quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Disco Imortal: Los Jaivas – Alturas de Macchu Picchu (1981)

 Disco Inmortal: Los Jaivas – Alturas de Macchu Picchu (1981)

SYM Chile, 1981

Alturas de Macchu Picchu é o vencedor do Prêmio Nobel de Los Jaivas que, atingindo a maioridade como banda, compôs talvez o melhor álbum de rock chileno de todos os tempos em 3 meses.

Eu do dito ao fato

Não foi ideia dos Los Jaivas, nem foi pensado inicialmente um álbum completo composto por eles. Foi ideia do produtor peruano Daniel Camino, que propôs à banda participar de um grande projeto, envolvendo diversos artistas latino-americanos para interpretar Neruda musicalmente e criar um trabalho que representasse o sul-americano, gravando as peças audiovisuais no cidade inca e com liderado por Mario Vargas Llosa.

Por fim, a homenagem ao poeta, dado o andamento e qualidade da banda chilena, foi integralmente gravada por Los Jaivas em estúdios na França e na Alemanha com Gabriel, Eduardo e Claudio Parra, Mario Mutis, Eduardo Alquinta e os convidados Alberto Ledo, que contribuiu na primeira música do álbum, e Patricio Castillo, com a tarka em “La poderosa muerte” e a quena em “Águila sideral”.

Do "sim" de Los Jaivas ao Camino para realizar a obra até a edição final nos cumes de Macchu Picchu, passaram-se 9 meses, como se a obra fosse fruto de um amor retumbante e mágico entre a banda, a paisagem, a escrita e a produção. Então tudo aconteceu como tinha que ser, Vargas Llosa apresentou e a televisão peruana se uniu à televisão chilena para transmitir esta obra ao coração de ambos os povos.

O trabalho final estabelece então uma relação indissolúvel entre Chile, Peru, América Latina e a banda.

II O disco.

Em 1981, data da gravação do disco, Los Jaivas já eram uma banda maior de idade, haviam completado 18 anos de história e esse amadurecimento foi notado. Depois de uma fase de criatividade fora da lei, eles começaram a colher o que aprenderam: encontrar-se em seu próprio som, que fundia a essência das raízes latino-americanas com o rock progressivo, aprendido e mágico.

23 instrumentos foram usados ​​neste álbum: elétrico, clássico, sopro, corda e tradicional; e praticamente todo o poema “Alturas de Macchu Picchu”. Mas isso fica como elemento secundário diante do desafio mais importante: interpretar um dos poemas que rendeu a Pablo Neruda o Prêmio Nobel, sem colocar a música acima do conteúdo literário, e isso sem dúvida foi feito de forma formidável.

1º Do ar ao ar

Pássaros franceses ao amanhecer em Paris, gravados por ideia de Alberto Ledo no jardim da casa onde a banda morava, abrem o álbum. A flauta de Pã e ​​seu efeito delay criam a atmosfera ideal para começar a absorver o que está por vir.

Músicas: Tema instrumental. Do ar ao ar é o primeiro verso que inicia o poema “Alturas de Macchu Picchu”.

2º A morte poderosa

A expressão máxima do rock progressivo e como ele deve ser interpretado desde as raízes, pode ser visto aqui. Onde os instrumentos de sopro se fundem com os elétricos, criando uma atmosfera que nos transporta a Macchu Picchu e nos faz sentir sua proximidade com o céu.

Complexidade musical, mudanças rítmicas e uma interpretação multi-instrumental dos textos de Neruda, que com 11 instrumentos mais a voz principal e os coros dão forma a uma obra-prima: guitarra elétrica, bateria, baixo, piano, piano elétrico, minimoog, tarka, ocarina, foram utilizadas quena, trutruca e sinos tubulares.

As mudanças de andamento e ritmo se devem ao fato de a música interpretar uma seleção de versos, ideia de Eduardo Parra.

Canções: II, III, IV, V, VI e VII.

3º amor americano

Depois vem a dança. Para Amor Americano os papéis mudam e Gato Alquinta abre a música com uma sequência de baixo para dar lugar ao som característico e agudo da guitarra nas mãos de Mário Mutis e o "sh shshsh, shshsh, shshsh" da bateria, interpretando então uma cumbiera e melodia andina.

Canção: VIII.

4ª águia sideral

Respire novamente. Apesar de sua escuridão e complexidade sonora, Águila sideral é amigável. A caixa de Gabriel Parra dissolve-se a cada batida ao longo da música, a que o baixo de Mário Mutis dá estrutura e a quena, voz e guitarra de Gato Alquinta, a substância. A música mais psicodélica do álbum.

Canção: IX.

5º Suba pra nascer comigo irmão

A mensagem mais poderosa que Neruda denuncia nesta parte da Canção, a banda a interpreta com um som estonteante, como se gritasse “escuta e não esquece, merda”. O riff principal é um minimoog usado por Claudio Parra.

Canção: XII.

6ª Final

Claudio Parra gera uma melodia que encerra elegantemente o álbum. Um piano clássico é acompanhado pelo sussurro de Gato Alquinta, delineando as últimas palavras escolhidas da obra de Neruda.

Canção: XII.

III Da experimentação vanguardista à elegância solene

Alturas de Macchu Picchu representa o resultado da experimentação como um processo criativo constante e como se tornou a espinha dorsal de um grupo que deu corpo a esta coluna, formando um som surpreendente e sublime que devolve o ouvinte à terra pulsante.

23 minutos de loucura e experimentação ao vivo, só finalizados pelos Carabineros, durando “Tocamos música de vanguarda, e daí?!”, título que lhe foi dado em La vorágine (2004) para nomear a sua apresentação no I Festival de Vanguardia de Viña del Mar (1970), junto com Los Blops e convidados.

Quase 9 minutos de um mantra repetitivo que se grita sem parar ao ritmo dos tambores pagãos, dão forma à canção "Último día" do álbum El volantín (1970).

O encanto da poesia e o empoderamento do piano sobre o som são perceptíveis em "La conquistada" de Indio (1975).

Beleza terna, doce e enraizada dão forma a Canción del sur e Frescura antigua no álbum de 1977.

Los Jaivas se adoçaram? Eles desembarcaram de sua jornada nas profundezas da experimentação? Não, não adoçaram nem deixaram de experimentar, acontece que o seu génio é suportado por uma estrutura criativa impressionante, onde a sua paixão por experimentar e aprender tudo o que soa os levou não só a empoderarem-se com o seu próprio som, mas também a equilibram os elementos para construir obras de intensa loucura sob mantos de beleza objetiva, alimentando cada alma com melodias etéreas mas de grande densidade composicional.

Os Jaivas não só homenagearam um poeta, uma cultura e um povo, como criaram um testamento musical para se apaixonar pela vida. E isso, mais que universal, é uma pegada infinita.



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