Álbum inquestionavelmente seminal, The Raincoats é um dos expoentes máximos da ética do it yourself, pilar base da revolução punk ocorrida no final dos anos setenta.
Há que começar a conversa por relembrar que quem escancarou as portas para as mulheres no punk foram as Slits. É a própria Gina Birch, uma das fundadoras das Raincoats, que afirma que a vontade de formar uma banda surgiu após ver um concerto da banda londrina, e pouco após a formação houve inclusive uma transferência entre bandas – a baterista Palmolive deixou as Slits para se juntar às Raincoats, altura em que ficaram uma banda exclusivamente feminina. E eram-no de corpo e alma, na sua postura, nas suas músicas e nas suas letras, que passavam uma mensagem clara de vontade de emancipação da mulher e almejavam arruinar os estereótipos que dominavam a sociedade da altura.
Para além de Gina Birch, outra fundadora foi Ana da Silva, portuguesa pois então, originária da ilha da Madeira. Uma das histórias mais marcantes e quiçá que nos faz ainda hoje em dia ouvir as Raincoats ocorreu em 1993, tendo como figura central nada mais nada menos que Kurt Cobain.
Em Maio de 1993, o vocalista dos Nirvana escreveu nas notas do álbum “Incesticide” que as Raincoats tinham sido uma das bandas que mais o influenciaram. Mais ou menos por essa altura, Kurt passa por Londres à procura de uma cópia nova deste The Raincoats, já que a sua se encontrava danificada e foi à loja da Rough Trade, onde nem ali havia. Prestável, a empregada da loja forneceu a Kurt a morada de um antiquário onde Ana da Silva trabalhava, mas nem assim teve sorte – Ana não só não tinha o disco, como não reconheceu aquele rapaz loiro e enfezado, aceitando, após insistência, ficar com a sua morada. Só mais tarde Ana se apercebeu da gaffe e enviou discos e mais material. Kurt Cobain acabou por interceder pela reedição da obra das Raincoats e estas dedicaram-lhe o “Extended Play”, o EP de reunião de Julho de 1994.
Ouvindo The Raincoats à distância de 43 anos da sua edição, a ideia que fica é que vale mais pelo impacto na altura, pela quebrar de barreiras e pela influência noutras bandas do que pela qualidade musical em si. O que é perfeitamente natural, estamos a falar de raparigas sem experiência musical, que estavam ainda a aprender a tocar os seus instrumentos. Ainda assim conseguiram que o seu disco de estreia coincidisse com o início de toda uma sensibilidade artística, de um amadorismo destemido e sem regras. Estas músicas estão carregadas com a sensação de novidade, é o som de encontrar coisas enterradas dentro de cada uma delas que elas não sabiam que estava lá e finalmente descobriram forma de o trazer à tona.
E fizeram-no sem receios de “atacar” os clássicos – foram buscar “Lola” aos Kinks e transformaram-na numa canção expansiva, vivaça e punk. Esgalharam uma grande malha que é “Fairytale in the Supermarket”. “No Side to Fall in” será muito provavelmente das poucas músicas punk que tem o violino na condução da mesma. Não sendo marcantes em termos musicais, a verdade é que foram inventivas sem ficar mal na fotografia, misturando géneros que pareciam totalmente divergentes, criando uma espécie de folk-punk caseiro, com ritmos elásticos, vocais esganiçados e estruturas precárias. E mostraram que pode resultar. Não é essa a essência de todo o movimento punk?
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