memória) que a introdução instrumental de “Mildred Pierce” – acumulando uma tensão exasperante com três power chords maiores do que a vida – desemboca num anticlimático devaneio hardcore, quase um manual de instruções em como não fazer uma canção pop. Ocultou-se que “Scooter + Jinx” nem sequer de uma canção se trata, é apenas uma brincadeira com feedback, tão radio friendly como o último hit single dos Napalm Death. Fingiu-se que o disco não acaba com dois minutos do mais gratuito noise, sabotando deliberadamente a vibrante “Titanium Expose”.

Goo seria um dos clássicos maiores da história do indie fosse publicado pela mais milionária major ou pela mais esconsa das independentes. A música indie é uma sensibilidade e uma atitude, não o raio de um pedaço de papel. E dentro do campeonato indie não há banda mais influente (a par com os Velvet, vá) do que os enormes Sonic Youth. Os caniches irritantes que continuem a rosnar. Os cães ladram e a caravana passa sempre.


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