Com a sua explosiva mistura de indie rock com disco sound, o álbum de estreia dos Franz Ferdinand faz dançar as cinzas da tua tia-avó coxa.
Is This It não só insuflou nova vida no rock, como criou o molde para o indie do século XXI: secções rítmicas possantes, vocalistas maiores do que a vida, produção crua e selvagem. O terramoto pós-Strokes teve importantes réplicas no outro lado do Atlântico, primeiro com os selvagens Libertines, mais tarde com os destrambelhados Arctic Monkeys, e, no entremeio, com os frenéticos Franz Ferdinand. Hat-trick para os beefs!
O quarteto escocês foi germinado nas escolas de arte de Glasgow, com tudo o que isso implica de educação do gosto e sofisticação arty. Porém, numa reacção contra o elitismo da sua própria tradição, os Ferdinand dizem ao mundo que “só querem pôr as miúdas a dançar”. Daí insuflarem as suas irrequietas guitarradas com um pulsar funk e disco. Podem não ter inventado a roda (“Miss You” dos Stones, “Atomic” dos Blondie, “Girls and Boys” dos Blur e “Disco 2000” dos Pulp são importantes referências) mas nenhuma outra banda de rock levara tão longe este namoro com o disco sound: o baixo borbulhante à Chic, o scratch funky das guitarras e os pratos de choque sincopados estão entranhados no próprio ADN dos Ferdinand.
Por debaixo deste festim do corpo (ancas!, pés! nádegas!) esconde-se o tal refinamento arty na qual foram formados, revelando-se na astúcia das letras (espirituosas e imaginativas) e na loucura formal das suas canções (com guinadas inesperadas no ritmo e no estilo).
O tema de abertura, “Jacqueline”, ilustra bem essa manipulação das expectativas, começando folkie e intimista (só viola, voz e versos literatos), até que um baixo determinadíssimo começa a marchar, espezinhando a placidez inicial. É então que o ataque-relâmpago acontece: rajadas de bateria e guitarras não deixando prisioneiros!; gritos de guerra contra a ética do trabalho! We only work when we need the money…
A famigerada “Take Me Out” tem uma estrutura igualmente doida. Começa com um pastiche de Strokes – guitarras rápidas e precisas, voz langorosa – até que o ritmo abranda e uma bomba de disco rock faz explodir o edifício. É impossível não dançar ao som desta ogiva atómica: malta do indie dança; malta que não sabe o que é isso do “indie” dança; coxos, paraplégicos e tetraplégicos dançam…
O single “Darts of Pleasure” não lhes quer ficar atrás, o invejoso. Num tema sobre a lascívia do desejo, como é que os nossos escoceses favoritos decidem musicar o clímax orgasmático final? Acertaram: com uma espécie de hino da mocidade alemã. Clamam com êxtase: “Ich heiße superfantastisch /ich trinke schampus mit lachsfisch”. Champanhe e salmão fumado? Mais tabaco, amigo Kapranos…
“This Fire” tem o mesmo lúbrico tema, desta feita traduzindo o descontrolo da carne com guitarras flamejantes no refrão (o fogo do desejo a ondular). Espertos, os bandalhos…
A dinâmica verso suave/ refrão-bomba, tão fresca na revolução pós-Pixies, acabou por se tornar formulaica. Até que os Ferdinand a revitalizam em novos termos: dança/descansa, corpo/olhos, dancer tresloucado/voyeur perverso.
Conciliando melodias orelhudas com pura doidice, sensualidade anti-pensante com inteligência arty, hedonismo com uma escuridão latente (“40′ ” aflora o tema levezinho do suicídio), Franz Ferdinand é uma obra mais completa do que parece. Os Bee Gees se lessem Irvine Welsh e ouvissem Gang of Four…
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