O seu álbum de estreia, Songs the Lords Taught Us, tem tudo o que mais gostamos nos Cramps: revivalismo rockabilly, sujidade punk e imaginário macabro série B.
Os rebeldes convencionais renegam o passado. Os Cramps revoltam-se contra o mundo contemporâneo, refugiando-se num passado idealizado: o nascimento do rock’n’roll nos anos 50. Fascina-os a sua sexualidade vibrante, e o pânico que gerou nos adultos de então. Reacendem este frisson primordial, tornando explícito o que antes estava apenas latente: o sexo, a rebeldia, a loucura.
O casal que se confunde com os Cramps – o vocalista Lux Interior e a guitarrista Poison Ivy – colecciona obsessivamente singles dos anos 50 e 60, do rockabilly ao doo-wop, da surf music ao garage rock. Songs the Lord Taught Us presta homenagem a este acervo, com versões dos artistas obscuros que tanto amam: de Jimmy Stewart a Link Wray, de Johnny Burnette a Little Willie John. Destaque especial para “Strychnine”, que transforma o garage cândido dos Sonics num punk explosivo que não deixa prisioneiros.
Os temas originais podem ser maioritários mas a dívida à pop pré-psicadélica é incalculável: a batida sincopada do rockabilly, o reverb espumoso da surf music, a rudeza roufenha do garage. A guitarra de Poison Ivy faz os floreados principais, enquanto o guitarrista Bryan Gregory supre a ausência de um baixo como pode. A voz de Lux Interior é selvagem, perversa, demente. Os quatro sujam o rockabilly com um filtro orgulhosamente punk.
É uma sensibilidade mais complexa do que parece. A começar pela elegância com que chafurdam no mau gosto. Noutras mãos o humor negro decadente, e a lascívia de pin-up de calendário, seriam grosseiros. Acontece que o amor dos Cramps à cultura trash – o terror de baixo orçamento, a ficção científica kitsch dos fifties, a exploração à bruta do sexo e da violência – é sincero, sem qualquer distância irónica condescendente, apenas uma imensa ternura.
Hoje o retro é ubíquo, caindo no lugar comum. Mas quando The Songs the Lord Taught Us saiu, em 1980, o seu revivalismo era fresco e inspirador. Um disco então moderno por recusar… a modernidade.
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